sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Ainda sobre as praxes e o sadomasoquismo - explicação

Perversão sexual ("tara") deve, a meu ver, ser considerado tudo o que implique um desrespeito face ao objecto de desejo. Assim, a zoofilia é uma tara porque não podemos dizer que o animal racionalmente, livremente, aceita o acto. O mesmo em relação à pedofilia, etc.. O sadomasoquismo, na dimensão sádica, também pode revestir esse carácter, mas não é líquido que assim seja. A falta de consentimento pode tanto existir entre dois ou mais indivíduos que pratiquem sm como entre indivíduos que pratiquem sexo hetero ou homossexual. Não há nenhuma correlação entre qualquer uma destas práticas por si mesmas e a falta de consentimento.Esta é uma visão puramente neutra do acto sexual; colocar "perversão" antes da definição deste conceito implica fazer um julgamento moral apriorístico que só baralha o jogo, porque o fundamental é o consentimento e a consciência dos envolvidos. Eu poderia definir a praxe como "perversão mediante a qual estudantes, militares e genericamente membros de comunidades de algum tipo prescindem durante determinado período de tempo da sua maturidade, da sua inteligência e, no caso dos praxados, do amor-próprio, com vista a exercer poder sobre recém-chegados ou ser aceite na comunidade". Será esta uma definição isenta? Para mim não.


Quanto à praxe enquanto tradição, reitero duas coisas: eu não defendo tradições. Tão simples quanto isto: je m'en fou para elas. Para mim, não dizem nada. Como indivíduo, eu só me submeto às leis a que sou obrigado (e não sempre se as achar injustas) e principalmente a critérios racionais. O resto, tolero quando muito.As actuais praxes têm a agravante de serem de facto uma tradição inventada há menos de 20 anos. Falando com qualquer pessoa com mais de 40 anos que se tenha licenciado em Lisboa e veremos que é difícil (não quero arriscar impossível) encontrar uma só que se lembre de haver praxes por cá.


Last but not least, os conceitos de "academia" e "vida académica" andam desvirtuados. No dia em que "academia" for conjunto de pessoas que se dedicam às ciências e às técnicas e vida académica for o quotidiano e as práticas desse conjunto de pessoas, então aí estaremos bem. Enquanto "vida académica" for esta imagem pseudo-cool de uma geração que voluntariamente gosta de se encarneirar com fatos de vampiro todas as quintas-feiras, estamos mal.


Reitero, no entanto, que este veneno que agora lancei são puras considerações morais minhas. O objectivo do meu post foi simplesmente demonstrar que é eticamente possível criar uma situação de liberdade entre quem gosta das praxes, da mesma forma que pode haver liberdade para quem gosta de sadomasoquismo. Naturalmente, mais liberdade implica mais responsabilidade. A liberdade de praxar (ou de ser sádico, sendo que o segundo engloba, em sentido lato, o primeiro) implica aceitar voluntariamente limitações a essa liberdade que garantam as condições de possibilidade da mesma, que só existe se tiver correspondência numa liberdade de ser praxado/ser masoquista, ou seja, numa possibilidade de escolha entre ser ou não ser praxado/masoquista.

2 comentários:

Anónimo disse...

Gostei do que li ... vou continuar a fazê-lo. Bom fim de semana moscatel ...

... graças à cravinho :) ...

Eurydice disse...

Interessante perspectiva, Igor!
Gostei!