sábado, 29 de setembro de 2007

Lógica da Batata

A laicidade ou secularidade do Estado é um real ganho da história e da civilização. Mas, se daqui partirmos [...] para concluir que não lhe deve dar condições de autodesenvolvimento e concretização comunitária, então estamos diante duma laicidade negativa, também designada por laicismo ou secularismo.
D. Manuel Clemente, Bispo do Porto, através d'O Demente


A laicidade e a secularidade são boas, o laicismo e o secularismo são maus.
A democracia é boa, ser democrata é mau.
O Benfica está bem, ser benfiquista está mal.
Haver partidos é bom, ser de um partido é mau.

E poderíamos até dizer:
A Igreja Católica é boa, o catolicismo é mau.

É giro, é muita giro. Eles são espertos pá, bué espertos.

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

A gente somos todos liberais

Roubo a etiqueta daquele sítio onde gostam tanto do MLS que citam o seu blogue desalmadamente porque li esta brilhante frase de Vital Moreira:
É já um lugar comum, mas nunca é demais dizê-lo. E é sempre tão bom lê-lo...
Ressalvo, no entanto, que discordo da alternativa criada pelo governo. Não aceito que uma iniquidade (o domínio da Igreja Catolica sobre os hospitais) seja substituída por uma iniquidade universalizada (o Estado pagar aos sacerdotes de todas as religiões). Não me oponho a que haja espaços multiconfessionais, mas daí a pagar recibos verdes vai uma grande distância.

Para mais tarde recordar

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Intervencionismo Conservador: Sarkozy e o Compromisso Portugal

Nicolas Sarkozy was at the Paris air show on a hot summer’s day in June when, in a speech laying out his vision for French industry, he threw out this simple phrase: “In economics, my only ideology is pragmatism.” Few outside France took note. But perhaps they should have done.
[...]
"When competition is useful, I am for it," Sarkozy said in his June speech, one of those frank confessions that have left a cloud of suspicion over the motives for his industrial activism.
To be fair to Mr Sarkozy he is not the only EU leader who can be accused of merely paying lip service to free market principles. Apart from France [...] the Spanish, Germans, Italians and even the British have had their moments of economic nationalism.
[...] unlike his distant predecessor Mr Colbert, Mr Sarkozy's freedom to intervene remains limited by EU competition and state rules [...].
Indeed, though Mr Sarkozy's strategy can be criticised as nationalistic, it does not appear to be aimed at reinforcing state control. For the end result of what seems to be a burst of government intervention in France is a significant reduction in the state's hold on industrial companies that traditionally have been seen as vital public assets.
[...]
Interestingly, many "Sarko watchers" note his almost uncompromising free market approach on domestic issues such as taxation and the labour market, while areas where he must bow to Brussels - such as competition - attract the most protectionist outbursts. [...]
Financial Times, 27 de Setembro

Habitualmente, quando pensamos em intervencionismo estatal pensamos em aumento do Estado e em socialismo. Esquecemo-nos que o Estado pode intervir de forma indirecta e que esse é o apelo próprio do conservadorismo. Sarkozy é o exemplo acabado deste intervencionismo conservador, em que apesar de haver uma redução do peso do Estado na economia, ele não prescinde (e pelo contrário incrementa) o seu poder sobre ela.
É uma posição cínica de que em Portugal tivemos o exemplo mirabolante do Compromisso Portugal, uma espécie de convento de beatos que nunca devem ter saído dos gabinetes e que, ao mesmo tempo que exigiam uma redução do Estado, pedinchavam o seu apoio aos seus negócios (aos seus empregos) sob o eufemismo de centros de decisão nacionais.
Este estatismo nacionalista deve ser desmascarado e separado de uma visão verdadeiramente liberal da economia. Menos Estado não significa menos (ou nenhuma) percentagem de acções estatais em empresas que funcionem em mercado concorrencial (ponho de parte os monopólios); significa isso mesmo, menos Estado, tanto no papel quanto nos actos, nas percentagens como nas relações face aos agentes.

Agarrem o homem

O Estado, através do Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social (IGFCSS), vai começar a gerir, a partir de 2008, contas individuais dos portugueses que o solicitarem ao Instituto da Segurança Social. Esta medida [...] torna o Estado num concorrente aos operadores privados que estão no mercado. [...]
"Em 2008, vamos avanças com o regime público de capitalização, para gestão de contas individuais", afirmou o secretário de Estado da Segurança Social, Pedro Marques [...].
Jornal de Negócios, 26 de Setembro

Alguém me explica por que raio há-de o Estado meter-se nos PPR's? A sua função não é concorrer com as empresas - é fazer aquilo que elas não fazem. Na protecção social, a Segurança Social pública tem o importante papel de garantir que há uma parcela isenta de risco (ou com risco mínimo), composta pelo sistema de solidariedade intergeracional. A formas de capitalização são disponibilizadas às dúzias por empresas privadas e por mutualidades e quem as queira deve recorrer a estas instituições.
Não só o Estado se está a meter onde não pode como, pior ainda, onde não deve.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Critical Management Studies


Os estudos de gestão crítica têm, desde a publicação do livro de Mats Alvesson e Hugh Wilmott Critical Management Studies em 1992, representado uma corrente de pensamento e análise da gestão que simultaneamente se coloca aparte dos estudos tradicionais, “pró-managerialistas” mas que, ao contrário de muitos sectores que realizam um combate político e externo ao pensamento dominante nas escolas de gestão, está dentro dessas mesmas escolas. Trata-se, portanto, de uma visão crítica interna à gestão. Não se trata necessariamente de um ataque à gestão, mas antes de um ataque aos “dados adquiridos”, aos dogmas vigentes no meio.
A base da gestão crítica é a teoria crítica da Escola de Frankfurt (Horkheimer, Adorno, Marcuse, Habermas), pela sua defesa de indivíduos mais autónomos. Genericamente, um dos seus maiores contributos é a percepção de como trabalhadores e consumidores são condicionados para caberem nos parâmetros dos sistemas político e económico, em suma, de como os indivíduos são dominados, transformados por uma razão instrumentalizadora que os transforma em componentes de uma máquina. No entanto, a gestão crítica não se limita a Frankfurt, havendo autores que abordam a gestão a partir das obras de Deleuze, Derrida, Foucault (contraposto a Habermas, representando os dois os extremos da tensão entre distopia e utopia, tensão da qual, espera-se, algo de produtivo possa nascer).


Esta corrente opõe-se ao enquistamento doutrinário de uma suposta neutralidade mas que tem um forte pendor estratégico. Na gestão há uma pulsão tecnocrática que apresenta os gestores como os depositários da racionalidade empresarial (como se não estivessem eles próprios, como qualquer outra parte interessada, numa teia de interesses e objectivos muitas vezes conflituosos) e os únicos detentores de iniciativa, remetendo os restantes stakeholders para a posição de meros objectos/ meios. A posição de partida desta corrente é pois a de que esta área é demasiado poderosa e tem demasiados efeitos sobre empregados, consumidores e cidadãos em geral para ser entendida apenas numa lógica unívoca de meios e fins. A gestão e a economia, enquanto ciências sociais, são entendidas como tendo uma dimensão ético-política que está no seu núcleo principal; os seus objectos de estudo nascem em contextos específicos de relações de poder que podem eventualmente ser transformadas para desenvolver objectos diferentes.
Muitas vezes – e isso é visível mesmo nas teorias administrativas de base humanista – o objectivo da gestão é apenas obter empregados ou consumidores mais dóceis. Esta lógica deve, à luz da gestão crítica, ser combatida, submetendo a gestão a novas e mais amplas formas de prestação de contas. Muito para lá da mera produção de bens e serviços, o mundo empresarial influi sobre múltiplas facetas da vida humana; aceitar pacificamente a generalização do pensamento tecnocrático acarreta a consequência inevitável do colapso da democracia cívica (política). Aceitando-se que as lutas de poder ocorrerão sempre, afirma-se aqui que tão problemática é a sua negação como também a mera formalização de práticas de empowerment de outras partes interessadas, sem que se ponha em causa o discurso corrente – para lá da defesa da participação, a gestão crítica pretende pôr em causa muitos dos pressupostos em que se funda esta área do saber.


Desta forma, a gestão crítica pretende reunir um conjunto de temas base e de orientações de investigação e trabalho. Entre elas, contam-se o desenvolvimento de uma visão não objectivista das técnicas de gestão e dos processos organizacionais, o desnudar das relações assimétricas de poder, o ataque ao fechamento discursivo e à proliferação de “verdades” presumidas, o revelar da parcialidade dos interesses partilhados mas também dos conflitos (ao contrário dos marxistas, os autores desta área recusam a presunção de um conflito insuperável entre trabalho e capital) bem como, por fim, a revelação da centralidade da linguagem e da acção comunicativa, tanto nas relações que se estabelecem entre emissores e receptores, mas também nos significados historicamente construídos.

