[…] autores como Dworkin, Charles Larmore o Rawls, han puesto especial empeño en intentar descubrir el núcleo moral del liberalismo […]. Y han creído encontrarla en la neutralidad del Estado, es decir, en la convicción de que un Estado liberal debe ser neutral a las distintas concepciones de hombre y de vida buena […]. A este tipo de liberalismo se denomina "liberalismo político". El liberalismo político renuncia abiertamente a considerar doctrinas filosóficas como las de Kant o Mill como adecuadas para componer la base ética de um Estado liberal, porque no son en modo alguno neutrales. La filosofía liberal kantiana considera que la esencia de la persona es la autonomia, y Mill subraya el carácter individual de los hombres […].
[…] entiendo que la forma ética propia del Estado debería ser la de un "liberalismo radical", dispuesto a defender como irrenunciable para una convivência pluralista la autonomia de los ciudadanos. […]
La autonomia – pese a Rawls – no esboza un proyecto de vida buena, sino que asegura únicamente que cada persona debe forjar su identidad […].
Adela Cortina, Ciudadanos del Mundo - Hacia una Teoria de la Ciudadanía,
"La Forma Ética del Estado: el Liberalismo Radical", pp. 203-206
Ler este excerto de Cortina provoca-me duas reacções:
- Por um lado, uma concordância absoluta com a autora no que concerne à concepção de Estado enquanto submetido a uma perspectiva que podemos designar de radicalmente liberal ou de liberalismo radical, que podem não ser encarados como coincidentes embora eu me incline nesse sentido (ou seja, eu ideologicamente revejo-me no radicalismo, que para mim é a forma radical – ou seja, a que mais respeita as raízes – do liberalismo);
- Por outro lado, causa-me alguma estranheza que uma defensora da procedimentalista ética do discurso, de mais a mais baseando-se na perspectiva puramente neokantiana de Karl-Otto Apel, e não na de Habermas, afirme que Rawls defende um Estado indiferente aos diversos tipos de vida boa.
De facto, poderá ser que Rawls afirme isso, como é bem verdade que o autor afirme que perante os intolerantes devemos ser tolerantes – no entanto, ele limita essa tolerância à condição de os intolerantes não concretizarem actos intolerantes. Será por ventura um terreno escorregadio este, mas é aquele em que pessoas tolerantes se devem colocar.
Como Cortina bem saberá, o procedimentalismo gera uma concepção que, não sendo de vida boa (não sendo compreensiva), obriga no entanto a que haja mínimos éticos que configuram aquilo que Rawls designará overlapping consensus. Em termos práticos isto significará que o liberalismo político, mesmo na formulação rawlsiana (direi mesmo – nela, mais ainda que em outras, devido à sua raiz kantiana), não será compatível com a indiferença face a qualquer prática cultural. Não significa isto que será inimigo de determinadas culturas, mas significará sem dúvida que muitos elementos das várias culturas (enquanto concepções de vida boa, sejam religiões, ideologias políticas, etc.) não serão toleráveis no seio de um Estado liberal, correspondam elas a grupos maioritários ou minoritários.
Numa perspectiva rawlsiana, nenhuma prática poderá ser aceite se não for coincidente com o que qualquer indivíduo dotado de razão (no sentido de "entendimento") escolheria numa posição original sob um véu de ignorância, ou seja, se esse indivíduo tivesse um absoluto desconhecimento de quais seriam - nomeadamente e para o que aqui interessa - as suas opções em termos religiosos, políticos, éticos, enfim, culturais. O que é claro aqui é que, se à partida podemos pensar que esta neutralidade é um mero relativismo, rapidamente concluímos que, tal como Apel nos diz - e nisto faz ele assentar parte da sua oposição a Habermas - um procedimento traz já uma carga moral que determinará boa parte do resultado final. A neutralidade é pois apenas uma imparcialidade no julgamento das diversas práticas culturais - não, repito, de culturas no seu conjunto, pois isso é o que fazem precisamente os comunitarismos, pelo menos os de direita; mas de práticas no seio de cada cultura. Elas ou obedecem, ou não obedecem, a critérios universais de racionalidade. Se não obedecerem são inaceitáveis e devem ser postas de parte. Se obedecerem, ou seja, se não forem obstáculos a outras práticas culturais ou, muito em especial, ao direito de os indivíduos não serem forçados a aceitar e adoptar tais práticas, então serão enquadráveis no seio do Estado liberal.
Estado liberal esse (e esta será a pedra de toque do tal liberalismo radical de que nos fala Adela Cortina) que não reconhece as diferentes culturas em si, não lhes reconhece dignidade em si, mas apenas aos indivíduos, à liberdade de construírem a sua identidade e de não serem forçados nem forçarem ninguém a prática alguma. A questão no Estado moderno é sempre esta, desde a sua génese - o Estado existe em função do Indivíduo, e só na medida em que o Estado sirva para garantir a liberdade do Indivíduo é ele aceitável. E, se isto é verdade para o Estado, sê-lo-á por maioria de razão para qualquer outra instituição humana, seja ela imediatamente construída por cada indivíduo, venha ela dada por um qualquer processo histórico. É isto que os comunitaristas (socialistas ou conservadores) não aceitam - esta centralidade do indivíduo, substituindo-a pelo Estado, a sociedade, as religiões - e que o liberalismo - o político e ainda mais o ético - defenderá como inegociável.
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