quarta-feira, 30 de maio de 2007

Por que sou contra o Cheque-Ensino





Esta questão, reconheço, é algo complexa; é, também - aliás, sobretudo - uma questão que costuma ser tratada de forma bastante emotiva. De um lado, há quem afirme que a escola pública é inevitavelmente má; de outro, quem afirme que os privados é que são inevitavelmente maus.




Não quero ir por aí. Quero dividir a minha justificação em duas posições: uma de princípio e outra prática. Faço-o pois, apesar de (ou, mais provavelmente, precisamente por) ter uma posição ética (enquanto moralidade racionalmente fundamentada e não meramente moralista) tenho o dever de submeter essas considerações à confrontação com a praticabilidade ou não da minha posição. Ou seja, eu tenho de ver se a minha posição, para além de convictamente ética, é responsavelmente ética.


No que respeita à convicção, o argumento normalmente utilizado para defender o cheque-ensino parece-me terrivelmente falacioso. A questão não está na liberdade de escolha - essa liberdade já existe. Não há ninguém que seja impedido pelo Estado de frequentar uma escola privada. Este argumento faz-me lembrar a discussão sobre o estado laico. Muitos crentes afirmam-se agredidos na sua crença por o Estado ser laico, ou seja, por o Estado tratar todos os cidadãos como iguais, sem hierarquizar nem conceder privilégios em função da nossa adesão a uma determinada ideologia (neste caso, religiosa). Parece-me uma posição insustentável na perspectiva dos direitos cívicos. Ora, na educação temos o mesmo problema. Será função do Estado então reconhecer o direito aos indivíduos (e em concreto, a uma fatia apenas deles) de ter algo mais do que o que o Estado já fornece a todos os cidadãos por igual?


E aqui chego à questão que para mim é fulcral: qual a função do Estado? Para mim a função do Estado não é zelar pela minha felicidade, subsidiar o meu desejo de comprar um Lamborghini. A função do Estado também não é a de subsidiar o funcionamento de empresas privadas. O Estado Social, segundo o meu entendimento, deve ser um Estado de Justiça - um Estado que dá um mínimo igual para cada um. Não pode ser um Estado de Bem-Estar, preocupado com o que eu posso desejar ou deixar de desejar.


Gostaria de abrir um parêntesis aqui, apenas para dizer que, apesar do meu discurso, eu não acredito que as escolas privadas sejam realmente melhores que as públicas - o que é determinante não são os meios materiais nem sequer os professores - embora se as condições e os professores forem bons, os resultados naturalmente reflictam essa realidade - mas os alunos. A minha experiência pessoal e os dados que são publicados anualmente sobre os resultados dos exames nacionais provam-no de forma gritante. Quanto melhor o meio social dos alunos, melhores os resultados. Quem tiver dúvidas, compare os resultados das escolas públicas dos melhores bairros da Grande Lisboa e os resultados dos colégios do interior.


No que respeita à responsabilidade, vamos a uma questão muito pragmática: dinheiro. Abaixo coloco as ligações com os documentos que sustentam a minha análise. Atenção, que os números apresentados são algo grosseiros, mas não me interessa ir aos cêntimos, mas apenas ver tendências. No topo do post está o quadro com os dados mais relevantes: os números de alunos nos dois sectores (público e privado) e os gastos do Estado com cada um deles. Excluí alguns gastos como a Acção Social, a Educação de Adultos ou os gastos com a Administração, seja porque dizem respeito a todo o ensino, seja porque se referem a situações muito específicas.
O resultado é surpreendente: apesar de toda a argumentação que existe em torno do cheque-ensino, afinal o Estado ajuda a pagar o ensino privado com valores que proporcionalmente rondam os 40% dos gastos com os alunos do sector público. Ora, se a isto somarmos as propinas - não propriamente baixas - das escolas privadas, eu pergunto-me: onde é que os defensores do cheque-ensino pretendem ir buscar dinheiro para pagar o luxo de quem quer ter o filho num colégio? Vão cobrar mais impostos? Vão aumentar a dívida pública? Vão fechar escolas públicas, despedir professores, cortar nos investimentos e gastos de manutenção de instalações para poupar algum dinheiro para dar o subsídio às classes média-alta e alta?


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