Pude ver, na noite de quinta para sexta-feira, o debate entre Obama e Hillary. Partia com um apoio sincero mas periclitante a Hillary e terminei de ver o debate plenamente convencido. Hillary é aquilo de que os Estados Unidos precisam para se recompor. Obama não seria um mau presidente - de forma alguma seria uma catástrofe como qualquer republicano o seria - mas para quê ter-se um mal menor quando se pode ter um bem?
É um facto que Hillary tem tropeções no caminho, como o apoio à guerra do Iraque. No entanto, se fosse presidente ela nunca teria feito aquela guerra. E é um facto que nenhum político pode pretender (sem cair na demagogia) nunca ter errado.
E é no plano da demagogia que eu vi a face menos positiva de Obama. A sua afirmação de que tinha sido o primeiro a defender uma política global de integração dos imigrantes ilegais foi taxativamente desmentida por Hillary (e o oponente não contra-atacou, o que quer dizer alguma coisa). Já em 2004 Hillary tinha apresentado um projecto neste sentido.
Ainda no campo da demagogia, defender, como Obama defendeu, que os ilegais deveriam poder tirar a carta de condução é um contra-senso e, falando claro, uma idiotice.
Espanta-me que a Esquerda apoie tão vivamente Obama e arraste Hillary pela lama. A alegação de que ele é uma lufada de ar fresco é má. E a de que Hillary seja uma aristocrata é pior. Se ser abastado ou ser de uma família importante fosse critério para afastar alguém, então porquê o regozijo com o apoio de Edward Kennedy a Obama? Será que os Clinton são mais aristocratas que os Kennedy?
E simultaneamente porquê o silêncio face ao apoio de três jovens Kennedys à outra candidata?
E não será uma mulher-presidente também ela uma lufada de ar fresco?
Mas o que espanta mais no apoio da Esquerda a Obama é que na difícil luta por um serviço de saúde decente, a senadora Clinton está à esquerda do oponente. O debate foi claro a esse respeito e conquanto a proposta desta se coloque significativamente à Direita do nosso SNS, é no entanto a mais esquerdista das alternativas no espectro político americano. A meu ver, um sistema de saúde que articule universalidade, responsabilização do utilizador, solidariedade e sustentabilidade seria a melhor opção. Entre o sistema americano e o português, o nosso é indubitavelmente melhor (mais barato e mais eficaz, e por conseguinte mais eficiente). No entanto, como o provam as manifestações recentes, ele esconde os custos existentes, sendo a opacidade financeira fonte de exigências descabidas que dão azo a populismos variados. Portanto, um sistema que unisse a cobertura universal a uma maior individualização seria um sistema melhor. Este ponto intermédio que entre nós seria atingível criando individualização, Hillary pretende fazer no sistema americano gerando universalidade.
Eu que estou habituado a ser olhado como um salazaróide por todos aqueles que não são libertários de Direita (dado que mesmo a nossa Direita “normal” é economicamente estatista, quando não nas palavras, certamente nos actos) em qualquer discussão que envolva a Segurança Social ou o Sistema Nacional de Saúde, não posso senão olhar com curiosidade esta Esquerda que rejeita esta mulher apenas porque ela é esposa de um ex-presidente.
Esta curiosa posição só é atribuível, creio, ao pós-materialismo da Esquerda(*). Há uma disposição vazia, estética, superficial no apoio a Obama. O senhor pode ser mestiço (porque é que um filho de uma branca e de um negro há-de ser rotulado de negro, reproduzindo-se os preconceitos racistas a este respeito, como se um meio-negro fosse sempre negro e os meio-brancos não existissem, como se as gradações que a miscigenação produz não tivessem lugar?) e pode chamar-se Barack Hussein Obama.
É um facto que Hillary tem tropeções no caminho, como o apoio à guerra do Iraque. No entanto, se fosse presidente ela nunca teria feito aquela guerra. E é um facto que nenhum político pode pretender (sem cair na demagogia) nunca ter errado.
E é no plano da demagogia que eu vi a face menos positiva de Obama. A sua afirmação de que tinha sido o primeiro a defender uma política global de integração dos imigrantes ilegais foi taxativamente desmentida por Hillary (e o oponente não contra-atacou, o que quer dizer alguma coisa). Já em 2004 Hillary tinha apresentado um projecto neste sentido.
Ainda no campo da demagogia, defender, como Obama defendeu, que os ilegais deveriam poder tirar a carta de condução é um contra-senso e, falando claro, uma idiotice.
Espanta-me que a Esquerda apoie tão vivamente Obama e arraste Hillary pela lama. A alegação de que ele é uma lufada de ar fresco é má. E a de que Hillary seja uma aristocrata é pior. Se ser abastado ou ser de uma família importante fosse critério para afastar alguém, então porquê o regozijo com o apoio de Edward Kennedy a Obama? Será que os Clinton são mais aristocratas que os Kennedy?
