domingo, 20 de julho de 2008

Bronisław Geremek

Numa Europa em que pululam e prosperam os Barrosos desta vida, chamem-se eles Sarkozy ou Berlusconi, há exemplos que nos recordam os Founding Fathers do nosso continente renascido da II Guerra Mundial.


De origem judaica, teve melhor sorte que o seu pai, morto em Auschwitz: escapou do Ghetto de Varsóvia e teve uma carreira académica brilhante, tanto na Polónia como em França. Mas foi na política que singrou e se notabilizou. Como tantos outros, teve na Primavera de Praga o confronto com a realidade brutal do comunismo. Passou do partido oficial à oposição democrática. Ganhou destaque com o Solidarność. Depois de passar por vários cargos políticos de enorme destaque, continuou fiel à Liberdade: recusou nos últimos anos assinar o infame documento dos irmãos Kaczinsky no qual devia confirmar que não tinha colaborado com o regime comunista.


Era, desde as últimas eleições europeias, deputado da ALDE pelo partido liberal social polaco, o Partido Democrático. No ano passado escreveu: Depois de termos feito a Europa, devemos agora fazer os europeus. Senão, arriscamo-nos a perdê-la.


Bronisław Geremek morreu há uma semana. Como europeu e como liberal, é um exemplo único e um símbolo do que a Europa deve lutar por ser.



quinta-feira, 10 de julho de 2008

Não há um Demos europeu?

The struggle between Liberty and Authority is the most conspicuous feature in the portions of history with which we are earliest familiar, particularly in that of Greece, Rome, and England. But in old times this contest was between subjects, or some classes of subjects, and the government. By liberty, was meant protection against the tyranny of the political rulers. [...] They consisted of a governing One, or a governing tribe or caste, who derived their authority from inheritance or conquest; who, at all events, did not hold it at the pleasure of the governed, and whose supremacy men did not venture, perhaps did not desire, to contest, whatever precautions might be taken against its oppressive exercise. Their power was regarded as necessary, but also as highly dangerous [...]. [...]
A time, however, came in the progress of human affairs, when men ceased to think it a necessity of nature that their governors should be an independent power, opposed in interest to themselves. It appeared to them much better that the various magistrates of the State should be their tenants or delegates, revocable at their pleasure.

John Stuart Mill, On Liberty

Recentemente ouvi dizerque não há um demos europeu. E que, se não há um povo europeu, que sentido faz haver instrumentos próprios dos de um corpo cívico, como eleições comuns e referendos comuns aos vários países da União Europeia?

Sem discutirmos para já se de facto somos ou não cidadãos europeus (o meu passaporte diz-me que sim, a escassez dos meus direitos políticos diz-me que sou um súbdito) o mais importante é discutir qual o conceito de "cidadão" que queremos adoptar. É-se cidadão em função de uma comunidade política juridicamente constituída, uma unidade política - um Estado, normalmente - que existe em função de algo, que é criado por algo. A criação do Estado, a sua fundação, remete-nos para o conceito de nação. É no questionamento da noção de nação que encontraremos respostas válidas (e que denunciam opções políticas e morais) à questão.

Há fundamentalmente duas perspectivas sobre a nação como elemento significante do Estado. A perspectiva conservadora e romântica é a de que a nação é o produto da História. Como Burke escreveu, não há Direitos do Homem: há direitos dos ingleses, dos franceses, etc.. A nação não tem um acto fundador, é um processo evolutivo no seio do qual pessoas surgem e ao qual as pessoas devem respeito e obediência. Por oposição, existe a nação contratualista, liberal e revolucionária, produto já não da História, mas da Vontade. A pessoa cede lugar ao indivíduo isolado que, dotado de direitos inalienáveis (comuns a todos os indivíduos) realiza um contrato para melhor os defender.

Sustentar a ideia de que o homem não tem direitos universais mas apenas aqueles que a sua comunidade lhe dá previamente implica uma subordinação de cada um a um todo que o supera. Pelo contrário, os direitos universais fundam o indivíduo moderno, dotado de um núcleo mínimo de autonomia que a cultura, as instituições, o Estado, os partidos, as religiões ou qualquer outra construção humana não tem o direito de vergar.
Não é pois já o Estado que brota da vida colectiva, não são as nações que o fundamentam, mas a protecção do indivíduo e da sua liberdade. A tese do tiranicídio vem nesta linha - os indivíduos não são constrangidos a manter uma situação apenas pela sua factualidade jurídica. O indivíduo livre é um criador, um transformador da da comunidade política no sentido de melhor servir o seu fim (repetimos, a defesa da liberdade individual).
O conceito-chave aqui é o poder criador: não é o Estado que permite a vida dos homens, são os homens que estabelecem o Estado (assim se antecipa, politicamente, o salto filosófico de Feuerbach: não foi o homem que foi criado por um deus, é deus que é uma criação humana).

