terça-feira, 31 de julho de 2007

Sobre os Impostos

A respeito do post Ser aldrabão compensa, ler os comentários no Speakers Corner. De facto, há aqui uma separação clara, e a expressão aí utilizada lados opostos da barricada aplica-se na perfeição. Não sou e não compreendo como se pode defender o anarquismo. De entre todas as utopias, é a mais impraticável.

Seria interessante analisar a praticabilidade do anarco-capitalismo à luz da falseabilidade popperiana.

Cuba Libre


Recentemente estive na Madeira e pude confirmar o que já me tinham dito: a TAP não tem o mais pequeno respeito para com os clientes que vão ou vêm das ilhas. Tanto o voo de ida como o de regresso foi um caos, com várias horas de atraso em ambos os casos e sem qualquer informação prestada durante a maior parte do tempo. Claro, já para não falar dos preços, próprios de quem tem um monopólio.


A liberalização dos voos é por isso muito bem vinda. Por todos e sobretudo pelos madeirenses. Ao menos que nisso sejam livres, já que no resto...

Ser aldrabão compensa


O Estado resolveu conceder um perdão às empresas que foram apanhadas no âmbito da Operação Furacão. Quem pagar os montantes sonegados, não vai a tribunal.


Portanto, vejamos se eu compreendi bem:

- Se for um particular e se me atrasar um dia, pago multa;

- Se for uma empresa cumpridora e cometer algum deslize, pago multa;

- Se for uma grande empresa com capacidade para arranjar esquemas manhosos para roubar o Estado (ou seja, cada um de nós), não pago; se eventualmente o Estado (ou seja, cada um de nós) decidir gastar dinheiro a investigar o caso e me apanharem, então aí pago e não me acontece mais nada.


Será que vejo coisas ou será que está aqui criado um interessante precedente?

Apoio ao TEDH no caso João Mouta

O MLS enviou um comunicado em que aplaude a [...] decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) ao condenar o Estado português por este ter atribuído a custódia de uma criança à sua mãe, fundamentando-se no facto de o pai viver maritalmente com outro homem.

Para o MLS, a decisão do TEDH é muito importante na medida em que este cria jurisprudência nesta matéria, evitando que casos de homofobia como este voltem a ocorrer na União Europeia.
[...]
Para o MLS, esta decisão do TEDH exibe mais uma vez os benefícios de Portugal estar integrado na União Europeia, em termos de garantia dos direitos dos cidadãos portugueses e de obrigar ao avanço da mentalidade e da prática, infelizmente ainda bastante retrógradas, de muitos juízes portugueses.

100% apoiado.

Assembleia Constituinte Europeia

Defendo que a União Europeia, sendo já hoje uma confederação, deveria ter uma constituição que: estruturasse a sua orgânica; definisse as suas relações com os Estados-membros e com os outros Estados; definisse as suas relações com os cidadãos (incluíndo-se aqui a defesa dos direitos dos cidadãos que, ao que parece, no novo tratado vão fora).
Defendo igualmente uma União Europeia democrática, pelo que para mim o percurso mais correcto seria ou haver uma eleição extraordinária para uma assembleia exclusivamente dedicada à concretização de uma constituição, ou que o Parlamento Europeu eleito em 2009 tivesse essa incumbência. Após concluído o texto, o mesmo seria votado em referendo por todos os cidadãos europeus e no mesmo dia.

Assim sendo, apoio esta iniciativa, como apoio qualquer iniciativa que garanta aos cidadãos europeus maior controlo sobre os seus destinos.

Piadas contemporâneas

Se deus existisse, eu diria "Graças a deus, a estupidez não paga imposto". Como não existe, digo apenas que por estupidez governamental a estupidez não paga imposto. O Portugal Contemporâneo pagaria défices de vários exercícios seguidos.

Vejamos os magníficos comentários de Ricardo Arroja:

essas sociedades [as islâmicas] não são exemplo nenhum em matéria de direitos civis, direitos humanos, tolerância democrática e civico-religiosa, progresso económico, por aí fora. Posto isto, eu continuo a acreditar que neste mundo cão em que vivemos hoje, um mundo de "não olhes para o que digo, olha para o que faço", a sociedade que apesar de tudo permanece a meu ver como o melhor exemplo de equilíbrio é a britânica. Que em substância, creio, não pode ser considerada como confessional.