Polónia subtrai e segue

E que tal expulsá-los? Já começa a ser tempo.

domingo, 23 de setembro de 2007

Dois casos diferentes - Iraque e Afeganistão

Ao contrário do que é normal, a minha posição face a ambos os casos é diferente. Acho que as grandes diferenças entre ambos são essencialmente estas: o Iraque estava melhor com Saddam que está agora; o Afeganistão estava pior comos taliban que está agora. No entanto, estas são as diferenças posteriores, ou seja, resultantes da guerra. Se recuássemos 6 anos eu teria a mesma opinião que hoje tenho a respeito de ambos os casos e que é de resto a mesma que tive aquando de cada uma das invasões, e pelos mesmos motivos. Não é uma questão de casmurrice, é a realidade a confirmar a teoria.

Na sequência da guerra do Vietname os EUA, e nomeadamente os seus militares, tornaram-se bem mais cautelosos nas intervenções no exterior. Na senda das teorizações da "guerra justa", surgiu a Doutrina Powell, que para além de incluir aquilo que todos nós já conhecemos (a utilização massiça de força, para encurtar o período de guerra, com prévia utilização da força aérea), determinava que tinha de haver 5 requisitos a preencher e que eram todos imprescindíveis.
1- Só deve haver intervenção militar no exterior quando estão em causa interesses americanos
2- Deve ser apenas em último caso (último recurso)
3- O Congresso deve consentir expressamente, e a opinião pública deve concordar
4- Deve haver um mandato claro, limitado no tempo, no espaço e nos objectivos
5- Deve-se procurar aliados, coligações internacionais (multilateralismo)

Pegando nestes cinco princípios verificamos que o Afeganistão cumpria todos eles, ao contrário do Iraque. O resultado foi o que já referi: um melhorou, o outro piorou. E se é um facto que o Afeganistão não é hoje um país estável, livre, etc., etc., também é um facto que ninguém estava à espera que isso viesse a acontecer de imediato (o contrário do Iraque). Para além disso, o que algumas fontes militares também lamentam é que o Iraque esteja a absorver uma grande quantidade de recursos que com muito maior sucesso poderiam ser usados para pacificar de facto o Afeganistão.

sábado, 22 de setembro de 2007

A Paz e a polissemia do Comércio



comércio do Lat. commerciu
s. m., troca de valores ou de produtos com o fim de obter lucro; negócio; a classe comercial; conjunto dos estabelecimentos comerciais; tráfico;
fig., relações habituais; trato; convivência.


O comércio livre é um dos melhores instrumentos para a paz. Quando falamos em comércio esquecemo-nos um pouco da etimologia, que nos dá as duas dimensões dessa realidade. Por um lado, há a troca de bens; no entanto, para haver troca de bens tem de haver convivência (o outro significado possível da palavra). O convívio com o outro torna-nos mais tolerantes e a troca de bens faz-nos perceber que pode haver um jogo de soma superior a zero.

[Também pode suceder que haja pessoas que se estejam nas tintas para isso e que não têm problemas em fazer guerras para obter vantagens económicas, mesmo que a longo prazo isso dê mau resultado. Pessoas idiotas havê-las-á sempre, não nasceram com os neocons e a actual Administração Bush. ]

A flexigurança e os jovens

A flexigurança vai acabar com o incumprimento das leis laborais?
A evolução do mercado de trabalho cria situações que precarizam muito os jovens. Não posso dizer que isso seja não respeitar a lei laboral, mas utilizam situações em que a protecção e a posição dos jovens seja precarizada de forma a conceder maior flexibilidade para as decisões puramente económicas. Creio que o conceito de flexigurança vai diminuir esse espaço cinzento, de precariedade.

Vladimir Spidla, Comissário Europeu do Emprego e Assuntos Sociais,
em entrevista ao Semanário Económico, 21 de Setembro

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Países genuinamente liberais - JPP apoia Mário Machado

Pacheco Pereira (JPP) parece ser daquelas pessoas que fareja a História. Para onde soprarem os ventos, assim vai ele. Em trinta e cinco anos já foi maoísta, socialista liberal, social-democrata, de há uns anos a esta parte é liberal mas começa a fechar o círculo de volta ao totalitarismo e já dá uns passinhos de dança com o neonazismo.

É brilhante a sua frase incitar ao ódio racial, algo que em países genuinamente liberais não é crime, nem sequer delito de opinião. Ficará para sempre guardada no meu coração. Aprecio o interesse que um hectare de maçarocas merece da sua parte e o desprezo que a dignidade de minorias raciais, sexuais ou adversários políticos lhe merecem.

A sua defesa de Mário Machado é de certa forma um regresso ao passado, ainda que mascarado de defesa do genuíno liberalismo. Um totalitarista demonstra o seu amor por outro. Mais ainda, subscreve inevitavelmente tudo o que o dirigente dos Portuguese Hammerskins já disse e fez. De facto, JPP não acha grave nem criminoso as seguintes frases e actos:


  • P... de m..., não voltas a escrever sobre mim! E tem cuidado a andar na rua, parto-te todo. Um dia ainda te arranco a cabeça, meu p...

  • Mário Machado, Veríssimo, Paulo Florência, Amorim, Isaque e Rogério invadiram o bar Loukuras, em Peniche, Abril de 2005. Enquanto os outros agrediram um estrangeiro ao soco e pontapés, Machado segurou o dono do bar com uma faca.
  • “Todos os nacionalistas são portadores de armas de fogo e estão preparados para tomar de assalto as ruas quando for necessário”, anunciou Mário Machado na RTP, Junho de 2006, enquanto exibia a sua shotgun.
  • Em Janeiro deste ano, Mário Machado e 12 skins invadiram o Jumbo da Maia, Porto, numa perseguição pessoal. Falharam o alvo mas acertaram num Porsche que viram na estrada. Seguia um negro ao volante.

Tudo isto e muito mais está aqui. Para mim é escandaloso que haja pessoas que usem o liberalismo para defender a posse de armas, a revolução armada e a tomada violenta do poder, o tráfico de droga e agressões consecutivas. Inclusivamente houve ataques à propriedade privada. Se a dignidade da pessoa humana não convence certo tipo de "liberais", então vejamos o Porsche que Machado e os seus amigos vandalizaram por ser conduzido por um negro. Vale bem mais que um hectare de milho.


Aproveito para deixar um cartaz que a República Popular Democrática do Abrupto (via Arrastão) deve estar neste momento a imprimir, bem como uma canção que o próprio JPP (aqui com as barbas um pouco mais compridas que o normal e disfarçado de taliban para depois culpar os gajos do BE) estará a ensaiar para cantar em frente da prisão onde Mário Machado estará detido.



quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Jest dobrze pszczoła (tradução literal de "Está bem abelha")

Lido no Financial Times de hoje:
Poland has launched a campaign to bring home millions of young people who have emigrated to western Europe

O facto de em outros países haver melhores salários é um grande incentivo à emigração de polacos. Mas ajudaria a reduzir o número dos que saem ou a aumentar o número dos que regressam se a Polónia não fosse hoje a vergonha da Europa.

Pachequismos

Pacheco Pereira começa a tornar-se um ás da imbecilidade e da falta de vergonha intelectual:
  1. umas dúzias de mal-cheirosos destroem umas maçarocas, e estamos em estado de sítio, a polícia não faz nada, o governo nada faz, o fim da civilização está próximo.
  2. um partido e uns quantos grupos extremistas ameaçam de morte, têm e afirmam que têm e afirmam que irão usar armas para tomar o poder, e são uns santos perseguidos pelo Estado.

Aqui está a brilhante defesa do direito ao incitamento à violência política
não será libertado Mário Machado, o dirigente dos skinheads, que é acusado de incitar ao ódio racial, algo que em países genuinamente liberais não é crime, nem sequer delito de opinião

Pacheco Pereira crucificou o BE por bem menos que a defesa da revolução armada ou o apelo ao linchamento de membros de minorias raciais ou sexuais, por apenas uma algo rebuscada ligação entre o partido e Gualter Baptista. Coerência? Não a peçam a JPP. Um pouco de estupidez e muita hipocrisia, aí já terão mais sorte.

Ainda sobre Oeiras - o Sexo e a Corrupção

Ainda sobre o tema, deixo um link para o post através do qual tive acesso ao filme.

Aproveito para deixar uma última achega sobre o tema: podemos roubar tudo o que quisermos, corromper quantos quisermos, construir piscinas com o dinheiro de quem quisermos; mas se dois adultos consentirem em ter sexo e isso vier a público, então aí é a vergonha completa. Como princípio moral, parece-me profundamente imoral. Eu com certeza que devo vir de outro planeta para achar isto estranho.

Estás a ver Jesus? Nada a ver - o discurso de Griffin

O mérito: Kathy Griffin é censurada



Entrevista da comediante com Larry King, partes 1, 2 e 3.

Mais um caso de censura nos EUA

O André Escórcio traz-nos através do Speakers Corner este caso escandaloso.


quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Fox censura Sally Field

Vergonhoso. Para além da censura a Kathy Griffin que o Esquerda Republicana já denunciou, veja-se como a Fox - companhia conhecida pelo seu bushismo - corta o discurso anti-guerra de Sally Field.

Os resultados do trabalho vêm do trabalho ou de deuses?

Comunicado da American Atheists:
«(...) as celebridades podem aparecer na televisão nacional e "agradecer" a Jesus, a Alá, ou à Cientologia pelo seu sucesso, mas um Ateu não pode dizer honesta e claramente que o seu sucesso veio de desenvolver os seus talentos e de trabalhar duramente».