E, aqui chegados, a questão da existência ou não do "povo" europeu adquire contornos novos. Pode bem ser verdade que não haja um demos europeu. Mas há um kratos. Um núcleo de poder sustentado, sem dúvida, juridicamente mas em choque directo com os direitos naturais dos europeus. A inexistência hoje de um povo europeu não constitui por isso um impedimento, mas sim um apelo ao projecto interrompido de uma Constituição europeia. Um contrato que deverá ser definido por representantes eleitos dos e pelos cidadãos dos países da União e que, por inerência e por vontade própria, se convertem em sentido próprio em cidadãos europeus.

A Europa não tem um demos porque antes de ser uma realidade é uma utopia. Antes de ser, é um dever-ser. E enquanto não aceitarmos este dever-ser, a Europa nunca será.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Debate imperdível



DEBATE

2 de Julho, 18h30, Centro Nacional de Cultura


“Como traduzir um ‘Não’ irlandês para linguagem europeia?”



- Dr. Paulo Sande – Director Gab. do Parlamento Europeu em Portugal
- Prof. Medeiros Ferreira – Professor Universitário (Univ. Nova Lisboa)
- Teresa de Sousa – Jornalista (Público, Antena 1)
- Miguel Duarte – Movimento Liberal Social/Referendum (www.europeanreferendum.eu)


No próximo dia 2 de Julho (Quarta-feira), pelas 18h30, terá lugar, no Centro Nacional de Cultura (CNC) em Lisboa, um debate intitulado “Como traduzir um ‘Não’ irlandês em linguagem europeia?”, organizado pela equipa de Lisboa do magazine europeu CaféBabel Internacional.

Os oradores (supramencionados) terão como moderador Paulo Barcelos, e pretende-se uma exposição informal de opiniões, debatendo as razões que conduziram a União Europeia à situação actual no que se refere ao Tratado de Lisboa, bem como suas implicações e hipóteses de caminhos a seguir.

domingo, 22 de junho de 2008

Crimezinho um pouco menos sujo

Sobre esta notícia já se escreveu que ela não é fiel à verdade porque omite a raça dos assaltantes, que eram todos negros.

Até podem ser (tenho dúvidas, porque eu vivo na Linha e bem vejo os grupos de mânfios, chungosos e gandulos de vária ordem nos comboios; apesar da predominância de negros, também os há - e muitos - brancos) todos negros, mas a minha pergunta é: o que é que isso acrescenta à notícia ou aumenta ao crime?

Será que um crime, se cometido por um branco, é menos mau? Menos grave? É assim uma espécie de crimezinho mais limpito, a modos que... um crime com lixívia? Será? Hum...

Fantasias político-sexuais de um homossexual no armário

O que é que acontece quando um gay não assumido lê um segundo gay não assumido, e quando o segundo gay não assumido lê um terceiro gay no armário? Linkam-se.

Até chegar ao autor desta pérola da miséria neuronal, foi um martírio.

gay no armário 1
gay no armário 2
gay no armário 3.

[por que é que em vez de andarem a escrever imbecilidades sobre a vida dos outros, não se vão aplicar em actividades mútuas bem mais estimulantes?]

sexta-feira, 20 de junho de 2008

O Rapto de Europa

- Apostasia -

O melhor aluno, em economia, da construção europeia parece ter mordido a mão que o alimentou durante trinta e cinco anos. Ou, pelo menos, é isso que uma plêiade de eurocratas e satélites de menor importância mas não menor arrogância nos tem feito crer.

É um facto que o Não está cheio de enganos. Baseia-se numa campanha muitas vezes de desinformação. Há incorrecções múltiplas e mentiras descaradas. E tudo isso engrossou a fileira dos supostos apóstatas da Europa. Haverá sempre aqueles - nos dois extremos do eleitorado - que nunca serão a favor do projecto Europeu. Sucede que isso não explica como irlandeses que votaram nos conservadores do Fianna Fail e do Fine Gael, nos liberais Progressive Democrats ou no social-democrata Labour e que compõem a esmagadora maioria do povo irlandês pôde votar Não.

