sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

O Tabaco e a Proibição

No entretanto vamos acender os nossos charutos, e deixemos os precintos aristocráticos da ré: à proa, que é país de cigarro livre.
Não me lembra que lord Byron celebrasse nunca o prazer de fumar a bordo. É notável esquecimento no poeta mais embarcadiço, mais marujo que ainda houve, e que até cantou o enjoo, a mais prosaica e nauseante das misérias da vida! Pois num dia destes, sentir na face e nos cabelos a brisa refrigerante que passou por cima da água, enquanto se aspiram molemente as narcóticas exalações de um bom cigarro da Havana, é uma das poucas coisas sinceramente boas que há neste mundo.
Fumemos!
Aqui está um campino fumando também gravemente o seu cigarro de papel, que me vai emprestar lume.
– «Dou-lho eu, senhor...» acode cortesmente outra figura mui diversa, cujas feições, trajo e modos singularmente contrastam com os do moçárabe ribatejano.
Acenderam-se os charutos, e atentámos mais devagar na companhia em que estávamos.
Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra

Antes de mais, vou explicitar os meus interesses (infelizmente este debate anda sempre inquinado pelos interesses de cada um, conforme se seja fumador ou não fumador): tendo sido não-fumador, fumador, ex-fumador e ex-ex-fumador (mais recentemente, para aproveitar os últimos bafos de liberdade antes da lei "apagada") creio que tenho alguma capacidade para tentar ser imparcial. Mais ainda, o que vou defender até nem é consentâneo com os meus interesses individuais. O meu interesse é que haja uma situação de proibição absoluta como a que temos hoje, dado que me permite passar a ser ex-ex-ex-fumador.

Esta lei e a prática que está a ser adoptada é simplesmente irrazoável. Impedir o fumo em virtualmente todos os espaços que não sejam a rua (e mesmo nessa, mais ano menos ano, estou certo que também será proibido) é de uma cretinice a toda a prova. Em Dezembro recebi um mail no trabalho que me deixou deliciado: o Conselho de Administração, compreendendo o incómodo que as novas regras iriam causar nos fumadores... decidiu que iria programar medidas de auxílio para quem quiser deixar de fumar. (?) Não seria mais simples deixar estar os sítios já existentes nas instalações da empresa para que os fumadores continuem a ter um espaço onde estar?
De uma forma geral, creio que é exactamente isto que tem de haver: opções. Agora, ditadura do higiénico, não, por favor. Qualquer dia proibe-se o álcool porque provoca muitos acidentes na estrada.

(por que é que ninguém se preocupa com os meus pulmões quando em Lisboa sou obrigado a inalar, comer, entrar em osmose com os tubos de escape dos ditadores antitabágicos?)

Eu não estou a dizer que não haja aspectos positivos na lei, no que diz respeito à defesa dos direitos dos não-fumadores. Digo apenas que se foi demasiado longe na vontade de desforra face aos fumadores. E quando o que há é o revanchismo, e não uma vontade de encontrar uma posição política razoável - é aí que encontramos uma das materializações do fundamentalismo.

Sem comentários: