terça-feira, 29 de maio de 2007

Lynn White: o Génesis da crise ecológica




Uma exegese da Bíblia

No seu artigo The Historical Roots of Our Ecological Crisis, Lynn White Jr. apresenta uma evolução da relação entre o homem ocidental e o mundo natural. Reconhecendo que todas as formas de vida alteram o seu meio, o autor dedica-se a encontrar um fio condutor que nos leve desde a presente situação de crise ecológica até a um início da nossa relação conflituosa com o ambiente.
O autor reconhece que a ciência e a tecnologia actuais são inequivocamente ocidentais. No entanto, no nascimento do Ocidente, com a Grécia e Roma, a relação entre o Homem e a Natureza eram distintas das actuais. Abundavam figuras míticas semi-humanas, semi-animais, e florestas, montanhas, fontes tinham espíritos que os protegiam e aos quais o homem devia prestar culto. O animismo desapareceu com o advento do cristianismo que, mesmo que tenha admitido corruptelas à sua origem judaica despida de imagens e centrada num deus único (por exemplo, os santos), não deixou de centrar sempre no homem, na figura humana, a sua constelação conceptual.
O cristianismo adoptou do judaísmo a crença num percurso histórico linear (e não cíclico, como nos clássicos) e que, tendo um fim, tinha também um princípio: a striking story of creation, nas palavras de Lynn White Jr.. O deus criador não se limitou a fazer o mundo, mas fez também um ser, de entre todos, especial – o homem. Especial, porque à sua imagem. É a este ser semelhante a deus que é confiada a tarefa de zelar pela criação divina, mas não só. Toda a criação tem como função servir o homem. Não se trata por isso de uma criatura entre outras, mas de uma criatura dominadora; tal como o deus cristão cria o homem e por isso o governa, o homem é mandatado para governar a terra. O seu discernimento permite-lhe também ele ser um criador – e será na medida em que mais se assemelhar a deus, mais e melhor conseguir criar, que melhor desempenhará as suas funções.

O contexto geográfico

Não obstante, esta é apenas uma interpretação da Bíblia. Não podemos afirmar que seja a única e o autor faz a ressalva de forma absolutamente clara. De facto, o cristianismo oriental (de influência grega) apontava o caminho da salvação como sendo o do pensamento – o pecado surgia quando algo se imiscuía na relação entre o homem e deus. Por conseguinte o homem devia seguir a iluminação, a contemplação da obra divina; a natureza era um conjunto de ensinamentos dados por deus à criatura.
Pelo contrário, a cristandade latina entendeu o pecado como um mal moral, superável por uma conduta recta guiada pela vontade. Esta vontade activa levaria a que se entendesse como fim do homem a descoberta da actividade criadora divina. A religação deus/homem não se faz por uma contemplação da criação, mas por uma aproximação das capacidades humanas às divinas; o homem quer descobrir como deus age, e agir ele próprio, ser também ele criador.
Para esta diferenciação, Lynn White Jr. aponta uma data de nascimento e um berço: o noroeste europeu do século VII d.C.. Aqui, o clima e os solos tornavam obsoletas as técnicas de cultivo que resultavam bem na orla do Mediterrâneo. Foi necessário recorrer a técnicas mais intensivas, com recurso a maior força animal e a novos arados. As necessidades das famílias deixaram de ditar a utilização da terra, na qual se tornou determinante a capacidade tecnológica de vencer as dificuldades apresentadas pelo meio. O homem que vence sobre a natureza é o homem dominador, conquistador e criador – já não é parte da natureza, mas o seu senhor.
Seria a este Ocidente, cristão e latino, que confluiriam mais tarde todos os avanços científicos das restantes civilizações. Seria também aqui que, cerca de mil anos depois da viragem do século VII, se dariam duas revoluções fundamentais para a compreensão do ascendente que a tecnologia exerce hoje sobre o mundo inteiro.

Ciência e Indústria

Science was traditionally aristocratic, speculative, intellectual in intent: technology was lower-class, empirical action-oriented. Desta forma Lynn White Jr. separa uma primeira revolução, no séc. XVII, científica, da segunda revolução, a industrial, do séc. XVIII. Na primeira, a aristocracia ainda dominava a sociedade. Foi o século da Glorious Revolution. Na segunda, é a burguesia que ascende – foi o século das revoluções Americana e Francesa.


Parêntesis: retomando a dicotomia entre contemplação e acção, Germaine de Staël atribui a supremacia do ser humano à sua capacidade de utilizar ambas em seu proveito:

[…] il y a dans l’esprit humain deux tendances aussi distinctes que la gravitation et l’impulsion dans le monde physique : c’est l’idée d’une décadence et celle d’un perfectionnement. […] la doctrine de la perfectibilité et celle de l’âge d’or réunies et confondues excitent tout à la fois dans l’homme le chagrin d’avoir perdu et l’émulation de recouvrer. […] de cette rêverie et de cet élan naît la véritable supériorité de l’homme, le mélange de contemplation et d’activité […].

Madame de Staël, in De l’Allemagne, Garnier-Flammarion, Paris 2001, pp. 259 e 260


O autor metaforiza a fusão entre a ciência e a técnica, no século XIX, com a expressão unity of brain and hand. Foi esta união (que na sociedade britânica, mais que em qualquer outra, não era apenas metafórica mas consubstanciou-se com os casamentos cruzados entre aristocracia e burguesia, permitindo a construção da maior potência do século XIX) que permitiu a efectivação do credo baconiano, como White o designa, de que “conhecimento tecnológico significa poder tecnológico sobre a natureza”.

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