Os seguidores dessa pérola do pensamento político democrático, Sérgio Sousa Pinto, sentir-se-ão tentados a secundá-lo na opinião de que sobre questões importantes não deve o povo pronunciar-se. Eis o referendo irlandês como prova. O povo simplesmente não tem capacidade para compreender o que está em causa.

A questão é - "e alguém sabe o que está em causa?" Alguém leu e interpretou o Tratado de Lisboa para se pronunciar (já não digo votar!) com um mínimo de consciência sobre o que está em causa? Quer-me parecer que, exceptuando algumas centenas de cozinheiros do Tratado e outras tantas centenas de desocupados, ninguém o tenha feito. E das duas uma. Ou ele é importante mesmo, e aí tem de ser legível; ou é irrelevante, e então não se percebe porquê tanta indignação com o asterixiano Não irlandês.

- Cobardia -

Se me perguntassem como, caso Sócrates não tivesse descarada e vergonhosamente faltado ao seu compromisso eleitoral de realizar um referendo, votaria eu num referendo sobre o Tratado, eu diria que votaria Sim. Não o diria por convicção, por achar que se estava a erguer mais uma pedra no edifício europeu, ágora de meio milhar de milhão de pessoas. Votaria simplesmente por medo.

A táctica da eurocracia para fazer-nos aceitar tudo o que impõem é simplesmente o medo. Que o projecto pare, que o projecto regrida, que o projecto morra. E a ameaça é menos irreal que o que possa parecer. Um dos benefícios - talvez o principal, o crucial - das Comunidades tem sido o forçar a convivência entre elites dos vários países delas componentes. Elites que décadas antes arrastavam centenas de milhões de pessoas para guerras cíclicas que foram pouco a pouco minando a supremacia europeia sobre o mundo, num processo autofágico absolutamente notável.

A União Europeia é hoje a fonte de rendimentos e uma fonte de prestígio para uma horda de gente que sempre estará entre a elite governante. A diferença é que agora as elites europeias partilham a mesma malga. E, por amor de si, por inconfesso interesse próprio, não lhes conviria que a UE entrasse em perigo. Por detrás do verniz recente do cosmopolitanismo, muita coisa se esconde. Nada que, como europeus, não devêssemos já sabê-lo.

E portanto é por medo dos eurocratas e da sua bestialidade mal contida (e visível nas reacções ao referendo irlandês), por receio que a UE seja posta em perigo e as nossas queridas elites se voltem a dividir e a recrutar-nos para as suas guerras privadas, que eu me inclinaria para o Sim. Mas será que o projecto europeu tem de ficar reduzido a isto, um jogo de chantagens, esse mesmo jogo a que eu estaria disposto a ceder, essa mesmo dança que Lisboa dança, ao inventar opting-outs anglo-polacos precisamente nas matérias que são absolutamente decisivas para a Europa, as questões civilizacionais, a defesa do Indivíduo, esse rapto de todo um continente por uns milhares de burocratas?

- Utopia -

"Felizmente, o que sucedeu em Nice não foi exactamente um desaire. A Europa nunca foi mais Europa do que hoje. O que sofreu um sério revés em Nice foi o europeísmo, a paixão, a utopia, o desejo de uma Europa que não seja apenas uma bem sucedida colecção de egoísmos nacionais, uma outra arrumação do eterno «equilíbrio» intereuropeu, em detrimento de um outro modelo de convivência europeia."
Eduardo Lourenço, "Da identidade europeia como labirinto", in A Europa Desencantada - Para uma mitologia europeia

É estranho ler um texto de 2000 e perceber que em oito anos nada mudou. E era suposto ter mudado. Era suposto que tivessemos hoje um pilar político na nossa casa comum. Mas não temos, e digo mais: a elite europeia não quer que esse pilar exista. O pilar de uma democracia é formado pelos cidadãos. E enquanto os cidadãos não tiverem uma palavra a dizer, mais ainda, enquanto os cidadãos da Europa não se puderem expressar e decidir enquanto cidadãos europeus e não apenas como cidadãos dos seus países, o pilar político europeu será uma miragem, uma espécie de distopia com a qual uma elite de burocratas e políticos profissionais podem ameaçar os cidadãos enquanto espalham regulamentos que denunciam uma febre de controlo panóptico demencial sobre a definição dos caracóis, as dimensões das laranjas e a existência de galheteiros.

Na transição do Tratado Constitucional para o Tratado de Lisboa, o que era absolutamente crucial - a Constituição - ficou pelo caminho. Restou um tratado praticamente igual, pouco menos extenso, muito mais pobre, tão ilegível como e absolutamente imoral pela desprotecção dos indivíduos perante governos nacionais mais belicosos no que aos Direitos Humanos concerne, como o britânico e o polaco.

