Numa blogosfera em que dominam sobretudo os blogues ou mais à Direita ou mais à Esquerda (e em particular os primeiros), ter espaços como o
Esquerda Republica ou o
Margem Esquerda é sem dúvida positivo. Poderia referir outros blogues próximos desta área, mas fico-me pelo essencial para este post que vem
na sequência deste outro e ainda de uma série de posts que foram escritos no Esquerda Republicana, a saber,
Socialismo e Liberalismo partes
I,
II e
III.
No Margem Esquerda encontramos a frase Talvez porque foram os liberais os primeiros a assentarem na margem esquerda da política.
No texto de João Cardoso Rosas, Há uma esquerda estatista e uma esquerda liberal. Também há uma direita liberal [...] e uma direita estatista.
No Esquerda Republicana lemos Deveria ser possível a pena de morte? É correcto impedir o consumo de drogas pesadas? E leves? A prostituição deve ser proibida? É legítimo controlar a entrada de emigrantes? A eutanásia deve ser proibida?Se respondeu "sim" a estas perguntas todas, não invente desculpas: o leitor não é um liberal. Se tem pena, porque gosta da palavra "liberal, pois fá-lo sentir-se um pouco rebelde, mas não gosta nada da bandalheira em que a "ditadura da liberdade" resulta, auto-intitule-se "liberal à la Pedro Arroja" para causar menos confusão.
Desde logo eu ponho uma objecção que creio não ser irrelevante à divisão que João Vasco faz, recorrendo à já normal divisão (mais sofisticada que a separação Esquerda/Direita) entre uma avaliação de posições económicas e sociais. Ele coloca todo o extremo libertário desde o ponto mais à esquerda até ao ponto mais à direita no campo liberal. A minha questão é que isto desvirtua o conceito. Se o liberalismo é isso tudo, então o que é?
Creio que pelo menos o anarquismo de Esquerda tem de ser subtraído desse campo. Resta como tratar os libertários de Direita, o que teoricamente pode ser uma questão encantadora mas em termos práticos é nula: está por nascer o homem ou mulher que conseguir honestamente colocar-se no extremo inferior de direita. No entanto e admitindo essa possibilidade, admitamos que serão os libertarians a ficar nesse canto, e por extensão todos aqueles que se reclamarem apoiantes e seguidores do pensamento de Friedman na sua integralidade (e não mantendo o libertarismo económico expurgando o libertarismo nos costumes).
Temos, portanto, os anarquistas e os libertarians nos extremos. Não é difícil perceber onde quero chegar. O liberalismo, que na esfera dos costumes se pode desenvolver ao longo de toda a parte inferior do eixo vertical, tenderá a colocar-se nas zonas centrais do eixo horizontal, seja mais à esquerda seja mais à direita.
O resultado parece ser congruente com o que eu já tinha afirmado. Usando-me a mim próprio como cobaia, o resultado foi
Ao contrário do que tanto comunistas e afins, e conservadores e afins costumam afirmar, o liberalismo não é uma doutrina de Direita, mas sim de Centro. E de Centro não indiferentista, não baseado na gestão de interesses - isso é aquilo em que a social-democracia (ou socialismo liberal) e o conservadorismo moderado (ou conservadorismo liberal) caíram por cedência à realidade, ou seja, por terem de aceitar pelo menos parcialmente o liberalismo económico. A questão é que esta cedência implica uma corruptela da ideia que abre caminho a situações ideologicamente insustentáveis. Recentemente dei um exemplo (em Portugal) da incoerência social-democrata e dois exemplos (um americano e outro francês) da incoerência conservadora.
Muitas das considerações menos lisonjeiras que são utilizadas contra o liberalismo resultam desta confusão e desta mistura que esvazia o conceito de mercado da sua dimensão ética (o que implica direitos mas também - facto tão frequentemente esquecido ou vituperado à Direita - deveres) e o transforma numa luta despida de outros princípios que não o interesse pessoal imediato (o que implica que se eu puder roubar sem ser apanhado para obter mais ganhos, o devo fazer).
Muito mais importante é no entanto outra coisa. A própria conceptualização do gráfico da bússola política não permite captar toda a dimensão do problema. Nomeadamente, a abordagem feita ao eixo económico leva-nos a concluir - de forma errónea pelo que acabei de dizer a respeito do conservadorismo - que quanto mais para a Direita caminharmos, menos economicamente estatista seremos.
Ora, aceitar isto implica aceitar que a influência do Estado sobre a economia se faz exclusivamente por via da posse dos meios de produção ou de mecanismos de redistribuição oficiais. Politicamente a realidade é bastante mais complexa e o intervencionismo conservador atesta-o. Um Estado pode ser fortemente intervencionista sem ter uma única empresa pública nem segurança social nem Educação ou saúde públicas. O Estado pode centrar a sua actuação na protecção das empresas nacionais e no seu fortalecimento face à concorrência estrangeira, manipulação do mercado que qualquer bom conservador aceitará de forma mais ou menos explícita e perante a qual qualquer bom liberal tenderá a arrepiar-se.
Portanto aquele gráfico transmite-nos uma ideia errada se aceitarmos as coordenadas os eixos "sociedade" e "economia". Temos duas alternativas:
transformar o posicionamento político de f(sociedade, economia) em f(costumes, propriedade, Estado) - o que pessoalmente considero pouco prático;
substituir sociedade e economia por dois valores: liberdade (substituindo a sociedade) e igualdade (substituindo a economia).
O seu a seu dono: fui recolher esta ideia ao artigo de João Cardoso Rosas. E passo a explicar a minha posição, embora quem tiver lido o artigo já possa estar a adivinhar por esta altura a conclusão. Para defender a ideia de que o PS é de Esquerda, o autor referiu as várias políticas deste partido que têm como objectivo a igualdade, embora a igualdade não na perspectiva maximalista do comunismo mas na perspectiva da igualdade de oportunidades. Portanto, numa visão mitigada, moderada, centrista de igualdade. No extremo esquerdo temos as famílias políticas que defendem a igualdade concreta e absoluta; no extremo direito encontraremos enfim aquelas famílias que negarão a igualdade (ou seja, que afirmarão ou que a igualdade põe em causa a propriedade e a liberdade, ou - o que é o mesmo - que a igualdade é um dado adquirido: somos todos iguais em teoria e portanto nenhuma actuação política para gerar igualdade real é legítima).
Qualquer uma das posições que ora referi é compatível com maior ou menor intervenção do Estado, sendo que no entanto ao centro encontraremos políticas mitigadoras da desigualdade real e que visem efectivar a igualdade teórica (ou seja, a todos deve ser dada a oportunidade de competir); à esquerda encontraremos uma negação da competição pela proibição da desigualdade; à direita encontraremos uma negação da competição pelo impedimento prático (que vai a par com a permissão teórica) da competição.
As variações serão por conseguinte produto da nossa vontade de estimular uma maior ou menor dinâmica social, ou seja, uma maior ou menor separação do indivíduo face ao meio envolvente. Pela sua posição central, o liberalismo (nos termos em que o defini no início, por oposição aos anarquistas e aos libertarians) é quem mais individualista é, não só pela defesa da liberdade de costumes, mas porque do ponto de vista socio-económico não aceita nem a sua absorção pela colectividade nem que o seu sucesso seja simplesmente produto do nascimento.