quinta-feira, 20 de março de 2008

Cinco anos depois

Com mau perder, absoluta incapacidade de reconhecer o seu erro, Pacheco Pereira afirmou ontem que não está provado que tivesse havido mentira deliberada, por parte da Administração Bush, no que concerne à existência de ADM's no Iraque de Saddam Hussein. Eu dou de barato que Barroso pudesse estar enganado. Acredito razoavelmente que Aznar também o tivesse sido. Tenho muitas dificuldades em acreditar que Blair de nada soubesse. Mas Bush? Bush (e entourage) foi o próprio foco da mentira; ao contrário do que Pacheco Pereira afirma, o que hoje se sabe é que qualquer funcionário que sequer colocasse a hipótese de no Iraque não haver as ditas armas tinha duas alternativas: ou se calava ou era posto de parte. A mesma coisa, de resto, que é feito hoje ainda com as questões ambientais.

O que daqui resulta é que qualquer estudo que se baseie em relatórios oficiais americanos é um estudo ferido de morte no que à credibilidade concerne. De facto a Administração só recebia informações que apontavam para a existência de ADM's. Mas isso era porque nenhum dos seus membros permitia que outra coisa lhe chegasse às mãos.

Parece-me perfeitamente aceitável que quem na altura se tenha declarado a favor da guerra acreditando nas informações falsas que eram transmitidas se sinta traído. Não me parece razoável continuar a fechar os olhos em face da realidade, brincando aos Bernardinos Soares desta vida.
Havia coisas previsíveis no desfecho desta guerra (ou melhor, no seu não-desfecho): quem pensasse um pouco na diferença abissal entre as previsões francesas da reacção dos povos ibéricos, e depois a reacção destes na sequência das invasões napoleónicas, concluirá que era impossível os iraquianos olharem para a invasão americana como uma libertação. Essa espécie de dogmatismo da liberdade (perdoem-me o oxímoro) estava historicamente falido há dois séculos, mas os americanos insistiram nele. Acharam realmente que um povo, por não gostar do seu ditador, iria preferir ser governado por estrangeiros.
E depois, claro, há a inevitável doutrina Powell. O absoluto desrespeito por uma doutrina prudente e parcimoniosa (como qualquer ideia boa ideia deve ser em matérias desta delicadeza) - empreendendo uma guerra que tinha a activa oposição (não apenas a discordância) do mundo inteiro e de uma grande percentagem de americanos e depois para cúmulo fazendo-o com o espírito leve e optimista com que o foi - podia apenas resultar nisto. Também aqui se tratou de um esquecimento de lições históricas (desta feita, o Vietname).

Em todo o caso há uma coisa em que concordo hoje com os republicanos: os Estados Unidos têm de ficar mais tempo no Iraque. Quanto, não sabemos, isso é problema deles. Eu compreendo que para os americanos que perdem os seus jovens na guerra tudo isto seja doloroso. Mas quando apoiaram a invasão e acusaram o mundo inteiro de estar contra eles, com ares de superioridade se afirmaram como exclusivos defensores da liberdade e acusaram os seus concidadãos anti-guerra de serem traidores do seu país, bom, nessa altura é que deviam ter pensado nisto. As guerras não são feitas por Rambos. São feitas por gente real, com carne a sério, sangue verdadeiro, bombas de metal, fogo que queima, balas que trespassam, explosões que matam. A questão é que não são só os "políticos" que são responsáveis: todos nós tomamos decisões políticas; quando votamos, sim, mas igualmente quando exprimimos uma opinião, tomamos uma atitude. Todos devemos ser responsáveis pelos nossos actos.

É curioso que afinal tantos americanos que atacaram com argumentos ad hominem os seus adversários sejam os verdadeiros cobardes. Enquanto a luta lhes pareceu fácil, eram a valentia em pessoa; quando a coisa deu para o torto, começam a querer os seus filhos back home. Os Estados Unidos cometeram o maior erro de sempre na sua política externa ao invadire o Iraque. Mas agora e se quiserem manter um mínimo de dignidade e de aparência de controlo sobre o mundo, terão de lá permanecer até que o Iraque não esteja em risco de se despedaçar numa guerra civil ou de tombar num regime teocrático. Ou seja, indefinidamente.
Parece, ao fim de contas, que não era a guerra que era infinita; a ocupação é que o vai ser.

1 comentário:

GMaciel disse...

Igor, também vi a Quadratura do Círculo e assisti à confrangedora "ingenuidade" do Pacheco Pereira. A única reacção que tive, aliás, comum a todas as oportunidades em que o escuto, foi uma espécie de gorgolejar no baixo ventre. Lamento a expressão pelos comentadores mais sensíveis, mas esta é daquele tipo de reacções que não se controlam, simplesmente existem e se manifestam.

Do alto da sua infinita sapiência, Pacheco Pereira continua a defender o que já nem Bush acredita, basta observar a falta de convicção que ele, Bush, patenteia quando insiste nas suas mentiras. Ou seja, quando já nem o arbusto acredita nas suas petas, Pacheco segue içando a bandeira bushiana, qual paladino do mais primário e vesgo pró-americanismo.

Quanto ao Iraque, é uma botarra a qual se prevê terem de descalçar sozinhos.

jocas grandes