segunda-feira, 2 de junho de 2008

A Leste da Europa

Un jour viendra où vous France, vous Russie, vous Italie, vous Angleterre, vous Allemagne, vous toutes, nations du continent, sans perdre vos qualités distinctes et votre glorieuse individualité, vous vous fondrez étroitement dans une unité supérieure, et vous constituerez la fraternité européenne, absolument comme la Normandie, la Bretagne, la Bourgogne, la Lorraine, l'Alsace, toutes nos provinces se sont fondues dans la France.

Victor Hugo

Menos de vinte anos foram suficientes para boa parte do Leste europeu se reintegrar no espaço civilizacional do seu continente, abruptamente cindido pela Cortina de Ferro. A democracia parlamentar e a economia de mercado transformaram sociedades anquilosadas mas certamente desejosas de mudança. Mesmo onde os percalços surgem - como na Polónia - o voto popular a seu tempo emenda o erro. Até a Sérvia, uma aldeia gaulesa tanto por vontade própria como por ajuda euro-americana (a dualidade de tratamento nos casos da República Srpska e do Kosovo demonstra apenas que os rebeldes eslavos são mais pacientes e tolerantes que o que parecem - uma tão grande humilhação poderia resultar em coisas bem piores) deu nas últimas eleições um sinal de querer integrar-se no seio da cultura europeia.

Numa míriade de pequenas vitórias há uma enorme derrota, uma derrota de 140 milhões de pessoas e 17 milhões de quilómetros quadrados.razões históricas que estão por detrás da irredutibilidade russa. Discursos que entre nós nem a maioria da Direita (embora boa parte dela, se pudesse, tê-los-ía - e tem-nos, ainda que encapotadamente) católica portuguesa é capaz de proferir são absolutamente legítimos - mais ainda, são quase-oficiais - na Rússia. Um nacionalismo galopante e um retorno do cristianismo em força (o inevitável apelo à identidade nacional, aos valores tradicionais), de mãos dadas, estão a resultar numa avalanche de atropelos de todo o tipo, ataques, assassinatos e manifestações xenófobas, racistas e homofóbicas.

Este ano treze pessoas foram presas numa marcha em defesa das minorias sexuais. Não é, contudo, nada de novo. Há exactamente um ano atrás o mesmo se tinha passado. É difícil não esmorecer perante isto, mesmo lendo, para dar alento, Victor Hugo: será que alguma vez a Rússia poderá vir a ser europeia, não apenas no mapa, mas principalmente na sua cultura, na sua política, na sua sociedade?

7 comentários:

EJSantos disse...

Tenho pena que assim seja. Há uns anos atrás, quando Ieltsin ganhou as eleições, e a Russia passou por uma grave e muito intensa crise económica, critiquei a UE e os EUA por não terem dado a mão à Russia. Tivemos uma oportunidade histórica para os "conquistar para o nosso lado". Não o fizemos. Estupidos.

Miguel Madeira disse...

"Até a Sérvia, (...) deu nas últimas eleições um sinal de querer integrar-se no seio da cultura europeia."

Recordo que na Sérvia o campo "anti-europeu" ganhou as eleições (ainda que por apenas quatro deputados)

Igor Caldeira disse...

Apesar de individualmente os nacionalistas terem vencido, uma coligação (frágil, é certo... http://www.guardian.co.uk/world/2008/feb/04/eu.kosovo) mais europeísta venceu. Os resultados são vistos como uma pequena derrota da Rússia (http://www.rferl.org/featuresarticle/2008/5/146af84c-ac74-468f-9e25-788bc458b0a4.html) e a recepção por parte da União Europeia foi bastante positiva (http://www.iht.com/articles/2007/01/22/news/eu.php).

"Foreign Minister Frank-Walter Steinmeier of Germany, whose country holds the EU's rotating presidency, said he hoped Serbia would retain a pro-European outlook and noted with satisfaction that Western-leaning parties would probably dominate the new Parliament.
"The radicals got most votes but nevertheless two-thirds of the seats in Parliament will go to democratic forces," Steinmeier told reporters."

Miguel Madeira disse...

"Apesar de individualmente os nacionalistas terem vencido, uma coligação mais europeísta venceu."

A mim parece-me que foi quase exactamente o contrário - uma coligação europeista foi o "partido" mais votado individualmente, mas os nacionalistas (Partido Radical, Partido Democrata da Sérvia e o Partido Socialista) tiveram a maioria no parlamento

http://grayfalcon.blogspot.com/2008/05/math-lesson.html

Igor Caldeira disse...

O problema aí, Miguel, é que o autor do post parte do pressuposto (completamente errado) que o Partido Democrático da Sérvia alinha com os nacionalistas. De todo, não.
Sendo menos euroentusiasta que o Partido Democrata de Tadic, o Partido Democrático da Sérvia de Kostunica faz parte da coligação pró-ocidental. Num dos links que coloquei vem isso mesmo dito.

Miguel Madeira disse...

"Sendo menos euroentusiasta que o Partido Democrata de Tadic, o Partido Democrático da Sérvia de Kostunica faz parte da coligação pró-ocidental."

"Faz", não, "fez" - foi exactamente por o Partido Democrático da Sérvia ter rompido a coligação com o Partido Democrata que houve estas eleições.

Igor Caldeira disse...

Tens razão. As coisas neste momento estão na mão dos socialistas, que parece já terem recusado a aliança com o DSS e os nacionalistas e agora vão negociar com o DS.
http://www.blic.co.yu/infocus.php?id=2264

Em todo o caso, é interessante que os Liberais e o DS ganharam 22 lugares (16 DS, 6 Liberais) e o DSS e os nacionalistas perderam 16 (DSS 13, nacionalistas 3).
Isso diz alguma coisa.
http://en.wikipedia.org/wiki/Elections_in_Serbia#Parliamentary_elections