sábado, 26 de maio de 2007

Que Estado? (cont.)

[...] o melhor político, como o melhor pedagogo, é aquele que com a máxima simplicidade e humildade trabalha constantemente por se tornar dispensável; é o que treina o povo para se governar por si mesmo.

António Sérgio, Cartas do Terceiro Homem

Nas suas Cartas Sérgio repete inúmeras vezes esta ideia: a função das elites e do Estado é fazer os possíveis por se tornar dispensável. Todos sabemos (se o assumimos ou não é outra questão) que eliminar completamente o Estado é impossível. Não me parece no entanto impossível fazer o que ele pede: no prefácio da segunda edição do II Tomo dos seus Ensaios afirma o autor que deve ser cultivado o amor da accção auto-refreada e calma, quotidianamente revolucionária, sem demagogia nem retórica, […] sem impulsivismo e espectáculo.

Creio que é um bom guia, esta frase do Sérgio: defender um reformismo que não seja amorfo mas que seja quotidianamente revolucionário. O (pseudo-)realismo que muitas vezes vemos é apenas uma forma torcida de dar determinados factos como adquiridos. Todas as doutrinas que em dado momento tomam a dianteira da cena política tendem a apresentar-se como as únicas realistas. Deixo por isso esta outra citação do António Sérgio, algo que ele escreveu contra a arrogância pseudo-científica dos marxistas:

E se sou revolucionário, é por ser idealista; se sou socialista, é por lei intrínseca do meu próprio espírito […]. O revolucionismo verdadeiro não está nas coisas, mas sim em nós. […] Ninguém é socialista por se conformar com a matéria, mas sim por apego a um ideal de justiça, a um protesto interior.

Ensaios, Tomo I

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