Há uns tempos escrevi um post sobre a ideia de direito social e do seu potencial libertador para os indivíduos. A discussão sobre as praxes é para mim o exemplo acabado de como isso é possível.
Antes de avançar, gostava de dizer que pessoalmente não gosto de praxes, acho a ideia deprimente, os trajes académicos são ridículos e toda a ideia de tradições académicas, além de ser falsa (é uma criação de há uns 20 anos atrás, copiada em grande parte - mas não exclusivamente - a partir de Coimbra) fede a reaccionarismo bacoco. No entanto, esse é o meu julgamento moral e não faz para mim sentido impôr os meus particularismos morais ao conjunto da sociedade.
A propósito de uma comparação entre as praxes e Abu Ghraib houve quem estabelecesse o paralelo - acertado, creio - com o sadomasoquismo. Talvez essa ideia deva ser moderada com o reconhecimento de uma realidade que não acontece no segundo caso, que é a de uma desigualdade de condições à partida entre praxantes e praxados. Os praxados estão num sítio novo com pessoas novas - estão isolados. No caso do sadomasoquismo praticado entre adultos as regras são grosso modo conhecidas por ambos. Ainda assim, admitamos a comparação.
Este ano tive acesso a uma declaração da Associação de Estudantes da FEUNL que, creio, é a concretização de uma verdadeira intenção de dar liberdade de escolha aos indivíduos. A praxe não é proibida, mas o desequilíbrio entre as partes é compensado por haver uma instituição que representa as partes (a AE) e que acaba com o tribunal de praxe, ao mesmo tempo que restringe o âmbito das praxes e estipula o estrito direito de cada indivíduo se recusar a participar, total ou parcialmente, sob pena de as praxes serem proibidas na sua totalidade.
O que sucede no sadomasoquismo? Se investigarmos um pouco (é só googlar) descobriremos que os aficionados chegam a estipular códigos de conduta muito sérios a respeito do funcionamento desta prática sexual. Estes códigos normalmente envolvem um desequilíbrio de deveres e direitos favorável à parte mais exposta ao perigo (o masoquista, portanto) que tem sempre a última palavra sobre o que pode ou não ser feito.
Em ambos os casos temos situações em que conseguimos deixar a liberdade para os indivíduos sem proibicionismos moralistas mas sem abandonar também os indivíduos à sua sorte. Quanto a abusos, existem como existirão sempre (não é facto de haver leis que impede a existência de transgressões às mesmas) mas nos casos que os indivíduos não consigam resolver por si há sempre uma outra instância a que recorrer (em última análise, e se a sociedade não conseguir fazê-lo, temos os tribunais).
Tenho também consciência que o caso da AEFEUNL será excepção: provavelmente a maior parte das AE's até é formada por energúmenos que alinham nas praxes mais idiotas; isso não me impede de louvar este caso e de o apresentar como exemplo a seguir.
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