Indo por partes:
- Não concordo com o BE em questões como a Segurança Social (defendo o aumento da carreira contributiva e o fim de todos os sistemas paralelos) ou a legislação laboral (a lei que temos está a atirar os jovens para os recibos verdes e os contratos temporários para compensar os privilégios de quem usufrui de contratos eternos); no entanto, isso não é determinante. Se a SS falir, a vida continua, cá nos arranjaremos. Quanto ao emprego, quem é jovem à partida tem boas pernas, pode bem emigrar.
- Simultaneamente, fui-me apercebendo de algumas mudanças de simpatias minhas: constatei que se estivesse no Reino Unido, provavelmente votaria LibDem; se estivesse em França, teria votado Bayrou (que entretanto formou um novo partido, separando-se da UDF, mais à direita).
- Irritou-me a candidatura do Louçã nas Presidenciais. Achei tanto ideologicamente arrogante como estrategicamente idiota. O apoio ao Manuel Alegre teria dado um grande empurrão ao BE, alicerçando o seu crescimento nas franjas de esquerda do eleitorado do PS. Recordo-me de há uns anos, nos primeiros tempos do BE, se falar em "alargar", ultrapassar sectarismos, construir maiorias sociais. Pois perante uma oportunidade de ouro, o que fazem? Entrincheiram-se numa candidatura partidocrática tentando fazer o mesmo que o PCP: defender o seu quintalito. Os resultados aí ficaram: segundo uma sondagem do Correio da Manhã, 50% dos que votaram no BE nas Legislativas de 2005, votaram em Alegre nas Presidenciais. Apetece dizer "Bem feito!", porque é mesmo bem feito. É que há muita gente no BE que ainda pensa que pode conquistar o seu espaço na esquerda tentando competir com o PCP em termos de eleitorado (e de discurso). No entanto, o PCP tem mantido os mesmos resultados, ao passo que o BE tem crescido bastante. De onde vêm esses votos? Do PS. Mas insistem em ficar no PREC. Que fiquem. Eu cá é que não fico. Não fico, até porque felizmente nunca lá estive.
E agora vamos à questão realmente importante. A minha grande desilusão com o Bloco de Esquerda, aquela que me doeu que se fartou, que foi realmente insuportável foi a (não-)reacção perante a crise dos cartoons dinamarqueses. Eu pensava que o BE era a favor de uma sociedade laica e que era radicalmente contra as pretensões de superioridade dos religiosos. Enganei-me redondamente: o BE odeia o fundamentalismo católico em Portugal (e odeia bem) mas não tem problemas com o fundamentalismo islâmico. Se é ocidental, é mau. Se não é Ocidental, já é bonzinho; e se se porta mal, tem desculpa, porque foi o ocidental que o provocou (Quantos ocidentais vivem nos países muçulmanos? Quantos muçulmanos vivem no Ocidente? Creio que os números nos dizem bem quem é que é realmente tolerante).
Como se não bastasse, tivemos a carta perfeitamente alarve de Freitas do Amaral. Como é possível que o partido em que votei não tenha pedido de imediato a demissão de alguém que, sendo Ministro dos Negócios Estrangeiros, ao invés de defender um dos nossos maiores aliados (a Dinamarca) vem falar de religiões abraãmicas e não sei que mais? Não só foi incompetente (passou por cima dos laços - UE e NATO - que nos unem à Dinamarca) como politicamente a sua atitude foi inaceitável ("esqueceu-se" que Portugal é um país laico).
O laicismo não é bom apenas quando se trata de bater na Igreja Católica. O laicismo é bom porque é bom. É bom porque é justo. É bom porque só num Estado laico podemos respeitar a liberdade de cada um e igualdade de todos perante a lei. Ser laico na segunda-feira porque estamos a discutir a Concordata e na terça-feira pôr o laicismo na gaveta porque um muçulmano nos diz que não podemos fazer cartoons sobre a religião, tentando pôr paninhos quentes, não é simplesmente idiota. É hipócrita, é vil e é mentiroso.
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