segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

O cerco

Previsível (inevitável), aproxima-se a fiscalização dos partidos no que respeita ao seu número de militantes. A lei já tem alguns anos, e tarde ou cedo isto viria a acontecer. Tal como tarde ou cedo a redução da proporcionalidade no sistema eleitoral poderá enfim avançar, queira-o o PS (que o PSD já espera e desespera por isso há muito tempo) e deixemo-lo nós.
O objectivo é manter o sistema partidário tão anquilosado quanto possível e fortalecer o peso do PS e do PSD administrativamente. O PS já tinha sido largamente prejudicado pelo surgimento do BE, que lhe tirou a maioria absoluta em 1999, e o PSD e o PP receavam que o PND tivesse um efeito semelhante à direita. Com esta lei é possível que os que já estão na AR se safem (à excepção do PPM e do MPT), mas tudo o resto desaparece. De modo que de futuro qualquer alteração só poderá surgir por cisão ou fuga em larga escala de um dos dois principais partidos. E não me parece provável que tal venha a suceder.


Olhando para os aspectos práticos, isso é improvável: a demarcação de territórios e o acordo tácito na distribuição das coutadas implicaria um grande espírito de sacrifício da parte dos trânsfugas - e exceptuando o contorcionismo político próprio de quem não tem coluna vertebral, não me parece que aparatchik algum tenha espírito de sacrifício.
Olhando para a História do nosso parlamento percebe-se para além disso que as cisões dão-se apenas no topo e não têm repercussões nem apoio na base - é o caso da UEDS e da ASDI.
Por fim, se o próprio Manuel Alegre, que teve um apoio directo (apoiantes de campanha e no seu movimento) e indirecto (votos) amplíssimo e ainda assim se recusa a transformar o seu MIC num partido, então surge a prova empírica que faltava ao que eu afirmei.


Se dos partidos existentes nada de novo emergirá e se a sociedade fica impossibilitada de reagir, então temos o palco montado. Por enquanto, trata-se de testar a opinião pública e reduzir os partidos ao essencial (ou seja, os que já estão representados parlamentarmente) atacando os elementos mais frágeis. A seguir, virá a reforma do sistema eleitoral. E aí sim, correrá sangue.

