Em Dezembro a dona da tabacaria de uma faculdade de Lisboa avisou-me, enquanto eu comprava um dos últimos maços de tabaco da minha curta recaída toxicodependente do final do ano que com a nova lei não poderia mais vender tabaco
Quer dizer, - compreende... os maços que cá estão, hei-de os vender de qualquer forma...
Não lhe quis dizer que eu estava apenas a despedir-me da libertinagem e que não fazia qualquer tenção de comprar maços de tabaco em Janeiro e que de qualquer forma também não tenho necessidade de ir àquela faculdade com regularidade que justifique o apelo velado que me fez, limitei-me a sorrir e a concordar que era uma maçada.
Uma maçada.
Quarta-feira voltei para assistir a uma defesa de tese e por mero acaso acabei tomando café em frente da tabacaria que já não podia vender tabaco mas que por debaixo da mesa ao que parece iria despachar a narco-mercadoria que não tivesse sido vendida a tempo de o ser legalmente.
De repente lembrei-me da história algo cómica que uns dias antes se passara e pensei que engraçado seria ir à tabaria perguntar se por acaso não teria tabaco. E foi nesse momento apenas que me apercebi que não havia comicidade alguma nesta história mas antes algo de trágico e que nada tem que ver com tabaco.
Em todas as minhas opções políticas eu tento seguir posições que rejeitem qualquer princípio sacrificial, o que me obriga a defender sempre a parte cuja liberdade é posta em causa pela acção transgressora de outrem (e isto é um pau de dois gumes, porque a liberdade é uma coisa complexa - mas não quero entrar nas questões económicas). Precisamente por isso acho bem que haja uma lei que inequivocamente defenda os direitos de quem não quer ser incomodado pelo fumo alheio (só não sei é se a lei anterior protegeria tão pouco os direitos destes últimos). Simultaneamente, ou aliás, dentro do mesmo princípio, a limitação da acção de alguém só faz sentido se essa acção constituir um constrangimento para a liberdade alheia.
De repente lembrei-me da história algo cómica que uns dias antes se passara e pensei que engraçado seria ir à tabaria perguntar se por acaso não teria tabaco. E foi nesse momento apenas que me apercebi que não havia comicidade alguma nesta história mas antes algo de trágico e que nada tem que ver com tabaco.
Em todas as minhas opções políticas eu tento seguir posições que rejeitem qualquer princípio sacrificial, o que me obriga a defender sempre a parte cuja liberdade é posta em causa pela acção transgressora de outrem (e isto é um pau de dois gumes, porque a liberdade é uma coisa complexa - mas não quero entrar nas questões económicas). Precisamente por isso acho bem que haja uma lei que inequivocamente defenda os direitos de quem não quer ser incomodado pelo fumo alheio (só não sei é se a lei anterior protegeria tão pouco os direitos destes últimos). Simultaneamente, ou aliás, dentro do mesmo princípio, a limitação da acção de alguém só faz sentido se essa acção constituir um constrangimento para a liberdade alheia.
Ora é aqui que nasce o problema da senhora da tabacaria em Janeiro e que eu em Dezembro tratei como uma maçada. Ali estavam dois adultos num espaço que só é frequentado por adultos, um deles sendo dono de uma empresa que curiosamente se chama tabacaria mas a quem o Estado tragicamente proibiu de vender tabaco.
Não estamos a falar de fazer algo estranho à actividade, tipo servir-me um prato de cozido à portuguesa e vinho a martelo pela porta dos fundos, estamos a falar de uma tabacaria vender tabaco.
Não estamos, tampouco, a falar de eu consumir o produto dentro daquele espaço, do qual o mesmo foi banido.
Estamos a falar de uma transacção comercial que honestamente eu não posso acreditar que alguém dotado de todas as suas faculdades mentais ache que é estranha ou reprovável, seja pelo sítio seja pelas pessoas.
De modo que a única reprovação que pode estar aqui subjacente é aquilo que é dramaticamente oposto à liberdade, a saber, o moralismo, essa ideia de que todos os indivíduos se devem submeter a regras que limitam a sua liberdade sem aumentar sequer a liberdade alheia (ou melhor, sem que as liberdades que lhe são retiradas sejam limitadoras da liberdade alheia) e cuja legitimidade decorre exclusivamente de uma suposta superioridade - numérica, axiológica, tradicional/cultural ou o que quer que seja.
Não fui perguntar à dona da tabacaria se me vendia ou não o maço porque a única coisa que ardia era a curiosidade, vontade de fumar ou sequer de comprar não tinha nenhuma. E já bastava a humilhação imposta socialmente (e sublinho o socialmente, que me enoja esta ideia de que o Estado é um monstro que vive do ar e no ar, sem se basear nas ideias - boas ou más - que socialmente dominam) à senhora, para vir agora eu impor-lhe mais uma.
E depois de arder a curiosidade o café queimou-me a língua e amargou e então percebi que aquilo não era uma maçada. Era uma forma de opressão. O problema não estava no tabaco, estava no facto de uma limitação idiota ter passado alegremente e sido aceite apenas porque moralmente fumar já não é aceite. Temos todos de ser muito saudáveis, e a sociedade deve velar pelo nosso bem estar. Fui-me embora envergonhado comigo mesmo.
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
Álvaro de Campos
1 comentário:
Mas descanse o caro Igor. Nem tudo está perdido no que à liberdade concerne e ao comércio diz respeito.
Continuará a poder comprar e consumir descansadamente uma garrafinha de vinho, cerveja ou whisky numa área de serviço em auto-estrada a seu gosto, a qualquer hora do dia ou da noite... haja mau gosto.
Abraço,
CJT
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