As sociedades confessionais nunca são exemplos de direitos civis nem políticos. O blog do papá (Pedro Arroja, co-autor do Portugal Contemporâneo) é o exemplo acabado disso mesmo. Nenhum dos defensores aqui da confessionalidade morre de amores pela democracia e pela tolerância. O papá até tem pena que os judeus não tenham sido todos gaseados. Quanto à sociedade britânica, bah: de um extremo ao outro, é o que dá. Eu bem digo que o multiculturalismo e o tradicionalismo têm a mesma raíz hegeliana. O Reino Unido é dos melhores exemplos de multiculturalismo e olhe-se para a bela porcaria que estão a conseguir. A maior parte dos terroristas islâmicos europeus estão onde? Há muitos mais muçulmanos em França, país do "fundamentalismo laicista" e no entanto (ou melhor, precisamente por isso) têm o extremismo religioso mais controlado. Não há coincidências.



se bem recordo as minhas lições de História, o mundo ocidental, em particular os EUA, tem de voltar a ser Esparta...temos de vencer uma Atenas corrupta que, a cada dia que passa, destroi os ideais que fizeram do mundo ocidental um exemplo de integridade moral...perdida quando, de forma irresponsável e totalmente inimputável (!!??!!), declarou guerra pre-emptiva ao Iraque

- Primeiro, defendemos os direitos civis e políticos.
- Depois, defendemos Esparta (esse exemplo de tolerância).
- Terminamos dizendo que a invasão do Iraque foi não um acto belicista (ao estilo espartano) desencadeado pelos neocons mas uma consequência da decadência moral democrática ateniense.

Já ninguém se recorda da "Velha Europa" (frouxa, cobarde, decadente e contra a invasão) e da "Nova Europa" (viril, viva, corajosa).
Não haverá por ali um pouco de decência, de vergonha na cara, de capacidade de argumentação com algum apego ao real?


Cada tiro cada melro.

Literatura, Leitura e Política

acho piada à dissociação entre obra e ideologia. É possível tal coisa no mundo da literatura? É como ler o mein kampf e dizer que as políticas de pleno emprego são admiráveis, e dizer-se admirador do modelo social.
Filipe Melo Sousa

Comparar obras literárias com livros políticos? Isso faz lembrar a PIDE, que levava "A Capital" do Eça das bibliotecas dos liceus porque confundiam com "O Capital" de Marx.

Esta não saíu nada bem. Por vários motivos. Primeiro, porque está visto que a afirmação é descabida. Segundo, porque o autor da frase ou não lê romances, ou então deve ter muito trabalho a procurar apenas literatura de anarco-capitalistas, o que não só deve ser tarefa muito difícil como (se houver algum escritor anarco-capitalista) deve ser uma seca tremenda. Pior que o Saramago. Já estou a imaginar.

O homem aproximou-se da mulher e tentou roubar-lhe um beijo, tal qual o vil Estado burocrático-socialista rouba impunemente os rendimentos dos indivíduos. A mulher resistia e tentava desviar os seus lábios para o off-shore do amor.

Sim, isto pode não estar perfeito - se calhar, deveria inverter os papéis, porque isto de apresentar a mulher como um ser espezinhado pelo machismo deve ser pecado à luz do anarco-capitalismo, assim uma espécie de desvio feministo-socialista. Mas creio que a ideia fica.

Sendo eu uma pessoa que todos os dias pensa e lê sobre política, há mais vida para além dela. E mesmo que não houvesse, não é preciso estar confinado nas nossas leituras aos nossos quadrantes ideológicos. Aliás a única forma de termos um discurso coerente e racional é ler o máximo de perspectivas distintas. Das duas uma, ou mudamos de opinião porque concluímos que estávamos errados, ou mantemos a nossa opinião, mas desta feita mais sólida e mais nítida - fortalecemos a nossa segurança nas nossas crenças e ganhamos argumentos que antes não tínhamos.


Todos os que se resumem às leituras oficiais ficam iguais aos camaradas do Saramago. Com a desvantagem face a este último de mal saberem falar, quanto mais escreverem romances.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Pedro Arroja é um admirador dos Países Nórdicos - será que de fascista passou a social-democrata?