domingo, 9 de dezembro de 2007

A reacção parcial

Os discursos e os textos e as opiniões que se dedicam hoje a re-definir as fronteiras entre Esquerda e Direita são imensos. Eu próprio volta e meia escrevo algo sobre o assunto. Os textos, se bem que interessantes (quando não não estão envoltos em pré-conceitos do tipo Bons/Maus - mesmo quando o objectivo declarado é ultrapassar essas visões parcialistas, como sucede no texto da Atlântico deste mês de António Carrapatoso*) são normalmente longos. No entanto, uma das melhores formas para hoje estabelecermos, de forma rápida e intuitiva, a separação entre Esquerda e Direita é a utilização da expressão politicamente correcto, especialmente para definir as expressões mais extremadas da Direita (e não tanto para estabelecer fronteiras rigorosas ao centro). De facto, ao contrário do que sucede com a Direita moderada e a Esquerda moderada, a Direita extremada alçou a luta contra esta ideia do politicamente correcto ao estatuto de prioridade número um. Passo a explicar porquê.
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A auto-vitimização quixotesca do actual pensamento conservador renomeado para liberalismo ou libertarismo (à revelia das correntes políticas dominantes no seio do próprio liberalismo) é concomitantemente a demonstração da sua força e a prova do seu falhanço.
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A sua força está na convicção de que são paladinos da liberdade cercados por um pensamento único da tolerância. Esta é a reacção no sentido político da palavra: a oposição aos produtos da Modernidade e em particular a reacção à mentalidade classe média, uma classe que emerge da fusão entre a economia de mercado e o Welfare State (para qual concorreram as opções tomadas pelas forças políticas mais moderadas, tanto do campo socialista, como do liberal, como do conservador). Esta classe média baseia-se numa mentalidade individualista, livre que está da carência económica e da falta de instrução das classes miseráveis de antanho e da ideia de "excepcionalismo" da aristocracia, para quem o individualismo fica para "os melhores" e o colectivismo da ignorância e da pobreza é a cristianíssima chaga que todos os outros merecem suportar. Foi na era dourada da classe média que os jovens baby-boomers fizeram a libertação da mulher ou o fim do segregacionismo. E tem sido essa a mentalidade dominante até aos nossos dias - dominante no sentido em que, de forma reformista, tem tornado vencedora a sua agenda individualista.
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É aqui que entra a lógica do cerco dos reaccionários dos nossos dias. Ninguém é anti-democrata. E ninguém é contra a liberdade. Como poderia isso ser? Pois não foi a mentalidade da medianidade a extirpar qualquer oposição a estas ideias? Portanto já não pode haver ninguém que as renegue. Dialecticamente, a negação da negação nunca é igual à afirmação inicial, e os neo-reaccionários já não podem ser reaccionários: eles inventaram-se novos nomes e novas causas. Os fins que perseguem são os mesmos, se os reduzirmos ao essencial, que motivaram por exemplo os absolutistas, mas obviamente que já não podem defender as mesmíssimas coisas.
Já não são contra a ciência: eles acham que a ciência pode ser guiada pela religião. Já não são pela religião oficial: acham que o Estado tem de integrar a "cultura nacional". Já não são machistas: são pelo direito à vida. Já não são homofóbicos: até têm amigos homossexuais. Já não são racistas: são pelos estudos científicos que provam que os brancos são mais inteligentes que os negros.
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Quem se opõe à sua agenda é apelidado de censor, e chegam a realizar retratos de si próprios sendo agredidos e apelidados de racistas e machistas. De caminho, vão pisando armadilhas relapsas, demonstrando a sua verdadeira natureza ao afirmar coisas como as vantagens de haver uma aristocracia ou apresentando abominações como "a equivalência entre [...] religiões". A sua defesa da liberdade limita-se ao direito de re-afirmar coisas que o fim do nazismo (doutrina que afirmam que pelo menos alguns dos seus opositores seguem) deveria ter enterrado e o seu tenaz ataque ao Estado confina-se a esse politicamente correcto, a essa imposição da tolerância. Não fossem os nossos Estados liberais e defensores da liberdade individual, não fosse, por exemplo, o laicismo dominante, e continuariam tão estatistas quanto sempre foram (e quanto continuam lá no fundo a ser).
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Mas se estes neo-reaccionários têm uma convicção inabalável na superioridade da desigualdade, não apenas prática mas também teórica - coadjuvada por um certo colectivismo moral - o próprio facto de se verem hoje constrangidos a afirmarem-se democratas e muitas vezes liberais demonstra também a sua fraqueza. Já não estamos no tempo da reacção integral, mas de uma reacção parcial, mole, quixotesca não apenas pelo delírio do herói mas também pela derrota final de todos os anti-heróis românticos: uma reacção que se pantomima de libertária para defender a opressão. Uma reacção, em suma, muito politicamente correcta.

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* De facto, Carrapatoso, embora bem intencionado, piora bastante o quadro divulgado pelo Political Compass, substituíndo o eixo Social pelo peso do Estado e o eixo Económico por um eixo Igualitarismo/Livre Diferença. Reduz assim a questão do individualismo à intervenção estatal, como se os indivíduos não pudessem ser oprimidos por outros agentes senão o Estado (e como se o Estado não fosse em certa medida um meio de evitar algumas dessas fontes de opressão); e depois introduz um julgamento prévio com vista a favorecer a Direita, afirmando-a "livre", face à imposição totalitarista e opressora do igualitarismo à Esquerda.
Um julgamento neutral dividiria antes os dois eixos entre dois valores (igualdade e liberdade), o primeiro (económico) variando entre o igualitarismo e o elitismo, com a ideia de "igualdade de oportunidades" ao centro e o segundo aferindo o grau de individualismo (moral).

Horóscopo da semana (melhor que o horóscopo do Metro)

Para quem acredita nos astros...

O estatuto da Mulher e a miséria do multiculturalismo

Naser Khader era um dos candidatos, ontem, nas eleições dinamarquesas. É de direita. Filho de imigrantes, Naser veio da Síria com onze anos, é muçulmano. Apoia o Governo dinamarquês por este, na crise dos desenhos satíricos de Maomé, ter feito frente aos fanáticos religiosos que exigiam desculpas dinamarquesas. Ontem, também Asmaa Abdol-Hamid era candidata. É da extrema-esquerda. Filha de imigrantes, Asmaa veio da Palestina, é muçulmana. Ela fez a campanha de véu e, nos comícios, recusou a apertar as mãos aos camaradas masculinos. Para ela, uma muçulmana não toca em homens, senão marido. Ontem, fez um mês que Zahara Bani- -Ameri morreu na prisão, em Teerão, onde estava porque se passeou de mão dada com um rapaz que não era marido. Há 30 anos, eu era de extrema-esquerda, também por causa da liberdade das mulheres. Ontem, eu teria votado em Naser, não em Asmaa. Às vezes não há como ficar no mesmo sítio para parecer termos mudado.
Ferreira Fernandes, lido no Vistalegre

sábado, 8 de dezembro de 2007

Sobre a Direita Liberal e os Libertários de Direita


À porta
daquela
igreja
vive o ser tradicional
às voltas
duma coisa velha
e não muda a condição

