quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Viva o catolicismo

O Vaticano atacou o filme Avatar por apresentar a natureza não como uma criação, mas como uma entidade divinizada.
Há pobreza, guerras, violência, fome, terramotos.
Mas o Vaticano não encontra melhor para fazer do que atacar filmes.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Argumentações diferentes, preconceitos iguais

Na sequência do meu post o deputado João Almeida respondeu-me. Descobri que tanto ele como o Michael Seufert, também deputado dos Jovens Populares, fundamentam o.s seus votos no blogue "Da Última Fila". João Almeida afirma que se trata de uma questão jurídica (portanto, alguém que diz que ao Estado nada confia, confia afinal na definição pelo Estado de uma realidade social fundamental - os meus parabéns pela cambalhota argumentativa) e Michael Seufert, pelo contrário, afirma que se trata de uma questão pré-estatal e até (sacrilégio!) pré-religiosa.

Não posso deixar de notar que se trata de duas argumentações completamente díspares. Entre si e, também, daquilo que se tem lido da maior parte dos opositores ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. A única coisa que as une é mesmo, sejamos honestos (e já sei que vou ser acusado de ser intolerante e politicamente correcto, ou politicamente incorrecto, ou seja lá qual for o chavão que está na moda por certas e determinadas bandas), o preconceito.

E voltamos à polissemia (e com isto vão dizer outra vez que se trata de "filosofia complexa"):
  1. preconceito porque se trata de argumentos que não são justificados nem explorados até às suas consequências últimas. Já expliquei o problema do argumento de João Almeida, que não se coaduna com a sua alegada (e suspeito, é mesmo só alegada) desconfiança visceral face ao Estado. Já Michael Seufert não explica por que motivo se dá legitimidade ao Estado ou às religiões para emitirem regras relativamente a uma realidade que as precede. Acaso o Estado legisla sobre se o a Terra gira à volta do Sol ou o contrário (bom a Igreja já o fez, mas adiante)?
  2. preconceito, enfim, por aquilo mesmo que estão a pensar, por pura discriminação em relação às minorias sexuais. Eu normalmente tento evitar este tipo de abordagens; para mim, nós somos livres de nos darmos com quem quisermos. Ninguém é obrigado a gostar nem a dar-se com gays ou lésbicas. Mas ninguém tem o direito de lhes retirar um centímetro dos seus direitos, ou seja, das suas liberdades que não limitam a liberdade de ninguém mais. E não, não estou a dizer que os dois deputados não gostam de gays e lésbicas (isso seria difícil num partido com a demografia do CDS). A questão é que é menos preconceituoso aquele não quer ter amigos homossexuais mas não se opõe ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, que o contrário.
E espero que perceber por que motivo o digo não seja demasiado complexo. Isso será mau sinal.

CDS: retórica liberal e sofística conservadora

No debate sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo afirmou o deputado João Almeida que a função do Estado não é proporcionar felicidade. João Almeida tem razão. Ele leu alguns autores liberais e decorou bem a frase. No entanto, não percebeu nada do significado e não sabe aplicar esta ideia ao concreto.
Para demonstrá-lo vou analisar o conceito de felicidade nas suas duas possíveis acepções: a puramente individual (ou ética) e a social (ou moral).


De um ponto de vista ético, das escolhas que compõem o ethos ou carácter de um indivíduo, qualquer intromissão do Estado é nociva na medida em que é impossível um poder centralizado abarcar todos os conceitos de felicidade existentes, cujo número é, no limite, igual ao número de indivíduos que compõem uma dada sociedade. De facto, aqui a felicidade assume o sentido mais prosaico, ou seja, a felicidade aqui diz respeito ao gozo, ao prazer e à ausência de dor e isto de uma forma continuada. Sucede que nenhum Estado pode proporcionar aos seus cidadãos uma tal condição sem causar ainda mais infelicidade e sem impôr uma visão unitária de felicidade (aquilo que, como veremos, corresponde à felicidade em sentido moral). As variedade de conceitos de felicidade e de fontes de infelicidade são tão vastas que nenhuma soma de recursos poderia jamais cobrir os primeiros nem exaurir as segundas.
A única coisa que o Estado pode pois fazer em relação à felicidade individual é remover as barreiras impedem cada indivíduo de ser feliz, desde que a sua felicidade não colida com a de outrem. É justamente por isso que o liberalismo sempre pugnou por leis mais abstractas. Excesso de leis implica uma tentação de controlo da realidade que não é nunca possível: ela é dinâmica e caótica, tem uma ordem descentralizada que não se compadece das tentativas de controlo por parte de centros de poder.
Aplicando esta ideia ao caso dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo, o que foi feito foi aumentar o nível de abstracção da lei, removendo uma limitação que impedia alguns de seguirem o seu próprio conceito de felicidade individual; a remoção dessa limitação, por outro lado, não implica um ataque à liberdade de outros indivíduos (se no seu conceito de felicidade não couber casarem-se com pessoas do mesmo sexo, apenas têm de não se casar com pessoas do mesmo sexo).


É o segundo conceito que realmente é problemático; a felicidade moral não é já a felicidade como gozo de prazeres físicos ou materiais, mas a felicidade como bom ordenamento de uma sociedade. O que João Almeida defende, ao contrário do que as suas palavras poderiam fazer crer, é um conceito de felicidade moral, ou seja, uma moral substantiva; e pretende defendê-lo impondo-a a todos os demais indivíduos. Vou pôr de parte a constatação de que o Estado português é laico e que portanto as suas leis não dependem de qualquer religião. A argumentação absoluta e profundamente conservadora de que o casamento nasce da tradição cristã e católica (o que, ademais, é um perfeito disparate a todos os níveis, começando pelo histórico e antropológico) denuncia que o que João Almeida pretende é subjugar toda a sociedade portuguesa à felicidade moral católica.

Qualquer liberal deve saber que jamais a “tradição” é um bom argumento. O liberal não labora mentalmente nas ficções culturalistas e historicistas. O liberal, falando de política, olha sempre a “tradição” com desconfiança porque conhece-lhe as tonalidades totalitaristas. (e mesmo quando a refere de forma positiva, como Hayek faz, é para sublinhar a dinâmica humana, a nossa capacidade de adaptação e aprendizagem de melhores e mais justas regras). O liberal argumenta sempre na base do universal como composto de particulares, em que cada particular é tão digno quanto qualquer outro (e por isso mesmo as regras devem ser universais, abstractas e imparciais). O liberal jamais pega num particular (numa “tradição”, numa moral, numa ideia totalizante de sociedade) e o transforma num universal.


Contrariamente ao que João Almeida possa pensar é ele quem entende que o Estado deve zelar por um conceito de felicidade. Para terminar e ser absolutamente claro, se o Estado não pode tentar fazer-nos felizes, também não tem o direito de nos fazer infelizes. Muito menos em nome de um qualquer modelo concreto e previamente imposto do que é uma boa sociedade (como é o caso da moral católica).