E simultaneamente porquê o silêncio face ao apoio de três jovens Kennedys à outra candidata?
E não será uma mulher-presidente também ela uma lufada de ar fresco?
Mas o que espanta mais no apoio da Esquerda a Obama é que na difícil luta por um serviço de saúde decente, a senadora Clinton está à esquerda do oponente. O debate foi claro a esse respeito e conquanto a proposta desta se coloque significativamente à Direita do nosso SNS, é no entanto a mais esquerdista das alternativas no espectro político americano. A meu ver, um sistema de saúde que articule universalidade, responsabilização do utilizador, solidariedade e sustentabilidade seria a melhor opção. Entre o sistema americano e o português, o nosso é indubitavelmente melhor (mais barato e mais eficaz, e por conseguinte mais eficiente). No entanto, como o provam as manifestações recentes, ele esconde os custos existentes, sendo a opacidade financeira fonte de exigências descabidas que dão azo a populismos variados. Portanto, um sistema que unisse a cobertura universal a uma maior individualização seria um sistema melhor. Este ponto intermédio que entre nós seria atingível criando individualização, Hillary pretende fazer no sistema americano gerando universalidade.
Eu que estou habituado a ser olhado como um salazaróide por todos aqueles que não são libertários de Direita (dado que mesmo a nossa Direita “normal” é economicamente estatista, quando não nas palavras, certamente nos actos) em qualquer discussão que envolva a Segurança Social ou o Sistema Nacional de Saúde, não posso senão olhar com curiosidade esta Esquerda que rejeita esta mulher apenas porque ela é esposa de um ex-presidente.
Esta curiosa posição só é atribuível, creio, ao pós-materialismo da Esquerda(*). Há uma disposição vazia, estética, superficial no apoio a Obama. O senhor pode ser mestiço (porque é que um filho de uma branca e de um negro há-de ser rotulado de negro, reproduzindo-se os preconceitos racistas a este respeito, como se um meio-negro fosse sempre negro e os meio-brancos não existissem, como se as gradações que a miscigenação produz não tivessem lugar?) e pode chamar-se Barack Hussein Obama.
Eu pergunto-me se um critério puramente estético (côr da pele e nome) é suficiente para sustentar uma posição política. Creio que não. Mas também ninguém disse que o grosso da Esquerda era campeã no que à profundidade da reflexão política concerne.
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(*) Eu acrescentaria também ao seu pós-feminismo, dada a irrelevância que a ponderação do elemento “género” lhe merece, ao contrário do elemento “raça”. Afastando-me agora das eleições e tecendo uma consideração mais genérica, de facto a maioria da nossa Esquerda contemporânea trata o feminismo (e o laicismo) a pontapé (excepto quando o inimigo é a Igreja Católica), não se importando de aplaudir a misoginia islâmica quando lhe percebe uma comunhão de sentimentos anti-americanos.
8 comentários:
Boa Igor, tocaste aí num ponto crítico:
Um filho de uma mulher branca como a cal, criado e educado em envolventes brancas, que tem a mesma côr que eu, o Cavaco Silva, a Jamila Madeira ou qualquer outro algarvio durante o verão, ser chamado "Negro" é algo que para mim é extremamente perturbador e reflecte a filosofia racista da "água suja" em que "uma gota de sangue negro faz um negro".
No entanto, a razão porque acho que a Esquerda prefere Obama a Clinton (a razão porque eu prefiro) é, trocando as coisas por miúdos, por ter estado contra a guerra no Iraque desde o princípio. Pensar na beliciosa Albright dos Clinton na pasta da Defesa também não tranquiiliza ninguém (lembremo-nos que por várias vezes bombardeou o Iraque). A propósito, não é a campanha de clinton que mais dinheiro recebeu da indústria de armamento?
Será de facto esse o motivo? Não será um motivo um tanto ou quanto fracote? Ao fim e ao cabo, toda a gente sabe hoje que a guerra resultou de uma sucessão de invenções. Nenhum governo democrata a teria feito.
Se esse fosse o motivo, tenho dificuldades em perceber o porquê dos discursos elogiosos da negritude de Obama ou do arabismo do seu nome. Como tenho dificuladdes em perceber os insultos à "linhagem" clintoniana (por serem Clintons e não pelas suas ideias; embora tenha dificuldade em conceber que um homem e uma mulher façam uma linhagem, mas isto sou eu que sou um bocadinho estúpido). Mas, como já disse, também tenho dificuldades em articular a rejeição da oligarquia com o aplauso ao apoio de dois Kennedys a Obama.
De modo que, se quiserem que realmente acreditemos que o motivo é essencialmente esse, então esse motivo teria de ter surgido ao longo dos múltiplos textos que li a respeito das eleições americanas. No entanto, em momento nenhum vi dar-se especial ênfase à questão da guerra. Foi mencionada, é facto. Mas isso nada tem que ver com "change".
