quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

A reforma do sistema eleitoral: pressupostos

Uma das coisas mais danosas para uma reforma é não se saber bem o que se quer, ou fazer-se uma reforma apenas para conformar o mundo com uma visão pré-concebida. Por isso mesmo eu creio que qualquer proposta de alteração do sistema eleitoral tem de partir de uma manifestação de critérios de escolha ou de princípios de avaliação das alternativas existentes.
A meu ver há sete critérios que têm de ser respeitados, embora naturalmente isso implique que no fim alguns critérios terão primazia sobre outros. São eles:
  1. Imparidade do número de deputados final, para evitar situações de empate entre Governo e Oposição
  2. Proporcionalidade, permitindo a representação da pluralidade de opiniões
  3. Responsabilização dos eleitos através da escolha directa de nomes
  4. Governabilidade, ou seja, a o pluralismo não pode pôr em causa a estabilidade do regime
  5. Empowerment do eleitor, dando-lhe possibilidade de escolha
  6. Simplicidade do método de escolha, pesando o grau de competência cívica compatível com a complexidade que a liberdade de escolha implica
  7. Possibilidade ou direito de apelo, ou seja, que o eleitor tenha sempre mais do que um representante pelo(s) seu(s) círculo(s), eleitos com um só voto ou com mais que um voto

O primeiro pressuposto parece-me pacífico. Já o segundo e o terceiro podem entrar em conflito, e aliás é isso mesmo que sucede actualmente entre os defensores dos círculos plurinominais e os dos círculos uninominais. O voto único é uma resposta, embora que parcial: como os círculos têm de ser pequenos, os partidos com pouca expressão são sempre posos de fora. O resultado final pode ser simplesmente a representação de quatro ou cinco partidos, mas com predomínio esmagador dos maiores.

A governabilidade é muito importante porque ele não só não é necessariamente oposta à representação proporcional, como pode ser o seu garante. Sistemas com elevado grau de porporcionalidade conduzem à atomização do espaço partidário, com partidos ideologicamente rígidos e governos minoritários e fracos. A prazo, tentação será eliminar o mal radicalmente, substituindo a proporcionalidade por sistemas maioritários. Ao fim de pouco mais de uma década de instabilidade (não só, mas também provocada pela IV República) os franceses deram a De Gaulle poderes quase absolutos - e assim nasceu a V República, da qual a proporcionalidade foi totalmente eliminada.

O empowerment do eleitor prende-se com o que anteriormente defendi; à luz deste pressuposto, deve haver abertura para sistemas como o voto alternativo e o voto único transferível. Como também já afirmei, estes sistemas são mais complexos e exigem competência cívida, pelo se deve evitar a obrigatoriedade, no sistema de voto único transferível, de o eleitor ordenar todas as suas preferências. Pode simplesmente escolher um, dois ou três deputados - a escolha e a responsabilidade passam para o eleitor.

Por fim, o cidadão deve ter a possibilidade de apelar a mais que um deputado. Isso é difícil ou impossível em sistemas baseados apenas em círculos uninominais. Se o deputado de uma circunscrição tiver uma opinião diferente da de um cidadão, tanto pior para este último. Assim, deve haver uma representação múltipla, seja por pelo menos dois votos, o cidadão escolher um deputado e uma lista, ou dois deputados em dois sistemas distintos, ou até duas listas diferentes; seja por um voto (transferível ou não) no seio de círculos plurinominais.

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