domingo, 24 de fevereiro de 2008

Cambalache

Que el mundo fue y será una porquería
ya lo sé...
(¡En el quinientos seis
y en el dos mil también!).


boomp3.com

O caso Somague trouxe novamente, e felizmente, a questão do financiamento dos partidos. A dúvida põe-se: poderão os partidos ser financiados por empresas? Por um lado coloca-se a possibilidade de os partidos serem permeáveis a solicitações das empresas, o que, retirando-lhe o cuidado eufemístico, significa que os partidos ficariam obrigados, após as eleições, a defenderem os interesses das empresas que financiaram as suas campanhas. Por outro lado temos um direito de as empresas premiarem os partidos que lhes pareçam mais meritórios e a liberdade de os partidos receberem fundos e de competirem por eles.

A minha posição é a de que os partidos não têm o direito de vender políticas estatais em troco de financiamento político. Desde logo, fica ao Estado (ou seja, a todos nós) muito mais caro ser mal governado que pagar o que paga aos partidos tendo em conta os seus resultados eleitorais. Apesar de este ser já um bom argumento, está longe de ser o melhor. E passo a explicar porquê.

Rejeitando eu o comunitarismo, corrente re-emergente de finais do século XX, reconheço no entanto algumas flechas bem apontadas, como o que o Spheres of Justice de Michael Walzer faz. Refere-nos ele que cada esfera da comunidade (a política, a economia, etc.) tem os seus próprios valores, tem os seus fins a cumprir e que não podemos transpôr para uma esfera os fins de outra.

Daqui emerge esta conclusão: os partidos não são empresas e não devem comportar-se como tal. Pretender isto faz-me lembrar as reivindicações de alguns sindicalistas acerca da gestão democrática das empresas privadas. Newsflash: as empresas privadas não são democráticas e não é suposto serem democráticas.

Os fins dos partidos são outros, nomeadamente, combater pelo poder a partir das ideias. Bernard-Henri Lévy, num livro de que há uns meses falei fala-nos da crise de ideias nos Democratas em 2004 precisamente por encetarem uma corrida pelo dinheiro, em vez de esgrimirem argumentos (já agora, e felizmente, BHL parece ter-se enganado a respeito dos destinos do Partido Democrata, que conseguiu superar a carência de ideias e está agora bem posicionado para destronar os republicanos).

Diagnóstico semelhante fá-lo Al Gore no recentemente publicado Ataque à Razão, em que nos relata a íntima relação que existe entre o descalabro que representou a presidência GW Bush e o sistema de financiamento dos partidos. Ao invés de os partidos procurarem elaborar uma política consistente em prol de um país, submetem tudo o que for necessário às exigências de quem paga as campanhas políticas.

E assim, como Enrique Santos Discépolo escreveu no seu tango Cambalache, que houve, há e haverá sempre porquerías, ya lo sé. Não temos é de concordar com elas. O financiamento por empresas (ou por associações, ou por sindicatos, ou por igrejas) não me parece aceitável porque o campo da política, em particular da partidária, é o campo do indivíduo. De modo que se o empresário X ou o gestor Y e já agora o sindicalista A ou o padre B quiserem financiar o partido Z, pois que o façam. Mas a título individual.

[O que seria talvez muito benéfico seria cada partido ou (nas autárquicas) movimento cívico ou (nas presidenciais) candidato apresentar a lista actualizada durante a campanha e final, após as eleições de todos os contribuintes acima de um determinado valor.]

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