A vaca de fogo, Pedro Ayres Magalhães

Conjugar Liberdade

  • Eu posso gostar do que quiser na minha vida privada.
  • Tu podes gostar do que quiseres na tua vida privada.
  • Ele pode gostar do que quiser na sua vida privada.
  • Nós podemos gostar do que quisermos nas nossas vidas privadas.
  • Vós podeis gostar do que quiserdes nas vossas vidas privadas.
  • Eles podem gostar do que quiserem nas suas vidas privadas.


  • Eu devo respeitar politicamente as opções dos outros na sua vida privada.
  • Tu deves respeitar politicamente as opções dos outros na sua vida privada.
  • Ele deve respeitar politicamente as opções dos outros na sua vida privada.
  • Nós devemos respeitar politicamente as opções dos outros na sua vida privada.
  • Vós deveis respeitar politicamente as opções dos outros na sua vida privada.
  • Eles devem respeitar politicamente as opções dos outros na sua vida privada.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Menos abraços, mais respeito

A propósito do post Homofobia de Helder, recordei-me que recentemente escreveram-me isto a respeito de um comentário de alguém que dizia que o irmão era gay: hmmm porque é que cada vez que sai uma bacorada homofobica o autor sente a necessidade de inventar um conhecimento em primeira mão de alguém que é… que valente treta.

Bom, aqui não há nenhuma bacoraca homofóbica, mas há uma tentativa de desculpabilização. A Fernanda Câncio recorda Maria José Nogueira Pinto quando esta disse a dois activistas homossexuais “Mas eu acho que vocês têm o direito de existir!” - como se ela tivesse o direito de dizer quem deve ou não existir e de que forma devem existir.

Ter amigos homossexuais não diz nada. Aliás, ser homossexual também não diz nada. Há homossexuais homofóbicos, como há mulheres machistas, etc..

Portanto, a questão não é essa. A questão é reconhecer dignidade. Ao contrário do que alguém disse, o problema não está em deixar que o homossexual pegue no bébé (porquê, acha que alguém ía pensar que ele ía pegar-lhe sida ou violá-lo?) a questão está em saber se dois adultos têm ou não o direito de viver, por exemplo, casados, se for esse o seu entendimento. Não interessa se a maioria das pessoas em geral ou dos homossexuais em particular pensa assim ou assado: interessa o princípio.

Cabe a cada indivíduo, a partir de princípio básicos, escolher como viver a sua vida.
Tratar os homossexuais como poodles da pseudo-tolerância é apenas, essa sim, uma autêntica manifestação da homofobia.

Os tolerantes com os intolerantes, serão realmente tolerantes?

Uma democracia liberal tem que ser (e isto é um contra-senso, eu sei), em certa medida uma ditadura: A ditadura da liberdade. Ou seja, não se pode aceitar no jogo político de uma democracia liberal aqueles que não aceitam o sistema, sob o risco de essa democracia liberal deixar de existir e obrigar quem defende a liberdade a lutar pela força das armas novamente pela mesma.
Esta é uma questão bicuda e que de todas as formas tem duas respostas possíveis, uma no plano (macro)político e outra a nível individual. Ao nível macro, a resposta de John Rawls (Uma Teoria da Justiça, cap. IV-35) satisfaz-me: a limitação dos intolerantes deve dar-se apenas quando se coloca em causa a liberdade social, ou seja, a comunidade política no seu todo ou em alguma das suas partes é prejudicada na sua liberdade. Os intolerantes não têm em si qualquer direito a ser intolerantes, nem sequer têm o direito de protestar se a comunidade for intolerante para com eles: mas a comunidade política tem o dever de só limitar a sua liberdade se a liberdade de outrem for efectivamente limitada (e isto não implica apenas que por exemplo um A bata em B; se A apelar a que B seja atacado, estará já a pôr em causa os princípios de justiça que regem a comunidade).