Boas leituras - sobre "os melhores"

Irritam-me as frases da moda. Irrita-me as verdades presumidas. Não posso portanto deixar de aplaudir o artigo do Tiago Mendes de hoje.

Para ler algumas pérolas:
  • Primeiro, “os melhores” em certas profissões não serão necessariamente os melhores políticos.
  • Segundo, a preocupação meritocrática patente neste tipo de discurso carece de um desconto, pois aparece hiperbolizada, por pelo menos duas motivações, possivelmente inconscientes: a procura de reconhecimento inter-pares (“os melhores apreciarão o que eu digo e procurarão que eu me junte a eles”) e o reforço da imagem positiva de si próprio (“se digo isto é porque sou ou estarei perto de ser um desses melhores”).
  • Terceiro, quando se fala em atrair “os melhores”, está-se muitas vezes a sugerir [...] uma tríade de derrotismo, culto sebastianista do homem providencial e preferência por grandes rupturas em vez de pequenas reformas.
Já agora, e pegando no que ele escreve, aconselhava a reler o post sobre o MMS. Ajuda a rebater ainda mais algumas das ideias ali veiculadas.

Coisas não muito inteligentes para se fazer com telemóveis de serviço

Não sei se Oeiras está mais à frente. Mas está ao rubro. Entretanto, o comandante já se demitiu. Ao que soube, previamente a este vídeo foi também divulgado um e-mail em que se acusava o mesmo comandante de um sem-fim de ilegalidades, desde as mais comezinhas até coisas bem sérias.

No entanto, é curioso como perante a ameaça de descoberta de corrupção, nem se pede a cabeça de ninguém nem as pessoas se envergonham a ponto de se demitirem. Quanto falamos de sexo, então o tom muda. Talvez não estejamos ainda numa completa inversão de valores como casos da política americana nos fazem lembrar, em que o uso de dinheiro público para alimentar empresas de amigos ou de sócios é entendido como normal e em que, pelo contrário, se perseguem presidentes após se ter contratado uma tipa que ao fim de contas é uma prostituta e que como função tinha levar o presidente do partido oposto a ter sexo com ela.

Podemos, como digo, não estar ainda aí. Mas arriscamo-nos.

Quanto ao resto, o tal comandante não é certamente pior que a generalidade dos tachistas que os partidos mantêm nas autarquias. A única questão é que, como tem um cargo maior e um cérebro se calhar menor, fez porcaria. Azar.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Eu é mais SMS's

Confesso que acho de mau gosto (para não dizer contra-producente) ter como sigla a designação de um serviço de mensagens, embora compreenda que isso dá um ar modernaço à coisa, o que cai sempre bem. A menos que pela frente se tenha um tecnófobo que passou demasiado tempo a ler Orwell, Huxley ou Bradbury e se preocupa em excesso com os limites que a técnica impõe à liberdade humana, como eu; de resto, sendo eu um simpatizante de Bayrou e do seu MoDem, também não tenho moral para criticar os nomes tecnocratistas de outros movimentos.


Reconheço alguns méritos no MMS, o movimento, não o serviço de mensagens, bem entendido. No entanto, não deixa de haver muita coisa que nele me causa comichões. Não é preciso ler o manifesto ou as propostas do movimento - a mim basta-me ler isto: Eduardo Correia garante que o partido não pertence à esquerda, direita ou centro, considerando estes conceitos de «fragmentadores». Como solução, para o MMS e Portugal, garante ser necessária «coesão» e «olhar em frente» para fazer «grandes alterações» no nosso país. (PortugalDiário)
Tenho dificuldade em imaginar frase mais salazarenta que esta, tão própria de um país habituado aos consensos, ora moles porque calados, ora duros se alguém anuncia que discorda. Uma mentalidade do anti-político, aquele que alterna a devoção religiosa a um político autoritário (Salazar, Cavaco, Sócrates - é uma linhagem de várias gerações) com a crítica inconsequente própria do treinador de bancada (eles são todos uns malandros, esses políticos).

Confesso - quem quer que me diga que não gosta de teorias, não liga a ideologias e o que quer é trazer "unidade" ou "coesão" tem a minha desconfiança imediata. O sonho de todo o candidato a ditadorzeco é acabar com todas as utopias, excepto a dele, claro está, dado que é a única que é verdadeira de verdade.

Algumas das propostas vão bem neste sentido, como a defesa de círculos uninominais e uma redução drástica do número de deputados. Curioso, delicioso, como cada proposta mais radical surge sempre matizada com um espírito conciliatório. Por exemplo, a proporcionalidade (que é inexistente em sistemas baseados em círculo uninominais) deve ser "corrigida" com acerto relativo à percentagem de votos globais, de forma a garantir que todos os votos têm o mesmo valor. E acertar como, se os círculos são uninominais? [Criar um sistema como o alemão? Mas isso não está na proposta...]

Uma das coisas com as quais concordo é uma redução drástica do número de autarquias. Até o número me parece razoável. Ao invés de se estar a criar um sistema intermédio entre o município e o Estado, devia-se seguir a lógica seguida no século XIX, diminuindo o número de concelhos e reforçando o seu poder.

Noutros campos o que há é pura cobardia. A frase (seca, vazia de sentido) Reformulação da lei da greve. é clara no sentido em que é óbvio que o pretendido é diminuir as possibilidades de haver greve, no limite proibi-la por completo. Não tenho nada a opôr a essa discussão (ou seja, acho legítimo que a todo o momento se questione todas as instituições e a sua legitimidade, independentemente da minha posição a respeito dessas instituições). O que acho é que deve haver coragem para admitir o que se pretende. Isso é o mínimo que se pode pedir a um partido ou a um movimento político.

Outras propostas são constitucionalmente duvidosas. Não sou jurista, mas os resquícios das minhas aulas de Direito Constitucional fazem-me duvidar da possibilidade (legal, pelo menos) de algo deste tipo: Proposta de composição de governo é apresentada antes das eleições e como tal vai a votos. O problemático aqui é a chancelarização dos regimes políticos e a desparlamentarização que a complexificação do Estado Providência e a mediatização da actividade política geraram. A esmagadora maioria das pessoas vota a pensar que vota num governo, ou até num primeiro ministro. A questão é que nas legislativas nós estamos apenas a votar numa lista partidária. Será de acordo com os resultados que depois se negociará a composição do governo. Não estamos habituados à formação de coligações, e por isso o espírito compromissório não faz parte da nossa cultura política. Aliás, a negociação de alianças pós-eleitorais é muitas vezes apresentada como uma traição aos eleitores. Portanto, esta proposta ou não é mais que um compromisso do movimento em agir dessa forma (o que implicaria que não admitiria em momento algum fazer coligações) ou então é uma proposta de revolução constitucional: ou tornando o regime presidencial e acabando com o cargo de PM, ou criando um sistema inovador em que os cidadãos votariam três vezes: para o PR, para o Governo e para a AR. Dica minha - o resultado que o voto diferenciado nos órgãos executivo e legislativo tem tido nos municípios não é muito animador.

Há, depois, outras coisas. Também modernaças, como o Movimento em causa, mas também um pouco cómicas, como a análise SWOT aplicada a Portugal. Esta espécie de imperialismo conceptual que cada nova moda impõe no plano político começa a ganhar mofo. Noutros tempos, o materialismo dialéctico versão vulgata servia para tudo; agora, são as vulgatas do managerialismo. Que outras iguarias nos trará a História a seguir? Mal posso esperar.

Umas eleições transatlânticas

Addressing the bi-annual convention of the Young Democrats of America (video of the intervention can be found here ), LYMEC president Roger Albinyana insisted that Europeans wish to strengthen the bilateral cooperation with the United States as soon as a political change in Washington occurs.
Albinyana accused president George W. Bush of practicing narrow minded, destructive and insolidary policies towards the rest of the world.
[...] Albinyana trusted the Democratic Party to win the next US presidential elections in 2008 and encouraged YDA to be more liberal and active than ever before in order to place back the US to the right place again.

A "cultura" como cavalo de Tróia do confessionalismo

Desenvolveu-se aqui uma pequena discussão a respeito da questão da laicidade do Estado.

Posições:

--- No entanto, o Estado, não deixando de ser Laico, não pode negar as suas origens. Em Portugal essas são, claramente, católicas. Ou seja, o Estado de cada país tem uma moralidade que advém da cultura do mesmo. No nosso caso, por exemplo, os juízos de valor que estão implícitos naquilo que se entende por correcto na conduta do Estado e que passa, por exemplo, pela legislação, são resultado da nossa história.

José Maria Pimentel

***

--- O argumento da cultura é usado frequentemente para transformar o laicismo num confessionalismo envergonhado, isto é, é uma forma do confessionalismo se impôr de forma arrevesada, dado que não encontra legitimação social. Como Bayrou disse e eu citei, não há qualquer necessidade de o Estado reconhecer coisa nenhuma a esse nível, oficial nem oficiosamente.De facto, se há partes da nossa cultura que se construíram a partir do catolicismo, outras partes há (desde a democracia política até ao lugar das mulheres na sociedade) que se fizeram não apenas paralelamente ao catolicismo, mas em feroz, brutal, sangrenta e total oposição ao catolicismo.