Eu arrisco dizer que o que está mal não é o excesso de avanço da Europa. É que a Europa simplesmente não avança. E, se podemos não ter lido o Tratado, isso não significa que sejamos estúpidos. Os eurocratas não acreditam nisso, mas é verdade - nós não somos estúpidos. E percebemos que se a Europa marca passo politicamente, mas novos poderes são passados para cima, algo está mal. Há algum plausível motivo para aceitarmos dar mais poder a quem não nos presta contas?

O que falta é mais Europa. Depois de três Nãos de seguida, eu creio que a eurocracia devia meter o Tratado na gaveta e fazer aquilo que há muito deveria ter feito. Enquanto a Comunidade era apenas um espaço de mercado livre, o funcionamento meramente burocrático, a dialéctica neofuncionalista, chegavam perfeitamente. Hoje que a Europa é um espaço que se assume como União também política, tem de ser aquilo que os estados que a compõem são: uma democracia. E assim,


- Que o próximo Parlamento Europeu seja eleito com a incumbência de, conjuntamente com os Governos nacionais (essa dupla característica, a comunitário e a dos estados, não pode desaparecer), redigir uma Constituição;
- Que os europeus votem todos no mesmo dia sabendo que votam todos para algo que vai ter repercussões em toda a União;
- Que uma vez havendo texto, cada povo se pronuncie em referendo;
- E que, agora sim, verdadeiramente livres, os europeus sejam também responsáveis: quem recusar uma tal Constituição terá de ser consequente e abandonar a União Europeia.

A crise voltou


Ontem, numa só noite e por culpa dos alemães, um terramoto varreu Portugal. Em 90 minutos,

- O desemprego voltou a subir;
- Os juros também;
- A inflação não quis ficar atrás;
- O crescimento económico voltou a abrandar;
- O petróleo ficou mais caro.

Malvados boches.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Uma questão de liberdade

Ontem, vinte camiões foram sequestrados pelos camionistas em greve. As prisões têm de começar a acontecer. E a morte que ocorreu, recordemo-nos, foi de alguém que se colocou em frente a um camião com o intuito de impedir a sua marcha. Entre tirar a vida a alguém que quer limitar a minha liberdade, e deixar-me espancar por um grupo de camionistas em fúria (e eventualmente morrer), eu escolho salvar a minha vida.

A questão nesta greve é de liberdade. Cada camionista tem o direito de fazer greve. Nenhum tem o direito de obrigar outro a fazê-la.

Em Espanha há dezenas de camiões com pneus furados, trabalhadores a passar fome e impedidos de sair de parques de estacionamento, cargas de camiões destruídas. E a festa vai continuar.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Eu também não sou patriota

Definitivamente a ler, da minha amiga Graça, Abdicatio Hereditatis.

Perdemo-nos nas miragens que estão já ali, ao virar da esquina, mas que nunca se concretizam, antes se arrastam, e olhamos os novos deuses do Olimpo futebolístico com a sanha de modernos cruzados, enquanto os suspeitos do costume nos vergam os costados numa miserável estatística que, como sempre, nos coloca no fundo da Europa e, diz-nos o bom senso, se acentua a cada ano, essa negra estatística do fosso esventrado entre ricos e pobres, esse desaparecer sumário duma classe média que, ainda assim, não acorda.

Ah, mas posso ser sócio da selecção de todos nós, para tanto basta-me reassumir a condição asinina e beatificar-me com o espírito santo, o banco. Que se calem os velhos do Restelo pois outros valores mais altos se levantam [...] … então, definitivamente, abdico desta herança que me angustia, me tolhe e vicia na aquiescência de um papel que renego, e determino com orgulho: não sou patriótica.

Falta de imaginação, estupidez e cinismo qb

Cavaco Silva disse um disparate descomunal, que seria irrelevante se ele fosse um borra botas como eu.

Mas não.

Supostamente, ele deve ser o primeiro garante do regime.

Para o facto de ele mais uma vez ter provado que não tem qualquer sentido de Estado, a Direita só conseguir arranjar como contra-argumento para o PCP e o BE o insulto cansado da esquerda folclórica só demonstra a absoluta falta de imaginação e alguma estupidez, ou em alternativa, cinismo, dessa mesma Direita.

Custaria muito assumir que o tipo não agiu bem? Talvez custasse, se intimamente muitos não tivessem rejubilado com o retorno da expressão.