Outra questão, bastante mais simples, creio, é no plano pessoal. Ninguém pode a todo o momento insurgir-se sempre contra todas as manifestações de racismo, homofobia, machismo, etc, etc, etc.. Isso é certo.
Na blogosfera, por exemplo, entre Insurgente, Atlântico, Portugal Contemporâneo e tantos outros, o número de bloggers com algum relevo que com alguma frequência emitem opiniões (e vou utilizar a palavra que alguns apelidaram de mal educada - eu, concordando com o que li num post da Fernanda Câncio, considero que pior é ser intolerante) asquerosas não deixariam nenhum descanso aos tolerantes (ou seja, aqueles para quem é importante insurgirmo-nos contra manifestações de intolerância, como o racismo por exemplo).

Sucede apenas que é de estranhar o silêncio permanente nuns casos e o alarde permanente sobre outros. Pode até ser que quem esteja calado não concorde inteiramente com essas opiniões. Mas quem partilha o mesmo espaço que esses autores e não se opõe a essas opiniões então de facto quando se cala diz muito a respeito de si próprio.

Isto, em termos genéricos. Em termos concretos, quem apresenta estudos "científicos" nos quais se defende que os brancos são mais inteligentes que os negros é intolerante. E portanto voltamos ao ponto de partida: quem é que é intolerante? Quem não tolera a intolerância, ou quem é intolerante à partida? Poderemos ser individualmente tolerantes perante os intolerantes?

E por que é que esses paladinos do pluralismo só defendem o pluralismo com unhas e dentes quando se trata de uma crítica à intolerância, mas estão "demasiado ocupados" ou "cansados" ou "distraídos" ou qualquer outra coisa para sequer escrever uma brevíssima frase sobre a intolerância racial, sexual, religiosa (excepto se vier do islamismo), etc.?
É aqui que eu estabeleço uma fronteira - um cordão sanitário. Não tenho rigorosamente nada que ver com essa gente. Homens como Pacheco Pereira, que jamais defendem os direitos das minorias raciais ou sexuais, que inclusivamente comparam canas de milho a imigrantes (com preferência pelas primeiras, naturalmente) e que depois vêm clamar pelos direitos, liberdades e garantias de homens como Mário Machado - esse tipo de gente não é a minha gente. Cheira a podre o seu pluralismo: tresanda a carcaça ideológica com mortalha nova.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

O "neoliberalismo" e a não-resposta

Ora no mundo real há muitos e variados poderes fácticos com poder coercivo, não só sobre o indivíduo, mas também, e em grau cada vez mais elevado, dobre o Estado.
Não faz por isso sentido dizer que para o liberalismo a liberdade se exerce contra toda a concentração de poder. Os neoliberais não combatem toda a concentração de poder, mas apenas a concentração de poder no Estado. A concentração de poder noutras instâncias, em detrimento do indivíduo, não só não a combatem, como a favorecem e preconizam.

Infelizmente, o educadíssimo minarquista (não, não se pode chamar neoliberal) dispensou esta objecção terminando com um deixe-se dessas balelas sobre “neoliberais”. Como disse, o conceito está abastardado e não faço ideia o que quer dizer. Ele sabe o que JLS queria dizer, mas não interessa responder.
O que realmente interessa é que para o minarquista em causa, a concentração do poder nas mãos de poucos indivíduos é mais legítima que a concentração de poder no Estado. Ou seja, a opressão, desde que seja feita por indivíduos, é boa. Se for feita pelo Estado, é má. Há formas aceitáveis, portanto, de opressão. E há, por conseguinte, formas malabarísticas de defendermos a liberdade.

Menos vaga mas, creio, cada vez mais importante e muitíssimo mais complexa, é esta coisa de se entender que as referidas pelo minarquista como multinacionais, e que JLS definiu como poderes fácticos são ao fim e ao cabo, indivíduos. A questão é simples: quem é que manda nas multinacionais? Serão os accionistas? Serão verdadeiramente os accionistas? E mesmo que fossem verdadeiramente os accionistas, absolutamente tudo lhes deveria ser permitido? A questão primeira é que, exceptuando PREC's como o que o BCP está a atravessar, os accionistas mal controlam (mal sabem) do que se passa. É a famigerada assimetria de informação que os "libertários" abominam e da qual nem querem ouvir falar. A segunda questão é que quem quer que mande efectivamente nas empresas tem de ser limitado por princípios legais principalmente aos níveis social e ambiental. E isto para não falar do controlo político das tais multinacionais sobre os Estados.