Igor Caldeira

***

--- Esses princípios antecedem em muito o Cristianismo. O Cristianismo outras religiões pegaram neles obviamente, mas o "não roubar", ou "não matar" não é um princípio ao qual qualquer religião possa clamar como exclusivamente seu.
Aliás, no caso do "não matar", nem se pode dizer que seja um valor Cristão. Lembro-me das práticas da Inquisição, ou de que nos EUA muitos cristãos, como é o caso de Bush, são favoráveis à pena de morte.
Além disso, ao Estado não compete respeitar a cultura tradicional de um povo, ao Estado compete assegurar que é possível continuar a viver em sociedade (ex: proteger a propriedade privada) e em liberdade.

Miguel Duarte

Finalmente - a SS e o OE

“Trata-se de adequar as fontes de financiamento do sistema de Segurança Social à natureza dessas despesas”, explicou o secretário de Estado da tutela, Pedro Marques.Para o governante, o decreto-lei ontem aprovado “reforça a transparência ao nível do financiamento” e “clarifica o financiamento do sistema de Segurança Social”.Não são só os pagamentos aos contribuintes que ficam separados. A partir do próximo ano também o financiamento será diferente. As prestações familiares e o subsídio social de desemprego passarão a ser financiados por transferências orçamentais e por consignação de receitas fiscais, enquanto as pensões e o subsídio de desemprego serão pagas pelas contribuições das empresas e dos trabalhadores para a Segurança Social.
A separação entre o sistema contributivo e o não-contributivo é uma questão de justiça. E de sustentabilidade. Podíamos contabilizar os milhares de milhões de euros que foram indevidamente retirados à Segurança Social ao longo de décadas para financiar as prestações de acção social, mas vá - o mal é tão grande que creio não haver alternativa. Se a nova lei for respeitada, já não será mau.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Estados Ateus e Estados Laicos

Eu sou ateu e anticlerical, mas as duas coisas são distintas e não podem ser assimiladas. Eu sou ateu porque deus não existe. E sou laicista porque defendo que o Estado deve ser neutro.
Combateria qualquer Estado confessional como combateria um Estado que fosse ateu. Não é matéria política esse tipo de questões (se deus existe ou não existe) e isto é o que muitos crentes têm uma dificuldade atroz em perceber. Eu não quero e não admito que o Estado me diga que deus existe ou que não existe ou que determinada crença ou não-crença é mais válida que outra qualquer.

Não vamos confundir coisas. Eu sei que o pensamento binário nós/eles é apelativo, mas não vamos por aí. Se eu tivesse vivido num país do Leste nos tempos em que os Estados eram "ateus" eu lutaria contra o Estado (por esse e por outros motivos); e lutaria pelo direito de os católicos húngaros, os ortodoxos russos, os muçulmanos albaneses e quirguízes, os judeus exilados nos confins da Sibéria ou os xamanistas fino-úgricos poderem praticar as suas religiões livremente. O que eu peço, o que eu exijo, como cidadão, é que o Estado deixe as crenças para o plano privado, pessoal. Ser ateu não é uma posição política. É uma convicção pessoal. Ser laicista, sim, é uma posição política.
Da mesma forma, há uma diferença entre um Estado ateu (que no fundo é um Estado confessional mas sem religião) e um Estado laico tão grande quanto a que existe entre este último e um Estado confessional. E isto não é matéria de opinião, mas de definição.
Nada como um bom dicionário para tirar teimas.
  1. laicismo (do Lat. laicu) s. m., sistema dos que pretendem dar às instituições um carácter não religioso.
  2. ateísmo (do Gr. a, não + Theós, Deus) s. m., doutrina que consiste na negação da existência de Deus; descrença.

  • Pertencendo a todos, o espaço público é indivísivel: nenhum cidadão ou grupo de cidadãos deve impôr as suas convicções aos outros. Simétricamente, o Estado laico proíbe-se de intervir nas formas de organização colectivas (partidos, igrejas, associações etc.) às quais qualquer cidadão pode aderir e que relevam do direito privado.
  • A Laicidade do Estado não é portanto uma convicção entre outras, mas a condição primeira da coexistência entre todas as convicções no espaço público.
  • Nem discriminações, nem privilégios, esse é o lema de qualquer Estado garantindo a todos os cidadãos a igualdade de tratamento.

http://www.laicidade.org/acerca/manifesto-e-estatutos/

  • O facto de o Estado Republicano e Laico ter como objectivo a promoção da justiça social implica o dever de proporcionar a todos os cidadãos, de forma igualitária – e, portanto, confessionalmente neutra
  • A Constituição da República Portuguesa estabelece claramente um regime de separação entre o Estado e as igrejas ou outras comunidades religiosas

Ainda sobre o Ateísmo e o Laicismo

Um Estado ateu, tal como os Estados religiosos, seria um estado autoritário [...].
Um Estado neutro deixa que cada um tome as opções que considera (ou acredita) serem as melhores para a sua vida. [...] respeito é simplesmente isso. Eu deixo pacificamente o vizinho do lado rezar 12 vezes ao dia e o vizinho do lado deixa-me pacificamente ter práticas sexuais extravagantes. Ambos nos censuramos mutuamente (em liberdade, não há qualquer mal em criticar o próximo), mas, continuamos a dizer bom dia no elevador, a ir às mesmas reuniões de condóminos e até a comprar nos negócios um do outro.

domingo, 9 de setembro de 2007

Acharão os ateus que deus é mau? Uma perspectiva liberal e kantiana

Através do Devaneios cheguei a um post interessante do blogue Teologia777. Nesta crítica ao "Fundamentalismo Ateu" há duas coisas que eu gostaria de comentar e que me parecem muito importantes.

Antes disso, no entanto, gostaria apenas de dizer que há coisas que é preciso que fiquem claras. Eu não me coíbo de dizer o que entender a respeito das crenças num blogue, embora respeite e tenha noção que há espaços em que me devo calar. Para dar um exemplo muito concreto, recordo-me de há um ano um casal de amigos se ter casado pela igreja. O padre tinha um discurso reaccionário, e que noutras circunstâncias eu contestaria veementemente. Os meus amigos, quase todos ateus ou agnósticos mas todos ou quase todos muito menos "radicais" que eu cochichavam e criticavam em surdina o que o padre dizia. Eu e outro amigo, ele um convertido ao catolicismo, éramos os únicos que estávamos calados e atentos ao que o padre dizia. Em jeito de brincadeira, os meus amigos chegaram a perguntar-me se eu me estava a converter.
Mas não. A questão era muito simples. Eu estava dentro de uma igreja e numa cerimónia de dois amigos. Em respeito da crença alheia, da instituição na qual me encontrava e dos meus amigos, o meu dever era assistir calado. Se me sentisse violentado, então devia retirar-me. Mas fazer pouco da crença ou do discurso dentro daquele espaço, lamento, mas não é comigo.

Isto não me impede de, fora do adro da igreja, então aí desmontar o discurso do padre, dizer que naquilo concordei, nisto discordei, esta parte me pareceu bem colocada e aqueloutra parte do discurso me repugnou. Porque esta é coisa que muitos católicos têm uma dificuldade imensa em perceber: há um espaço social da igreja, e há um espaço público. No espaço público, têm de aceitar ser tratados tal qual como os outros, com exactamente os mesmos critérios e guiando-nos todos por padrões universalmente aceitáveis de um ponto de vista racional (e não como mera negociação com base na correlação de forças).
Quem ler o meu blogue, e mais ainda quem me conhecer pessoalmente pode achar que eu tenho um ódio infindável à religião. Não é isso. Eu não me poderia estar mais nas tintas para a religião. O que me incomoda é o seu carácter político. É isso o que muitos crentes - os católicos conservadores, os fundamentalistas islâmicos, os judeus ortodoxos, os fanáticos evangélicos - têm dificuldade (impossibilidade?) em compreender e aceitar. Que a sua religião não deve ter um valor político e que, em sociedade, temos de encontrar uma ética mínima, uma ética pública, uma ética racional.


Aqui vão então as frases:

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A imagem de Deus, muitas vezes apresentada nestes blogs, é de um Deus mau, tirano e ainda para mais criado para oprimir e explorar as classes mais pobres e menos instruídas.

Não se pode apresentar a imagem de um deus mau e simultaneamente ser ateu. Eu sou ateu e não acho que deus seja mau porque deus não existe. É uma criação dos homens, e portanto as suas qualidades são as qualidades dos homens que o criam. Como não há ninguém que possa provar que a sua imagem de deus é a verdadeira, então concluímos que há pelo menos tantos deuses como os seus crentes - ou mais até, dado que há crentes politeístas.
É interessante lembrar a perspectiva de Feuerbach, para quem deus concentrava todas as características da espécie humana no seu todo (omnipresença, omnisapiência, etc.) dado que deus era apenas uma ideia abstracta para representar a humanidade. Sob esse ponto de vista, o demónio seria também a mesma coisa, mas concentrando todas as nossas características negativas.
Portanto, e reiterando a ideia, eu não apresento nenhuma ideia de deus como um ser mau. Deus não é nada senão uma ideia, uma criação, uma invenção. Será, portanto, tudo aquilo que o seu criador quiser que seja.

