terça-feira, 29 de maio de 2007

Retorno a Voltaire - a piedade cristã


Bom, está claro que gosto de Voltaire. Estive com dúvidas se colocaria ou não esta passagem, mas resolvi colocá-la e até traduzi-la, para que o facto de o texto estar na língua mais odiada dos nossos tempos (está na moda ser-se francófobo, não há asno armado em galifão que não diga mal da França) não seja desculpa para que esta bela passagem seja por todos lida:


Um dos mais espantosos exemplos de fanatismo foi o de uma pequena seita na Dinamarca, cujo princípio era o melhor do mundo. Visavam essas gentes dar boa-aventurança eterna aos seus irmãos; no entanto, as consequências de tal princípio foram singulares. Sabiam que todas as crianças que morressem sem o baptismo seriam condenadas e que aquelas que tivessem a sorte de morrer imediatamente após terem recebido o baptismo gozam da glória eterna: foram então degolar todos os meninos e meninas recentemente baptizados que puderam encontrar; era sem dúvida fazer-lhes o maior bem possível: eles eram preservados simultaneamente do pecado, das misérias da vida e do inferno; eram enviados infalivelmente para o céu.

Voltaire, Traité sur la Tolérance, Capítulo XVIII


Actualmente - e de formas que seria expectável já não serem admissíveis - os crentes (das mais variadas religiões - não é um problema exclusivo dos muçulmanos) estão a recuperar um fervor que os leva a fazerem coisas inacreditáveis em nome da sua fé. São sinceros e coerentes, é um facto. Mas isso não faz deles pessoas melhores, nem menos perigosas.

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