E, se o que a Esquerda quer é que os EUA não façam guerras, simples: apoiem o libertário Ron Paul. Foi o único que disse que os EUA deixariam de intervir no exterior, fecharia as bases militares por todo o mundo e reduziria drasticamente o orçamento militar. O único.
Dito isto, é-me difícil interpretar o que vai na cabeça da "esquerda". Quando falaste em Hillary vs Obama, reduzi a minha análise aos "presidenciáveis" e quando falaste em esquerda pensei em Michael Moore
Eu, a apoiar alguém, apoiaria Ron Paul/Kucinich. A "minha" esquerda, vejo-a a apoiar mais ou menos timidamente Gravel e Laech.
Entre Ron Paul e Kucinich vai alguma distância. De facyo, dos poucos contactos que Paul tem com a Esquerda é o anti-militarismo.
Talvez, parcialmente, o relativismo seja também um ponto de contacto. Desconheço se a Esquerda portuguesa acha razoável que nas aulas de Ciência se ensine o criacionismo, mas a partir do momento em que achamos que a opressão das mulheres pode ser culturalmente justificado, creio que vale tudo.
"Entre Ron Paul e Kucinich vai alguma distância" - Depende da perspectiva. Eis a minha:
http://bp0.blogger.com/_2m413SdHjR4/R6nfMTW8LLI/AAAAAAAAAKU/nGhwskHUsrs/s1600-h/usprimaries_2008.jpg
"De facyo, dos poucos contactos que Paul tem com a Esquerda é o anti-militarismo."
Depende da "Esquerda". Para a esquerda anti-autoritária, anti-estatal, de Chomsky, por exemplo, que é a minha ... os pontos de contacto são óbvios, apesar do linguísta do MIT já ter demarcado o seu libertarianismo do de Ron Paul:
http://dandelionsalad.wordpress.com/2007/12/23/noam-chomsky-on-ron-paul/
"Eu, a apoiar alguém, apoiaria Ron Paul/Kucinich" - referia-me a candidato republicano/democrata e não a presidente/vice-presidente.
À luz do Political Compass, Hillary e Ron Paul estão relativamente perto. Muito mais afastado está Obama, muito para dentro do campo autoritário. Mais uma vez, creio que há aí incoerências.
Pegando em Paul, Clinton e Obama, Paul é o mais à Direita, Obama o mais autoritário. Hillary, que é a candidata que melhor articula as duas vertentes, é a única eliminada.
Convenço-me cada vez mais que se trata de puro preconceito.
Talvez o essencial aqui é que a esquerda ainda se lembrará de marchar contra o bombardeamento da Sérvia, do Iraque, e intervencionismo americano em geral durante os anos Clinton.
Há aqui, na política externa, como bem apontaste, uma diferença radical que coloca Ron Paul a léguas do par Obama-Clinton e mais perto de Gravel e Kucinich.
Voltando à ideia de preconceito, em análise final, penso que tenhas razão: a esquerda tem na ideia de que foi um clinton que, com a sua terceira via, destruiu a social-democracia. Mesmo que Obama seja igual ou pior, pelo menos não é "o mesmo". Um gajo novo e escuro carrega a estética de mudança que a hilary não tem (sim, é mulher, mas também é uma clinton, também é uma wasp).
Sabias que as agências de publicidade adoram stock photos de mulatas mas raramente usam fotos de negros azuis?
She should be dark enough to score that hip diversity dollar, but not so dark as to scare away that heartland racist dollar.
A questão do intervencionismo é algo transversal à esquerda/direita, mas reconheço que a esse nível, à partida, os republicanos podem ter uma inclinação menos intervencionista. Não porque, de facto, intervenham menos, mas porque o fazem de uma forma diferente (Kennedy permitiu a escalada do Vietname e é um dos principais culpados; Nixon foi decisivo para acabar com o Vietname; Nixon não invadiu o Chile).
O que é um facto é que os EUA são a potência dominante. E qualquer gajo que venha dizer que eles se vão meter na sua conchinha (como se toda a História americana não fosse uma História de intervencionismo e expansionismo) é mentiroso. Eu não me importo que as pessoas sejam enganadas. Só quero que estejam conscientes e façam a escolha de serem enganadas de forma clara, para que depois não se queixem mais tarde.
A retórica da "change" não é mais que isso: um enorme logro. Se Obama ganhar, vai fazer grosso modo o mesmo que todos os outros nas políticas que interessam. E aí toda a gente vai perguntar que é feito da mudança.
Quanto ao preconceito, desconhecia os dados da página que mostraste, mas achei importante. A ideia da diversidade em contexto empresarial irrita-me um pouco porque das duas uma: ou é real e anda-se a subalternizar o mérito; ou é falsa (com tudo o que isso tem de negativo).
Ainda quanto à Hillary, não percebo como duas pessoas fazem um clã. Tenho dificuldades em percebê-lo, mas enfim.
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