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Por norma os sites ateístas em português são anti-clericais

Ora aqui está uma coisa importantíssima. Não posso falar pelos outros, mas falo por mim. Eu sou ateu; mas o meu ateísmo é uma coisa pessoal. Não pretendo converter ninguém ao ateísmo. E acho a discussão "deus existe ou não" um pouco disparatada. Não há provas da existência de deus, e isso é tudo. Eu posso dizer que estão homenzinhos no meu computador que fazem com que ele funcione - mas posso prová-lo? Não. Portanto, ou acredito, ou não acredito. Não se pode discutir racionalmente sobre o assunto porque, ao contrário do que muitos crentes querem fazer crer, a crença é pura irracionalidade; admito que haja uma "racionalidade" na crença, mas não uma racionalidade pura. Será uma racionalidade estratégica, uma muleta para lidar com o esmagamento que a ideia de solidão ou de finitude ou de falta de significado que a existência pode ter, ou para garantir um cimento social, especialmente em sociedades imaturas e para as quais a ideia de uma comunidade composta por homens que são fins em si próprios e não meios para fins maiores simplesmente não cabe. É um utensílio, um meio, não uma verdade ou um facto.
Por conseguinte, posso até fazer pouco da crença de alguém, posso até dizer que determinada parte da crença é desumana e inaceitável, da mesma forma que os crentes dizem coisas inacreditáveis dos não-crentes ou de outros crentes. Isso é uma coisa. Eu trato disso a nível pessoal e gostava (embora saiba que é impossível) que todos os crentes mantivessem a sua crença e a sua crítica a outras crenças ou à descrença a um nível pessoal, privado. A nível político, sim, eu sou anticlerical. E como poderia não ser? Eu defendo um Estado laico. Portanto, qualquer tentativa de qualquer religião de tomar o poder será por mim combatida. Da mesma forma que se alguém tentasse declarar o Estado ateu seria por mim combatido. Eu defendo um Estado imparcial, um Estado que não conceda nenhum privilégio nem promova qualquer discriminação com base na crença ou descrença. O que pode e deve existir é a garantia de que os direitos dos indivíduos sejam garantidos. Ideologicamente identifico-me com o liberalismo e o radicalismo e portanto para mim a absoluta soberania do indivíduo sobre si próprio é (essa sim) sagrada. Portanto as religiões farão tudo o que entenderem, mas se quiserem defender que as mulheres sejam veladas, que as suas roupas sejam presas com cadeados, que a homossexualidade seja proibida, que a actividade bancária (usura) seja proibida, o Estado tem de intervir. Não por ser contra as religiões, mas porque a Modernidade e o Estado que as revoluções liberais instituíram serviram para libertar o indivíduo de todos os elementos opressivos. Eu compreendo que isto é algo abstracto, mas tentemos fazer o exercício da imparcialidade. Não é agirmos com os outros como gostaríamos que os outros agissem connosco, mas agir por forma a que os critérios da nossa acção permitissem a convivência pacífica de todos os seres racionais e, mais que isso, a criação de uma comunidade com valores realmente partilhados em que cada um fosse respeitado não pela sua força ou pela sua crença ou pelo seu sexo ou por qualquer outro critério, mas simplesmente por ser.
Portanto, e em resumo, sim, eu sou anticlerical - no sentido de laicista - e sou-o antes de ser ateu. Ateu é apenas uma propriedade do fenómeno Igor. Ser laicista é uma condição para se ser um verdadeiro cidadão.

Cada um deita-se na cama que faz

A canalha não é o povo. A canalha é a caricatura do povo para a televisão. São os que se juntam à saída de interrogatórios e julgamentos para insultar quem está na mó de baixo.

A canalha estava lá desde o início. E a canalhice da comunicação social também. Uns por amor a novelas, outros por precisarem das novelas para pôr o pão na mesa (por assim dizer), participaram no circo que o casal McCann e os seus amigos políticos tão bem montaram desde o momento 0.
Agora que o óbvio parece começar a confirmar-se, alguém se espanta com o resultado? Alguém acha que se pode criar monstros e depois controlá-los? Por favor...


Se há coisa que merece ser comentada é a manipulação mediática. Estive horas pregado à SkyNews, incrédulo com o que ouvia, com o despudor com que os jornalistas acham que podem tecer comentários às notícias (ou criar as próprias notícias). Agora, a canalha? A canalha está sempre lá. Alguém já viu algum julgamento com um mínimo de mediatismo que não tivesse a canalha? Que interesse tem meia dúzia de pobres de espírito? Seriedade, haja seriedade!

Os McCann escolheram este caminho. Agora, percorram-no.

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Habermas - A defesa de uma democracia racionalista

Em defesa do debate democrático, Habermas responde à cisão entre técnica e política (que segundo ele remonta a Hobbes, numa primeira instância, e a Weber numa segunda) escreve o ensaio Política Cientificada e Opinião Pública. Weber terá formulado uma cientificação da política mediante a especialização entre o real saber, técnico, entregue a peritos (burocratas e militares) e o instinto de poder (que depende de valores e convicções) entregue aos líderes políticos.
Esta separação torna-se vital para o quadro conceptual da resposta de Habermas na medida em que através dele são desenhados três modelos de relação entre técnica, política e opinião pública.

  1. No modelo decisionista a primazia pertence ao espaço das escolhas, das decisões, fundados por valores. O modelo decisionista continua a ser, em grande medida, o predominante. Contudo, ele não existe por si só, mas antes tem sido influenciado pelo modelo tecnocrático, permitindo a sua perpetuação na medida em que a hibridação entre os dois permite fundar-se na legitimidade política tradicional revista no seu plano axiológico através dos conhecimentos técnicos que vão sendo adquiridos.
  2. Já no modelo tecnocrático a hibridação desaparece na medida em que a decisão política é exclusivamente determinada pelos especialistas. O líder torna-se num mero executor da inteligência científica com um cargo vazio do poder que foi entregue à análise científica e à planificação técnica.
  3. A estes dois modelos, opõe Habermas o modelo pragmatista, que se baseia numa comunicação entre os cientistas (que aconselham) e os políticos (que atribuem tarefas). Esta comunicação é crítica por revelar os elementos ideológicos da dominação e é científica por procurar fundamentos no saber.


A opção de Habermas por um modelo pragmatista prende-se com o facto de, de entre os três modelos, apenas este envolver de forma compulsória os três elementos que tínhamos referido e no qual a opinião pública não tem acesso indirecto ao debate, antes sendo o verdadeiro elemento mediador. De facto, o decisionismo requer uma legitimação pela democracia, mas na sua forma pura pode cair simplesmente na irracionalidade (por hipótese, quando surgem governantes correspondentes ao ideal-tipo weberiano da liderança carismática). Já na tecnocracia, a questão da irracionalidade científica não se coloca – mas os técnicos ocupam todo o espaço deixado livre pelo corpo cívico elidido e sobrepõe-se ainda à política. A administração de cariz técnico inutiliza a vontade democrática. Pelo contrário, o modelo pragmático assenta numa opinião pública que recebe a informação científica e a partir dela define o modo como quer viver. Para a cientificação da política [em Habermas, por contraposição à proposta weberiana] é constitutiva a relação ente as ciências e a opinião pública.

Habermas - A recusa do cientificismo

Habermas refere no seu ensaio dedicado em 1968 a Marcuse Técnica e Ciência como “Ideologia”[1] que o sistema de dominação de tipo tecnocrático comporta-se de forma distinta dos sistemas repressivos tradicionais na medida em que justamente põe de parte a repressão violenta. Ao invés, despolitiza a convivência social e direcciona-a para fins “racionais”. Deste modo, a sobrevivência da tecnocracia é garantida através da mobilização de toda a sociedade para a revalorização do capital e [a] distribuição das compensações sociais que assegura a lealdade das massas[2].
O progresso técnico-científico não tem, para além disso, a formatação tradicional de ideologia, no sentido em que não tem nenhum projecto nem emancipatório nem repressivo do homem enquanto tal, ou pelo menos não o assume. Enquanto fundamento de legitimação de uma estrutura dominante, a ciência [surgindo como] um feitiço[3] esconde a sua verdadeira face; não é agressivamente repressiva porque reprime a emancipação antes que ela nasça. Satisfaz as necessidades materiais e, não sendo apenas ideologia, não sendo sistematizada, torna-se de certa forma inefável.

As sociedades enquadradas pelo novo Estado industrial galbraithiano põem menos ênfase nas questões normativas; não é a coerção dos comportamentos que se exerce, porque os comportamentos são controlados indirectamente por estímulos condicionados[4]. Pode-se assim excluir de qualquer questionamento a respeito da revalorização do capital e da distribuição das compensações: as duas variáveis da tecnocracia elevam-se acima da política, a tecnociência dispondo de um progresso autónomo e dela dependendo o crescimento económico. É assim compreensível que nas democracias modernas não estejam em causa as questões práticas, tornando-se as eleições meras decisões plebiscitárias acerca de equipas alternativas de administradores[5]. É ao desafio do apriorismo tecnológico, determinante de um apriorismo político (formulação utilizada por Marcuse em One-dimensional Man) que o autor pretende responder.


