quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Produtos velhos em embrulhos vistosos

Esta pérola, como o próprio autor admitirá mais tarde, só poderia vir de alguém que teve como mentor o inefável António Costa Amaral, uma espécie de prestidigitador da teoria política. Digo prestidigitador (tolice! um verdadeiro Houdini!) porque em uma frase arruma com toda uma corrente política, toda uma grande família política e que será, porventura, a mais influente tanto deste como do outro lado do Atlântico (o conservadorismo, centro-direita) - ou pelo menos será mais relevante que o liberalismo (centro) e a social-democracia (centro-esquerda) separadamente, atendendo à distribuição de poder verificável tanto nos executivos como nas câmaras legislativas. O conservadorismo não existe, ou se existe é um socialismo. Ou um liberalismo. Não ficamos a saber, mas fico cá com umas comichões para percebê-lo, e creio que a próxima frase explicar-mo-á.

Ah, bom, então quer dizer que para ser liberal basta acreditar na economia de mercado. Certo? E as liberdades individuais, a liberdade de fazer tudo aquilo que não limite a liberdade alheia? Não existe? Nem uma palavrinha em relação às liberdades individuais que não se incluam no âmbito económico?

Há de facto uma palavrinha - são as liberdades afins. Sabemos que começam no pensamento, continuam pela expressão e depois terminam sendo afins. Não deixa de ser curioso como uma palavrinha apenas consegue expressar todo o desprezo prático a que tudo o que não remeta para uma concepção económica de liberalismo fica votado. É que se o liberalismo económico é uma condição sine qua non para o liberalismo, se formos honestos e tivermos dois dedos de testa concluiremos que o liberalismo social (e aqui refiro-me não à família política mas ao liberalismo de costumes), o liberalismo religioso (Estado laico, imparcial) e o liberalismo político (democracia, divisão de poderes, Estado de Direito - e atenção ao Estado de Direito, que alguns liberais querem pôr em causa em nome do respeito pelas religiões e da liberdade de escolha dos regimes jurídicos aplicáveis) são tão decisivos como o primeiro.

Que se trate como afins boa parte da herança do liberalismo - que de resto acabou por mais marcar e civilizar os outros dois blocos ideológicos (gerando o socialismo moderado, ou social-democracia, à esquerda e do outro lado a direita democrática) em particular no que se refere ao liberalismo político - é suficientemente esclarecedor a respeito da grandeza intelectual e da oportunidade política de uma tal criação.

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