quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

A reforma do sistema eleitoral: a natureza do voto

Dos debates que vou lendo a respeito dos círculos uninominais, fica-me a ideia de que há dois conceitos de representação distintos, o que me parece merecer alguma ponderação. Tradicionalmente a luta era entre duas posições radicalmente distintas, uma que via o voto como um direito e outra que via o voto como função.

Os defensores do voto como direito (John Stuart Mill, Thomas Hare) frisavam a relevância da representação e de uma representação fundada no pluralismo de opiniões. Ou seja, o parlamento deveria ser uma miniatura do país em termos de diversidade de orientações políticas.
Os defensores do voto como função (William Bagehot) inclinavam-se mais para o aspecto pragmático: o voto visa eleger alguém em quem os poderes são delegados e que terá como função garantir a estabilidade do país e a boa saúde do regime, afastando elementos radicais e permitindo maiorias governamentais sólidas.

No entanto, o que actualmente começa a surgir e que de resto também sempre se associou (embora só actualmente se comece a enfatizar essa visão, em detrimento da governabilidade pura e dura) aos sistemas baseados em círculos uninominais é uma outra noção de representação, enquanto representação dos interesses e paralelamente uma responsabilização dos eleitos. Assim, o debate já não está entre um voto estratégico ou um voto sincero, mas entre uma representação ideológica ou uma representação dos interesses de uma determinada região e, mais ainda, da ligação directa entre um indivíduo e um deputado, situação que em círculos de mais de dez deputados começa a ser impraticável.

Preocupam-me seriamente os resultados que, sondagem após sondagem, a Assembleia da República tem na manifestação de opiniões positivas e negativas. Apesar de ser o único órgão onde quase todos temos representação, surge consecutivamente abaixo de um órgão sem legitimidade própria mas cheio de poder (o Governo) e de outro com legitimidade própria mas sem poder (o Presidente da República). E parece até ser que o PR é sempre o melhor colocado porque é o que menos faz (tal como qualquer ministro dos Negócios Estrangeiros será sempre mais popular que um ministro da Educação ou da Saúde), apesar de toda a gente acusar a AR de nada fazer (tendo tão pouca popularidade). Quem não governa, não incomoda.
Mas a questão que me incomoda é se o que incomoda os portugueses é a falta de representação, a falta de identificação entre um eleitor e um deputado que garanta a responsabilização efectiva dos representantes. Não é líquido que um círculo uninominal garanta essa responsabilização efectiva. Em sondagens realizadas nos EUA houve resultados surpreendentes em que percentagens muito reduzidas de eleitores conseguiam dizer qual o seu senador. Sou também muito céptico à ideia de que haja possibilidade de alguém representar os interesses de uma região, pois isso implica admitir que existe um interesse objectivo e não vários interesses em luta.

Em todo o caso, creio que esta dupla ideia de representação enquanto direito de ser representado ideologicamente e de responsabilização por meio da escolha de um nome pode e deve ser ponderada. Como alguns críticos da representação proporcional realçaram (Ferdinand Hermens, por exemplo) as listas também não primam pela sua democraticidade, especialmente se falarmos de listas fechadas.

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