Habermas refere Huxley quando este afirma que é de alguma forma contraditório o facto de os cientistas, vivendo no mundo sem vida das abstracções controlem o mundo em que os homens têm o privilégio e estão condenados a viver. Afasta-se dele quando este afirma que a literatura deveria incorporar a linguagem científica, explicando que a ciência só tem relevância para o mundo social da vida através dos seus efeitos – não através da sua linguagem. A literatura, que seria por conseguinte um meio de formação privada não responde à questão fundamental; a tradução das informações científicas para a consciência prática[6] tem de ser realizada de modo diferente – na formação de vontade política.

Aqui, o autor define os conceitos de técnica (sistema em que a investigação e a técnica se encontram com a economia e a administração e são por elas retro-alimentadas) e de democracia (formas institucionalmente garantidas de uma comunicação geral e pública que se ocupa das questões práticas: de como os homens querem e podem conviver […]). Os dilemas colocados pela técnica não são resolúveis com mais técnica. São, outrossim, geríveis no seio de um inter-relacionamento entre saber e poder técnicos e saber e querer práticos. Para o autor, a dinâmica entre querer e poder já se realiza, mas fora do espaço público, fora do debate político e sem consciência política. Em oposição, a força libertadora da reflexão tem de pôr em contacto um querer esclarecido a respeito do progresso científico e um poder autoconsciente das suas implicações socio-políticas. Isto conduz-nos então às respostas ao desafio lançado pela tecnicização.

[1] Versão portuguesa, Edições 70, Lisboa, 2001
[2] Pág. 81
[3] Pág. 80
[4] Habermas exemplifica com o consumo, comportamento eleitoral e a utilização dos tempos livres. A crítica ao “condicionamento” não deixa de recordar a mais influente obra de Aldous Huxley.
[5] Pp. 73 e 74
[6] Pág. 101

Sustentabilidade e Auditoria - os critérios não-financeiros

O Instituto Ethos defendeu no Manifesto pelo Desenvolvimento Sustentável do País, lançado em 2006 que, "Já que conhecemos os riscos do atual modelo de desenvolvimento, temos recursos e tecnologia e sabemos o que deve ser feito para alcançar a justiça social e cuidar do planeta, a opção pelo desenvolvimento sustentável depende apenas da vontade política dos governos e da sociedade. Ou seja, trata-se de uma escolha ética."
[...]
No manifesto citado acima, apontamos que "as quatro maiores auditorias do mundo (Deloitte, Ernst & Young, KPMG e PricewaterhouseCoopers) aplicam com mais freqüência critérios não-financeiros para analisar balanços, reconhecendo que os princípios contábeis hoje vigentes tornam-se progressivamente obsoletos para avaliar o impacto socioambiental das atividades das empresas, bem como sua viabilidade econômica."
Para o setor, pensar estratégico em termos de sustentabilidade é não poupar esforços para incorporar critérios socioambientais em seus planos de negócios. Os maiores auditores desse esforço serão nossos filhos, netos e bisnetos.

Oded Grajew, Instituto Ethos

Genética, Biotecnologia e uma nulidade chamada Bioética - o limite da decência


Acabei de ver a segunda parte da reportagem transmitida na SIC Notícias A Vida Fora de Controlo. A primeira parte foi dedicada aos transgénicos e à manipulação dos genes de animais.

Pude ontem ver como, numa experiência independente (numa universidade), com duas populações de peixes da mesma espécie, metade geneticamente manipulada e metade não, ao fim de quarenta gerações (poucos anos no caso) a população não alterada foi extinta pelo ciclo de vida mais curto (os outros viviam menos e reproduziam-se mais) e grande violência dos peixes geneticamente manipulados.
Pude ver como o açafrão, condimento utilizado há incontáveis séculos na Índia com fins terapêuticos foi patenteado.
Pude ver como a pele de uma vaca foi-lhe retirada e enxertada num porco.

Eu não me considero uma pessoa passadista e muito menos conservadora. Mas (aliás, precisamente por isso - mas o assunto é excessivamente sério para ir por aí, de modo que prossigo metendo o galhardete entre parêntesis) tenho a certeza que tem de haver limites, tem de haver um ponto em que dizemos que temos de parar. E quando, como um dos entrevistados disse, os cientistas se arrogam o direito de obrigar a vida a vergar-se à tecnologia, e não a pôr a técnica ao serviço da vida, então aí eu digo que chegámos aos pilares de Hércules.

E pensar - que aberrações maiores que submeter animais ao sofrimento atroz de lhe ser tirada a pele ainda vivos, ou de lhe ser colocada uma pele estranha apenas para ver se um porco poderia produzir pele de vaca; que submeter milhares de animais a vidas miseráveis afectados por doenças terríveis produzidas pelas experiências mais desvairadas; que pretender roubar à Humanidade a posse do património biológico das plantas com as quais os nossos antepassados se alimentaram; que maiores loucuras, portanto, poderiam haver que estas? Será impossível haver pior que isto? De todo, não.

A segunda parte da reportagem era sobre as pesquisas em termos de genética humana. Ao abrigo de um programa respeitante à diversidade do património genético humano, as farmacêuticas conseguiram recolher amostras de sangue de centenas de povos ameaçados de extinção. Não é preciso ser-se doutorados em Biologia para perceber o que irá acontecer, mas um MBA talvez desse jeito. Este projecto ficou conhecido como projecto vampiro, e não é por acaso. A troco de nada, as farmacêuticas vão processar o ADN destas pessoas, patentear as descobertas e enlatá-las para posterior venda.

E agora sim, chegámos ao limite do absurdo. Certo?

Errado. Eu recordo-me de já ter ouvido falar disto, mas nunca percebi o objectivo e os moldes (e será que eu queria realmente perceber?). O governo islandês resolveu permitir que os médicos vendam as fichas clínicas dos seus doentes (sem consentimento ou tampouco conhecimento dos mesmos) para pesquisas cujos resultados serão posteriormente vendidos a farmacêuticas e seguradoras. Para já, envolvida no projecto está a suíça Hoffman-LaRoche. Portanto é escusado questionarmo-nos se este é o grau mínimo da decência - é sempre possível descer mais. Aqui não estamos sequer já a falar do património da Humanidade, conceito demasiado abstracto para as pessoas que achem que tudo se vende, tudo se compra e (se puder ser assim ainda melhor) tudo se rouba. Estamos a falar de um governo (qualquer governo) pretender ser dono dos genes de alguém, delegar essa posse a terceiros que em vez de me tratarem, ou a coberto dessa desculpa, vão vender os meus genes a quartos que por sua vez vão utilizar esses dados para benefício próprio (as farmacêuticas) - e eventualmente até contra mim ou os meus familiares (as seguradoras por exemplo). Se nem sequer dono do meu corpo sou, então que sou eu?

Há, enfim uma última questão e esta é desesperante. A reportagem terminava com um biólogo céptico (um dos poucos biólogos cépticos) relativamente a todas as aberrações que estão a ser realizadas. Referia ele que a única coisa que as empresas nunca discutiam, nunca rebatiam era a sua afirmação de que 95% dos especialistas nestas áreas estão directa ou indirectamente dependentes das empresas que são as principais interessadas (de resto, as únicas beneficiárias) na criação de OGM ou na manipulação genética do ser humano. Se as empresas não contestam é porque a realidade é ainda mais feia que a apresentada pelo biólogo em causa. E o problema maior é que se a totalidade dos especialistas estiver na dependência da indústria, então não há possibilidade de contraditório nem de discussão séria. Quaisquer dados que venham a surgir serão sempre inevitavelmente falseados. Ora, não há liberdade de escolha se não houver informação credível e não há informação credível se não houver liberdade intelectual, se a ciência estiver inteiramente dominada por interesses bastante particulares. Que poder tem o consumidor perante tal situação? Nenhum.

Não há rigorosamente nada que fique de pé. No fim, não é só o equilíbrio natural que é posto em causa; a própria democracia fica ameaçada de extinção.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Boas leituras - ainda os OGM e Silves

Pessoalmente, não nutro simpatia por aqueles manifestantes. De resto, acho que a intuição inicial da autora deste excelente blogue de que eles seriam prejudiciais ao seu trabalho estava certíssima. O que eles fizeram foi trazer simpatia para os OGM.

Isto (eu achar que a acção foi um disparate) não me impede de estar de acordo no combate aos OGM e de eu achar que temos alternativas bem mais viáveis que criar frankensteins versão leguminosa.


Violência Policial?



Nota: a agressão em causa não vai ser alvo de processo judicial pois o agredido não apresentou queixa, tendo já passado 6 meses. No entanto, os agentes arriscam-se a um processo disciplinar. Entretanto, continua o processo relativo àquela noite, na qual a polícia interviu numa rixa, durante a qual o jovem agredido terá ameaçado vários polícias com uma arma branca.

