Se queremos realmente corroer as ditaduras asiáticas e islâmicas, então, convém fazer duas coisas: deixar a arrogância moral de Kant no baú e colocar a subversão sexual de Sade no centro da ofensiva. Eles, chineses e muçulmanos, chegam sozinhos a Kant depois de provarem o sabor de Sade.
Henrique Raposo, Expresso
A ideia não é nova, mas surge em moldes novos. Aliás, não poucos neokantianos (e não só - entre nós Silvestre Pinheiro Ferreira, um benthamiano, e o luso-americano la Figanière foram os primeiros a defendê-lo ainda no século XIX) atribuem ao comércio internacional um papel preponderante na construção da Paz Perpétua. O que é que o livre-cambismo tem que ver com a pornografia? Tudo! Dinheiro e sexo sempre andaram de par. Pelo menos, desde o dinheiro foi inventado. Dinheiro e sexo, esse binómio odiado pelos moralistas que servem de base a qualquer estrutura de poder retrógado - no seio da qual dinheiro e sexo normalmente correm livremente, apesar da retórica propalada para o resto da sociedade - são os motores da construção do indivíduo na sua passagem do estado infantil de submissão a um Todo superior a um estado moralmente adolescente de onanismo. Ou seja, de egoísmo. O adolescente é o indivíduo que nasce e se afirma, e ele só o pode fazer disruptivamente, por negação, por egoísmo. E, depois de satisfeito o corpo, estamos prontos para satisfazer a alma. Essa é a fase adulta
O Todo supera-se pela subjectividade do Eu; e o Eu supera-se pela dessubjectivação do Eu, ou seja, pelo Cada Um.
Naturalmente, convém chegar à fase adulta; à sublimação, à maturação e à superação do egoísmo, forma defeituosa de individualismo, ou seja, à comprensão do Outro como um Eu. Mas se quisermos passar directamente da infância para a idade adulta, o mais provável é que permaneçamos ou eternas crianças (esses são os povos subjugados pelas ditaduras que Henrique Raposo refere) ou eternos adolescentes (estas são as oligarquias paternalizadoras de sempre, as das ditaduras e não só; não é por acaso que os políticos mais moralistas são tendencialmente os mais depravados).
Não sei se Kant era arrogante, mas sei que Kant não olhava para os homens como adolescentes. E, por isso, não tinha pelo menos a arrogância de achar que deveriam apenas cuidar das suas necessidades físicas, impondo-lhes uma ontologia pessimista (ou realista, ou objectiva, como alguns arrogantemente afirmam) ao jeito de outras correntes filosóficas. Isto permite-nos não confundir a árvore com a floresta - a existência de um mercantilismo chinês não significa que a China deva ser tratada como se fosse uma democracia liberal. Não perder isso de vista é crucial. E permite, entretanto, mantendo a ideia reguladora em mente, trabalhar na aproximação a esse ideal das sociedades fundadas em indivíduos autónomos começando pela construção do indivíduo, capaz de se reconhecer e aos seus interesses. A seu tempo, o indivíduo descobrirá os outros indivíduos, igualmente dotados de interesses e por isso igualmente dignos de usufruir do dinheiro, do sexo, da música, da literatura, da televisão, da internet, etc..
Postas estas salvaguardas, concordo com o repto; sempre me pareceu disparatado o embargo a Cuba. Se queremos que o regime caia, então inundemo-los de turistas e de produtos, importemos tudo o que pudermos. Os cubanos por si próprios, depois de terem convivido com ocidentais e de terem feito dinheiro contrabandeando tudo o que puderem, farão a escolha. E o mesmo vale para qualquer outra ditadura. A liberdade nasce da corrupção dos mecanismos opressivos.
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