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Sobre os ghettos, um parêntesis meu. BHL fala da contradição que é um país simultaneamente tolerante mas em que a tolerância se transforma muitas vezes numa espécie de apartheid - como se a convivência de múltiplas culturas só fosse possível através de muros invisíveis que separam as múltiplas comunidades ou culturas. Aliás, sobre isto tenho uma opinião que resulta de algo que vi há uns bons anos atrás sobre a Holanda. Não será estranho - questão colocada por um um holandês - que a única palavra que a sua língua deu para o léxico político internacional foi apartheid? Não será isto especialmente estranho num povo cuja cultura é indissociável da tolerância e da convivência da multiplicidade de culturas? Não será isto uma manifestação do facto de os povos que mais cedo se habituaram à tolerância (como os anglo-saxónicos ou o holandês) se terem petrificado em torno de noções (de que o multiculturalismo é a última encarnação) que seriam largamente vantajosas em sociedades que não podiam ainda acomodar a miscigenação, mas que são prejudiciais nos tempos que correm, potenciando a quebra do espaço público?
Prosseguindo com o livro, ele desmonta algumas noções que existem a respeito dos EUA como a de que não existe sistema de protecção social pública - ela existe, mas é de uma complexidade dificilmente apreensível para um europeu - e aliás, para os próprios americanos também. E isto, sem deixar de mostrar as já referidas aberrações, como as armas ou o coleccionismo de artigos nazis. Mostra a força das igrejas (em especial evangélicas), o seu comprometimento com a coisa pública, a sua separação face ao Estado mas também a sua falsidade, a sua mercantilização. Mostra as cidades vazias do Norte e a cultura do Sul em crise, tanto os brancos de Birmingham (sim, o Alabama da segregação e o Alabama onde a luta contra a segregação se fez) que lutam contra o KKK como os líderes índios rendidos aos aspectos mais deploráveis da política e em particular aquele índio anti-semita.
Um dos assuntos aos quais o autor dedica mais atenção é (sê-lo-ía sempre, mas é-o em particular devido ao período em que foi escrito - durante a campanha perdida por Kerry) a pujança ideológica dos republicanos e a debilidade dos democratas. De facto, por execráveis que sejam os republicanos, não se encontra mais líderes nenhuns em parte nenhuma que ajam politicamente explicitando e fundamentando ideologicamente a sua acção, citando Platão ou Aristóteles, construindo a sua política dos debates e dos livros para os gabinetes. Pelo contrário, os democratas caiem na esparrela do dinheiro (em vez de discutir ideias, o seu combate está fixado na angariação de fundos), tradicional no partido do dinheiro (o Republicano) mas que nada diz ao partido que contrabalançava os seus recursos mais escassos com a certeza da justiça das causas que defendia. Um partido cujos membros resolvem cair no pântano da discussão de quando é a tortura aceitável. Um partido que, sendo para o autor o melhor representante das Luzes, parece ter um caminho lúgubre pela frente, apesar das esperanças que BHL deposita em Obama, Hillary ou Kerry.
Não é, portanto, um livro que nos diga tudo o que queremos ler, seja lá o nosso quadrante ideológico qual for. Mas é justamente isso que faz com que ele valha a pena ser lido.
Links para outras leituras do livro:
2 comentários:
É o que eu te digo: tu perdes-te a ler BHL's, que aliás até rima com DHL.
Ambos viajam muito mas um faz entregas, o outro nem isso.
E qual, a teu ver, é o mal do homem? É presunçoso? Com certeza! Mas conheces algum intelectual que não o seja?
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