É sempre bom fazer política com o dinheiro dos outros

“Temos de ser agentes de Deus no reino de César. Temos de nos deixar de negociações casuísticas e de fazer com César um contrato de parceria, mas estabelecendo uma carta de princípios”, disse Maria José Nogueira Pinto, que falava na primeira conferência da XXIV Semana da Pastoral Social, sobre ‘Os Cristãos na Intervenção Social’.
[...]
Na opinião de Maria José Nogueira Pinto é inevitável que surjam conflitos entre as instituições cristãs e o Estado, caso o relacionamento não evolua da contratualização de serviços para uma parceria “público-privada”. Como exemplo, referiu-se a hipotéticos casos de eutanásia, adopção de crianças por casais homossexuais ou a criação de salas de injecção assistida, em que as instituições queiram fazer valer a sua identidade.

Não espanta no sentido em que não é preciso ser um génio para perceber que as religiões não são entidades neutras. A questão está no facto de o Estado pagar a um movimento que pretende determinar politicamente a sociedade num dado sentido. Das duas uma, ou se contratualiza um serviço e a entidade prestadora cumpre-o de acordo com as orientações do cliente (o Estado) ou então o Estado passa à frente: o serviço deve ser contratado a quem o queira prestar, e IPSS famintas de dinheiro é o que não falta para aí. As instituições religiosas não têm de reivindicar nada: ou prestam o serviço, ou não o prestam. Se querem ter voto na matéria, fazer política com as políticas de Acção Social e recusar determinados serviços, então arranjem quem lhes pague para isso - mas não o Estado.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Ninguém disse que a vida era justa

Se o mundo fosse justo, cada um teria exactamente aquilo que deseja aos outros. Assim, os partidos que defendem regimes monopartidários e a instauração de ditaduras, como o PCP ou o PNR, seriam extintos e proibidos.
No entanto, a democracia exige que toleremos os anti-democratas. É vida.

Worth me my Our Lady! (Valha-me minha Nossa Senhora!)

Googlando em busca de traduções de expressões idiomáticas encontrei uma página totalmente surrealista. Por momentos fiquei aterrado, pensei que a senhora estivesse a falar a sério. Feliz ou infelizmente, é apenas uma brincadeira. Não deixa de valer a pena ler.

http://deniseweller.multiply.com/reviews/item/32

Do you want a good-good? - Você quer um bom-bom?
Do not come that it does not have... - Não vem que não tem...
She is full of nine o'clock. - Ela e cheia de nove horas.
Between, my well. - Entre, meu bem.
Take out the little horse from the rain - Tire o cavalinho da chuva.

Se eles o dizem... (comparação entre "libertarians" e comunistas)

Je pense que les libertariens sont aux libéraux, ce que les communistes sont aux socialistes :c'est vrai , quand on demande à un "communiste" ce qu'il est, il vous répond qu'il est socialiste, et que les "socialistes" ne sont absolument pas socialistes du tout, qu'ils collaborent avec l'ennemi juré qui est le patronat, que ce sont plus que des modérés, des démagogues. Alors, les "socialistes" ont préférés utilisé le mot "communistes" pour parler des socialistes radicaux.
Et bien je constate que ceux qu'on appelle les "libertariens" se considèrent libéraux et que tous ce qui est moins libéral qu'eux n'est pas libéral. Et du coup les "libéraux" ont préféré utiliser le mot "libertariens"
Au fond, nous les anarcaps, nous sommes des libéraux radicaux, mais il ne faut pas cracher sur les minarchistes, ou les libéraux démocrates, qui, même si je suis sur qu'ils sont dans l'erreur et que ces erreurs donnent d'excellentes raisons a nos opposants de nous critiquer, [...] ils n'en restent pas moins libéraux [...].
Não concordo com tudo o que aqui é dito: ponho reticências na liberalidade de muitos libertarianos (como já disse antes, o libertarianismo é apenas a doença infantil do conservadorismo), mas dá-me um prazer semi-orgásmico ver um libertariano a reconhecer a sua semelhança com o estalinismo. De resto, já há umas semanas um outro blogger tinha a respeito da minha discussão com o FMS no Speakers Corner feito notar o paralelismo entre o leninismo e o liberalismo puro e verdadeiro e único.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Allgaraviada

Não sei se está legível, mas achei demasiado delicioso para não o trazer. Numa das lojas do CCB estão estas bonitas t-shirts com as quinas e, em baixo da palavra Portugal, um maravilhoso Since 1143, uma espécie de "Azeite Galo, a cantar desde 1919" mas em versão nacionalista.

É assim uma espécie de nacionalismo light, uma allgaraviada com sotaque inglês. Se o Pinho apanha isto, vai de vender a bela da t-shirt em todas as visitas à estranja.

Malaparte, os Totalitarismos e a Homossexualidade

Enquanto googlava em busca de uma associação que em tempos vi, brasileira se não me engano, e que fundia nazismo e comunismo, encontrei este fascinante excerto de Curzio Malaparte

Depois de qualquer guerra, depois de qualquer revolução, tal como depois de uma fome ou de uma epidemia, sabe-se que os costumes decaem. Nos jovens, a corrupção dos costumes é tanto um facto moral quanto fisiológico e confina facilmente com a anormalidade. O seu aspecto mais frequente é a homossexualidade (...)Desta vez, contudo, a corrupção dos costumes na juventude europeia tinha precedido e não seguido a guerra, fora um anúncio, uma premissa da guerra, quase uma preparação para a tragédia da Europa, não uma consequência desta. Já muito antes dos dolorosos acontecimentos de 1939, parecera que a juventude europeia obedecia a uma palavra de ordem, era vítima de um plano, de um programa há muito preparado e dirigido com frio cálculo por um espírito cínico. Poder-se-ia dizer que existia um Plano Quinquenal da homossexualidade para corrupção da juventude europeia. Certo ar equívoco nos modos, nas atitudes, nos ditos, no tom das amizades, na promiscuidade social entre jovens burgueses e jovens operários, certo conluio entre a corrupção burguesa e a corrupção proletária, eram fenómenos já dolorosamente notados muito antes da guerra, especialmente na Itália – onde em certos círculos de jovens intelectuais e artistas, principalmente pintores e poetas, se fazia pederastia e se supunha estar a fazer comunismo – e já denunciados à opinião pública por observadores, por estudiosos, e até por políticos geralmente desatentos aos factos alheios à vida política.O que acima de tudo me surpreendia era o facto de tal corrupção dos costumes juvenis, tanto na classe burguesa, como na classe proletária (...) se verificar com o pretexto do comunismo, como se a inversão sexual, mesmo não consumada, mas só mimada, representada, fosse uma iniciativa indispensável às ideias comunistas. E já várias vezes perguntara a mim mesmo – pois a questão parecia-me de fundamental importância – se isso sucedia espontaneamente, por íntima corrupção moral e fisiológica, como reacção aos costumes, aos modos, aos preconceitos, aos moribundos ideais burgueses, ou se em consequência de uma subtil, cínica e perversa propaganda comandada de longe e apostada em dissolver o tecido social europeu, na previsão do que os espíritos fracos do nosso tempo saúdam como a grande revolução da idade moderna. (...)Os invertidos disseminados pela Europa inteira, e naturalmente também na Alemanha e na URSS, haviam demonstrado ser elementos preciosíssimos para os serviços de informação ingleses e americanos, tendo realizado, desde o início da guerra, um trabalho político e militar especialmente delicado e perigoso. Os invertidos, como se sabe, constituem uma espécie de confraria internacional, uma sociedade secreta governada pelas leis de uma amizade terna e profunda, que não está à mercê das fraquezas e da proverbial inconstância do sexo. (...)
Curzio Malaparte, "A Pele" (cap. V), Edição Livros do Brasil, Lisboa (tradução de Alexandre O'Neill).
É preciso compreender algo que vai ao encontro do que eu já antes disse no comentário ao post do Rouxinol: Malaparte foi membro primeiro do partido fascista italiano (de facto, participou na tomada de poder) e depois da guerra aderiu ao partido comunista. A sua questão está menos na defesa de fascismo ou do comunismo, mas no amor ao ódio: na defesa do totalitarismo, qualquer que ele seja. Se somarmos a este percurso político este excerto, ficamos com um quadro bastante interessante não só da pessoa, mas do que são os partidos comunistas.

PS - sobre esta ideia
Os invertidos disseminados pela Europa inteira, e naturalmente também na Alemanha e na URSS, haviam demonstrado ser elementos preciosíssimos para os serviços de informação ingleses e americanos, tendo realizado, desde o início da guerra, um trabalho político e militar especialmente delicado e perigoso
É curioso como ela é tão parecida com outras, como as divulgadas pelo macarthismo.

O Nacional-Comunismo

O Rouxinol, no SOS Acriticismo, denuncia o PC da Federação Russa. Aqui vai um excerto:
Este "senhor", o camarada Zyuganov, teve a brilhante ideia de se aliar à extrema-direita: apoiando pessoas como Prokhanov, editor da Zavtra (uma publicação nazi); afirmando que os judeus são os culpados pela miséria que há na Rússia (1); dando rédea solta a Prokhanov e ao deputado comunista Makashov para convidarem David Duke a apresentar o seu livro, o "jewish supremacism", no museu Mayakovsky e falar da protecção da raça branca.Também já tinha lido sobre isto pela mão de José Milhazes "o Partido Comunista da Federação da Rússia (...) reabilitou Estaline e misturou o estalinismo com ideologias da extrema-direita russa e internacional, onde estão presentes o nacionalismo mais cavernoso, o anti-semitismo, o racismo, etc."
Trata-se no fundo de retomar a histórica aliança estalinismo/nazismo - um pacto Germano-Soviético mas sem estados e dentro de um partido. De resto, ninguém seriamente acredita no internacionalismo dos estalinistas: eles sempre foram (e o PCP sempre foi disso uma prova insofismável) partidos patriotas. Em França, não é por acaso que as zonas em que a Front National tem melhores resultados são precisamente os antigos feudos do PCF (as antigas áreas industriais).
O chauvinismo, o nacionalismo e o conservadorismo moral são parte de um mesmo edifício ideológico que a queda da URSS obrigou a rever e a desnudar.

domingo, 2 de setembro de 2007

Cuba e o resto - a democracia segundo o PCP

Continuando a bater em Cubas e quejandos paraísos dos amanhãs que cantam...
Através do Kontratempos fui relembrado da existência de uma festa cujo fascínio nunca percebi. Na verdade, sempre me achei incapaz de estar rodeado de tanta gente que possa achar que Estaline se calhar até nem era mau rapaz. Acho que vomitava; para além disso, tendo eu pouca capacidade para me manter calado, era bem capaz de sair de lá com uns brindes (nódoas negras e afins).
Não me espanta pois a lista de convidados. Não é que me cause propriamente indignação. É que eu não esperaria melhor de um partido daqueles. Aqui vão algumas pérolas:
  • PC da China
  • PT da RPD Coreia
  • PC de Cuba
  • Associação de Amizade Portugal-Cuba
  • Partido Comunista da Bielorússia
  • Partido Comunista do Vietname

Da cláusula moral ao financiamento imoral

A rádio ultracatólica polaca Maria, conhecida pelas suas posições anti-semitas e fortemente anti-europeias, vai receber 15,3 milhões de euros da União Europeia para o desenvolvimento da sua escola superior de jornalismo [...] Nas vésperas da adesão da Polónia à União Europeia, a Rádio Maria fez campanha contra a adesão, acusando a UE de um «relativismo moral que propaga a eutanásia, o aborto e a homossexualidade».
Com sede em Torun, norte da Polónia, a Rádio difunde regularmente opiniões nacionalistas e antisemitas. Possui também um diário nacional, Nasz Dziennik, e uma estação de televisão, Trwam.
Para garantir o funcionamento destes órgãos de comunicação, o padre Tadeusz Rydzyk fundou há dois anos a sua própria escola de jornalismo.
Palavras? Para quê?

sábado, 1 de setembro de 2007

A nova revolução industrial - eis a aplicação

Eis agora uma especialista a confirmar a introdução de alterações revolucionárias na forma de as empresas encararem os seus produtos e os seus processos:

Penso que está a emergir uma tendência de desmaterialização e de descarbonização. Temos uma economia muito baseada em coisas materiais e em energia. A questão é como desenvolver uma economia baseada noutros recursos. É preciso pensar em termos de economia de funcionalidades, o que significa vender mais serviços que produtos. Um exemplo disto é a Interface, líder mundial na produção e venda de alcatifas, que hoje em dia, aluga alcatifas em vez de as vender, ou a Michelin que tem um serviço de aluguer de pneus e não de venda. Isto significa que as empresas estão a procurar vender serviços de qualidade a médio-longo prazo em vez de vender produtos. Depois também podem fazer uma melhor manutenção, e no final é mais fácil tratar da reutilização e da reciclagem do produto. Todos estes processos de desmaterialização, descarbonização, economia de funcionalidades e a análise do ciclo de vida do produto devem aumentar, porque vemos que há tanta procura de materiais e energia com o aumento da população mundial, que vamos ter de pensar em implementar novos modos de vida e não apenas pequenas transformações. Teremos de transformar a economia mundial.
Bénédicte Faivre-Tavignot, em entrevista à Sair da Casca

Os Estados Unidos à luz de um Nouveau Philosophe

Acabei ontem de ler o livro Vertigem Americana de Bernard-Henri Lévy, autor tão famoso quanto mal-amado em muitos círculos. Também conhecido como BHL, o autor (nascido na Argélia, em 1948) pertence à corrente da nouvelle philosophie, que integra autores que decidiram recusar a ortodoxia marxista que asfixiava a filosofia francesa e que por outro lado quebraram a ideia da filosofia fora do mundo. BHL faz da oposição aos totalitarismos uma das suas bandeiras. No entanto, é marcante sobretudo o seu empenho na luta contra o racismo (foi um dos impulsionadores da SOS Racisme em 1984) que de resto transparece em múltiplas passagens de todo este livro. É preciso notar que há legiões de pessoas para quem BHL é já sinónimo de falta de honestidade, falta de qualidade e presunção intelectual. E reconheço que em vários pontos a sobranceria estava lá. Mas o resultado final é brilhante, e é isso que realmente conta. De resto, pretender que os filósofos marxistas ou os seus seguidores (marxistas ou não) possam dar lições de humildade a alguém é no mínimo risível.

O livro pretende retomar os passos de Tocqueville, tendo sido o resultado de um convite da Atlantic Monthly. Aqui dou o braço a torcer e pensar que este livro é equivalente ao De la Démocratie en Amérique é excessivo. Mas isso não tira mérito nenhum ao livro, que me parece estar mais nas imagens, nos quadros que ele nos dá, mais de setenta, sobre um país que, como o próprio faz notar, tem a particularidade de não ter um nome próprio - o único país do mundo que escolheu o seu nome e que o escolheu a partir do nome do continente. É preciso dizer que as esquerdas tradicionais (anti-americanas, anti-semitas e com um universalismo muito selectivo) terão de vituperar o livro de pró-americano; é também altamente provável que as direitas (especialmente as que copiam todas as taras americanas como se fossem questões políticas europeias) também não morrerão de amores por um livro que encara fenómenos como a especulação desmesurada, o homeschooling, a fixação nas armas ou a proliferação dos ghettos (os dos pobres e os dos ricos - que diga-se, e BHL não o diz, não é um fenómeno exclusivamente americano) como aberrações.

Sobre os ghettos, um parêntesis meu. BHL fala da contradição que é um país simultaneamente tolerante mas em que a tolerância se transforma muitas vezes numa espécie de apartheid - como se a convivência de múltiplas culturas só fosse possível através de muros invisíveis que separam as múltiplas comunidades ou culturas. Aliás, sobre isto tenho uma opinião que resulta de algo que vi há uns bons anos atrás sobre a Holanda. Não será estranho - questão colocada por um um holandês - que a única palavra que a sua língua deu para o léxico político internacional foi apartheid? Não será isto especialmente estranho num povo cuja cultura é indissociável da tolerância e da convivência da multiplicidade de culturas? Não será isto uma manifestação do facto de os povos que mais cedo se habituaram à tolerância (como os anglo-saxónicos ou o holandês) se terem petrificado em torno de noções (de que o multiculturalismo é a última encarnação) que seriam largamente vantajosas em sociedades que não podiam ainda acomodar a miscigenação, mas que são prejudiciais nos tempos que correm, potenciando a quebra do espaço público?


Prosseguindo com o livro, ele desmonta algumas noções que existem a respeito dos EUA como a de que não existe sistema de protecção social pública - ela existe, mas é de uma complexidade dificilmente apreensível para um europeu - e aliás, para os próprios americanos também. E isto, sem deixar de mostrar as já referidas aberrações, como as armas ou o coleccionismo de artigos nazis. Mostra a força das igrejas (em especial evangélicas), o seu comprometimento com a coisa pública, a sua separação face ao Estado mas também a sua falsidade, a sua mercantilização. Mostra as cidades vazias do Norte e a cultura do Sul em crise, tanto os brancos de Birmingham (sim, o Alabama da segregação e o Alabama onde a luta contra a segregação se fez) que lutam contra o KKK como os líderes índios rendidos aos aspectos mais deploráveis da política e em particular aquele índio anti-semita.
Um dos assuntos aos quais o autor dedica mais atenção é (sê-lo-ía sempre, mas é-o em particular devido ao período em que foi escrito - durante a campanha perdida por Kerry) a pujança ideológica dos republicanos e a debilidade dos democratas. De facto, por execráveis que sejam os republicanos, não se encontra mais líderes nenhuns em parte nenhuma que ajam politicamente explicitando e fundamentando ideologicamente a sua acção, citando Platão ou Aristóteles, construindo a sua política dos debates e dos livros para os gabinetes. Pelo contrário, os democratas caiem na esparrela do dinheiro (em vez de discutir ideias, o seu combate está fixado na angariação de fundos), tradicional no partido do dinheiro (o Republicano) mas que nada diz ao partido que contrabalançava os seus recursos mais escassos com a certeza da justiça das causas que defendia. Um partido cujos membros resolvem cair no pântano da discussão de quando é a tortura aceitável. Um partido que, sendo para o autor o melhor representante das Luzes, parece ter um caminho lúgubre pela frente, apesar das esperanças que BHL deposita em Obama, Hillary ou Kerry.

Não é, portanto, um livro que nos diga tudo o que queremos ler, seja lá o nosso quadrante ideológico qual for. Mas é justamente isso que faz com que ele valha a pena ser lido.


Links para outras leituras do livro: