No livro vendido com a revista Sábado desta semana, um conjunto de artigos de Maria Filomena Mónica, escritos entre 2002 e 2006, houve um que me despertou a atenção, Esta lei eleitoral deve ir para o lixo, de 21 de Janeiro de 2005 (pp. 43-46).
Nele, MFM defende a substituição do actual sistema proporcional por círculos uninominais. Este debate é longo e eu não vou falar de algumas das questões que normalmente são referidas (e que a autora considera enfadonhas - nomeadamente, a questão do caciquismo e da corrupção, que entre nós ficou conhecida como política de campanário, com sobrevivências em Daniel Campelo, Valentim Loureiro, Fátima Felgueiras e outros bons exemplos).
Não vou tratar desse assunto, primeiro porque de facto não é muito estimulante (concordo - falamos dele quase todos os dias, embora normalmente não a respeito dos círculos eleitorais) e segundo porque a minha rejeição dos círculos uninominais (embora aceite que eles multiplicam várias vezes a possibilidade de comprar e vender votos e de gerar redes clientelares no parlamento pelo menos tão grandes quanto as que já temos nas autarquias) não vai tanto por aí. É mesmo de fundo, é provocada pelo asco ao PS e ao PSD (às pessoas que neles estão e que estão ali como estariam em qualquer outro partido, desde que esse partido detivesse o poder) e é por total desconfiança face às elites (bom, à oligarquia, que como mostrei com a citação do Sérgio, elites são outra coisa). E não só. Não é só das elites que desconfio: é das maiorias. Tenho horror de maiorias absolutas. Assustam-me. Todo o poder absoluto assusta-me.
Diz MFM que não confia a Sócrates a tarefa de escolher os deputados, prefere ser ela a fazê-lo. Para ter um deputado seu, o qual conhece e o qual pune (não voltando a votar nele) se por ventura o seu desempenho for mau.
Desde logo, há uma questão importante: se o deputado em causa for um independente, provavelmente não vai poder punir: ele não é obrigado a voltar a candidatar-se. Um partido passa por eleição após eleição - podemos premiá-los e puni-los sucessivamente. Com independentes já não é assim.
Em segundo lugar, pretender que o deputado eleito por um círculo uninominal representa imparcialmente todos os cidadãos desse círculo não é muito sério. Ele realmente não representa: tem interesses próprios, um eleitorado próprio, uma agenda própria. E é lícito que o tenha: o que não é lícito é que o resto da população que está excluída desse programa, seja por dele discordar, seja por de facto não ser nele contemplada, não ter ninguém que represente os seus interesses.
Em terceiro lugar e estreitamente ligado ao ponto anterior, está o seguinte. Afirmam os defensores dos círculos uninominais que não faz sentido 230 deputados representando toda a gente, pois na prática acabam por não representar ninguém. Concluem que é preciso essa ligação emotiva à cara, à pessoa. Não digo que isso seja irrelevante. Digo apenas que isso é metade da história. Há imensas pessoas com quem simpatizo na política e dos mais variados partidos. Mas lá por achar que o Adriano Moreira deve ser uma pessoa simpática, não quer dizer que iria confiar a um conservador e ex-ministro de Salazar os destinos do meu país. E certamente que ele nunca me representaria pois o conservadorismo (seja na versão soft do pós-salazarismo seja nas suas versões mais duras do comunismo e fascismo) é exactamente o contrário de tudo o que defendo. Há este pequeno problema: a política não é apenas a gestão corrente de um orçamento. É sobretudo o confronto de diferentes percepções de como e com que propósitos essa gestão deve ser feita.
Por fim, uma outra objecção. As outras três eram relativas à situação hipotética do pós-reforma. Mas há ainda o problema do antes. Nomeadamente, se MFM não confia em Sócrates para escolher os seus deputados, já confia nele para definir os círculos eleitorais? É que isto de esquartejar o país em 180, 200, 230 círculos não é brincadeira nenhuma. Levanta problemas práticos muito sérios. Os círculos teriam de ser alterados com grande frequência para evitar distorções devido à mobilidade populacional. Outra questão, é o próprio desenho dos círculos. Quantos fenómenos de gerrymandering teríamos nós por esse país? Bom, a resposta é fácil: tantos quantos os que conviessem ao PS e ao PSD.
Lamento imenso, mas eu é que todo não confio nessa gente para definir regras.
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1 comentário:
Caro Igor,
Também acho os círculos uninominais menos democráticos, pois concorrendo em cada um cinco partidos representdos na AR mais uns 3 a 5 outros e vários independentes poderíamos vir a ter um vencedor com 10 a 12% dos votos, o que é pouco para nos representar.
Com o tempo sucederia como no Reino Unido; os pequenos e independentes abandonariam a corrida e os dois grandes partidos, PS e PSD, dominariam tudo com umas excepções localizadas para o PCP, BE e CDS.
Um Abraço
Dsotto
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