Porque no fundo a questão não está em saber se a opressão é realizada por vontade própria dos políticos (Estado), se eles são fantoches das multinacionais (os tais "indivíduos" do minarquista) ou se é a maioria da população que está a oprimir uma ou várias minorias.
A questão está na opressão em si, na concentração de poder em si, na inexistência de freios e contrapesos em si.
E foi esta a pergunta do José Luiz Sarmento que ficou por responder. Não me espanta.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Um pouco mais de vergonha, por favor...

No que toca aos últimos 50 anos, não somos nós quem tem telhados de vidro.

É preciso ter uma certa lata para dizer coisas destas. Qualquer pessoa de direita, mais ou menos democrática, tem de ter cuidado quando critica a esquerda portuguesa - pelo simples facto de a esquerda não ter implantado nenhuma ditadura em Portugal.

Se isto é verdade em geral, é-o ainda mais quando a pessoa de direita que diz isto é de facto reaccionária ao melhor estilo da direita que sustentou a ditadura salazarista.
Creio que é preciso algum pudor, alguma vergonha na cara: entre esquerda e direita, não queira a direita armar-se em santa. Quando a esquerda tiver realizado um golpe de estado e depois tiver completado 48 anos de ditadura em Portugal, então aí a direita portuguesa poderá com razão sentir um pouco mais de à vontade para atacar o outro campo.

Oceano pouco pacífico

há os que julgam o liberalismo como um resumo de lógicas económicas; e os que vêem o liberalismo como um todo, feito de direitos fundamentais, de valores como a tolerância e o respeito pela dignidade humana e liberdade económica. Como escrevi, há uma ‘fractura’ indisfarçável nos liberais

Tudo menos imprevisível, a saída de Tiago Mendes da Atlântico deve-se a algo muito simples: os liberais portugueses são, grosso modo, conservadores (quando não reaccionários) que defendem liberdade económica (e sobretudo libertinagem económica). A dimensão ética, da liberdade enquanto valor, está completamente ausente.
Quando presente, a defesa do comércio livre vai a par com a recusa determinada do racismo, por exemplo. São concretizações em planos distintos de uma mesma realidade. Ora, se bem que Tiago Mendes incorpore esse ideal, não quer dizer que todos os que se dizem liberais o façam também.
Sobre a dimensão ética do liberalismo, reler este post.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Hillary Clinton, demasiado à esquerda, demasiado à direita?


Em resposta ao Filipe e ao Sérgio, que aqui me interpelaram a respeito da minha simpatia por Hillary Clinton, aqui vai a minha resposta.


O que o Bill Clinton fez foi, de alguma forma, repor (ou melhor, continuar o trabalho de Reagan e Bush pai na reposição) de um certo sentido histórico do que é o liberalismo e do que é o conservadorismo. O liberalismo visa um Estado com limites bem definidos. O conservadorismo visa um Estado sem limites enquanto continuar a beneficiar as elites.

O que Clinton fez foi limpar o gigantesco défice orçamental e reduzir a dívida pública criada ao longo de anos e anos de absoluto despesismo militarista. E, em contrapartida, orientou o país para a criação de riqueza. Gerar bem estar, diminuir o fardo que a dívida constitui para as gerações futuras e tornar os EUA um país menos belicoso, será isso usar receitas tradicionalmente republicanas? Creio bem que não. Quanto à liberdade comercial, os republicanos só são favoráveis à liberdade de exportar.

Hillary trará, caso vença, para o governo do país a equipa que deu aqueles anos de prosperidade aos EUA. Mas não quero limitar a questão à economia. Há um ou dois meses li um artigo no FT, que infelizmente já não tenho, em que se fazia a comparação entre os três principais candidatos democratas. Ao nível das políticas sociais (saúde principalmente), o candidato que defendia uma política mais activa (mantendo o princípio da liberdade de escolha, no qual assenta o Welfare State americano) não era curiosamente o "esquerdista" Edwards nem o "negro" Obama (por quem a Esquerda anda derretida, mas apenas porque desconhece em absoluto as suas propostas) mas sim Hillary. E conjuga isso, por exemplo, com a liberdade comercial. Essa junção é o âmago do Partido Democrata, que como os americanos dizem e bem (contrariando o sentido comum na Europa em que a palavra se degradou), é liberal.