Mais uma vez, o Portugal Contemporâneo. Utilizando o argumento dos 90% (nos quais provavelmente estou incluído, apesar de ser ateu da silva), afirma o teócrata (gostei da expressão usada por um dos comentadores) Arroja que em Portugal deve o catolicismo ser a religião oficial, tal como em outros países (Dinamarca, Suécia, Finlândia, Islândia, Reino Unido, etc.). Sendo o argumento da maioria um disparate quaria centrar-me mais na comparação descabida com os países nórdicos (será que Arroja se terá tornado um social-democrata ao estilo escandinavo?).
Por que carga de água é que ao Estado há-de interessar os disparates em que cada um acredita? Se 90% das pessoas acreditar que o mundo é controlado por homenzinhos verdes, devemos tornar essa crença oficial? Arrumemos os números, passemos aos factos.

Tornar o estado confessional daria privilégios inaceitáveis à Igreja Católica. Como o referendo ao aborto mostrou, mesmo a maioria dos católicos está em desacordo com os princípios defendidos pela Igreja. Dar a esta instituição um estatuto político era por via antidemocrática instituir-se uma tutela ideológica do Estado. Quanto à comparação com a Dinamarca e outros países nórdicos, já alguém se questionou por que é que os países do Norte são protestantes e confessionais, e os dos sul católicos e laicos? Pois é. É que com estados confessionais de fachada mas progressistas de facto, convive-se bem. Não se convive bem é com anões intelectuais como os católicos, fonte de inúmeras ditaduras e atropelos à liberdade; para tentar controlá-los, foi preciso pôr na lei a separação, quando os do Norte tinham-na posto nos actos e de facto.
Ainda assim, a Igreja Católica controla mais a vida dos portugueses que a Luterana a dos dinamarqueses. Só assim se explica, e pegando não só no caso que referi (aborto) como no que o comentador Euroliberal refere enviesadamente (os casamentos homossexuais); na Dinamarca, o aborto é legal há décadas e as uniões homossexuais datam pelo menos da década de 1980. Na Suécia, há um estatuto reconhecido de união homossexual desde a década de 1940 (se não me falha a memória). Portugal só avançou em ambos os temas no século XXI.
O que eles pretendem - está bom de ver - é ter o estatuto da Igreja Luterana mantendo os hábitos da Igreja Católica.

domingo, 29 de julho de 2007

Kant vê sempre mais longe - Sobre a moralidade e a obediência a um deus

Aqui eu tinha posto três alternativas quanto ao que significa a pretensão de fazer a moralidade dos indivíduos depender da sua religiosidade. Tinha eu dito que havia três hipóteses: ou utilizar espiritualidade e religião na mesma frase era inútil (a primeira engloba a segunda); ou idiota, caso se considerasse que só a religião podia dar um sentido de espiritualidade e moralidade; ou por fim insultuoso, nomeadamente para os que não crêem em seres sobrenaturais como fadas, duendes ou deus(es).

Hoje, ao ler o meu querido Kant, descobri que há uma quarta hipótese. José Manuel Moreira tem por hábito realmente dizer que os não crentes são pessoas duvidosas. No seu péssimo livro A Contas com a Ética Empresarial, cita ele uma passagem de Weber em que um comerciante afirma que se se deparar com alguém que não pertença a uma igreja, não lhe empresta dinheiro algum; quem não acredita em nada pode bem nunca lhe devolver o dinheiro emprestado.
Não vou muito longe, não vou falar dos descrentes que são honrados nem dos crentes que o não são. Não, não preciso de ir aos casos concretos; qualquer pessoa minimamente inteligente sabe que a afirmação em causa e que a sua subscrição por José Manuel Moreira são prova de ausência de faculdades intelectuais.
Mas o mais interessante (e que eu não tinha visto) é que isto é também prova falta de faculdades morais. Diz-nos Kant
subsiste, no entanto, a questão de se não é possível e válido um juramento quando se presta apenas no caso de existir um Deus [...] De facto, os juramentos prestados com sinceridade e de modo reflectido não podem ter sido prestados em qualquer outro sentido.
in A doutrina da religião, como doutrina dos deveres para com Deus, encontra-se para além dos limites da filosofia moral pura - Princípios Metafísicos da Doutrina da Virtude, II - Metodologia ética

Estava eu certo quando falei em imoralidade dos donos da moralidade, embora sem ter captado o alcance da frase. De facto, deveremos depreender da ideia de José Manuel Moreira que, se ele viesse a descobrir que o seu deus não existe, desataria a matar, violar, pilhar, dado que saberia que não haveria um além no qual seria punido? E que, quando evitasse cometer esses actos, fá-lo-ía apenas por receio da punição humana? Não cumpre ele os seus juramentos por respeito àqueles com os quais entra em comércio por dever e por respeito aos outros, mas apenas porque acha que existe um deus que quer que ele o faça?
Ao fim e ao cabo, quando age moralmente, ele fá-lo por moralidade e por obediência a si próprio, por um acto de liberdade individual, ou fá-lo como resultado de uma qualquer coerção, física ou metafísica?
É a dúvida que paira por sobre qualquer pessoa que defenda esta ideia. Disparatada, já o tínhamos visto. E, como Kant nos mostra, para além disso imoral.

A Crise no PSD é maior do que o que se pensava

Um terço dos votos vêm da courela jardinense. Assim, é impossível aquele partido levantar-se.

sábado, 28 de julho de 2007

Afinal, o que fez por nós a Europa?

O Miguel Duarte no Speakers Corner Liberal Social, do MLS, traz-nos este instrutivo filme.

Aproveito também para divulgar o Movimento Europeu e o sítio O que faz a Europa.

Um exemplo de multiculturalismo

O que muita vontade de agradar e alguns clichés culturais produzem.

Participação da BT


sexta-feira, 27 de julho de 2007

Coincidências

Bom, depois de ter escrito dois posts sobre, o tema, eis que...

a propósito de Madeira, a Fernanda Câncio dá-nos hoje, no DN, um belo retrato do Momo

O texto em causa termina assim:
Ele ganha eleições, claro. Todas, e com maiorias absolutas. Mas, segundo ouvi dizer, e dito por gente que o elogia e com ele faz pactos, isso não só não faz dele um democrata como, parece, é péssimo para a democracia. A não ser que tenha dias. Ou geografias.

Ora, segundo eu li nos dois posts do WomenageATrois já referidos, a democracia é o governo da maioria. Sem mais, porque não podemos "ajustá-la à nossa bitola". A maioria vota no PPD-PSD e está feliz da vida com AJJ. E AJJ faz o que lhe dá na gana. Não é isso a democracia? Ou agora já dá jeito ajustá-la a alguma bitola?

Democracia e Relativismo Moral

Na sequência do que tenho lido e escrito no Portugal Contemporâneo e no WomenageATrois, tenho de voltar a escrever sobre a democracia. Vou inevitavelmente cair na repetição, mas espero acrescentar algo ao já anteriormente dito.


Se entendermos a democracia como simplesmente o governo da maioria, caímos no relativismo moral. Iremos aceitar que, porque haja 50% +1 de pessoas a defender qualquer barbaridade que seja (utilizar a bomba atómica, exterminar todos os que não pertençam à maioria; ou, para situações mais terra-a-terra, iremos aceitar que um regime democrático legisle no sentido de introduzir a segregação racial, a pena de morte para os homossexuais ou que as raparigas que já tenham o período sejam obrigadas a casar com quem os pais lhes disserem). Ao fim e ao cabo, se a maioria decidiu, e se a democracia é o governo da maioria, que sentido faz pretender impedir estas medidas? Elas são democráticas. Isso não nos impede de achar que são igualmente democráticas as leis que no país vizinho proíbem tudo isso.

É tudo uma questão de cultura e de democracia. Indo directamente ao cerne da questão, é tudo uma questão de reconhecer que a comunidade tem direitos absolutos sobre os indivíduos. Repescando o que disse anteriormente, o tradicionalismo da direita e o multiculturalismo da esquerda são as duas faces da mesma moeda, a mesma afirmação da eticidade hegeliana. Não há uma palavra a respeito da dignidade do ser humano, do indivíduo. É cultural, ou então É democrático: e com uma frase mágica se resolve qualquer discussão deontológica, que passa a ser marcada com o cunho da arrogância e do desrespeito.

Bom, mais uma vez, vou afirmar isto: a democracia é boa, mas apenas na medida em que defenda os indivíduos. É por isso que ela é boa. Não porque a maioria tenha razão, não porque a maioria tenha alguma legitimidade própria. A democracia é boa apenas quando e na medida em que servir para permitir que cada um seja livre. Quem o contrário afirmar vai ter de aceitar que o Anschluß foi justo, na medida em que 99% da população "votou democraticamente" pela anexação da Áustria. E ninguém tenha dúvidas - se no apogeu do regime nazi se tivesse realizado um referendo, o Holocausto teria sido aprovado. Seria democrático. E lá por isso, seria justo?
A série de questões seria interminável. Por exemplo, fará sentido que se aceite pôr fim a um regime democrático caso 50%+1 dos cidadãos vote pelo fim da democracia? Não? E porque não? Não foi democrática a votação?
Pois é.

Não vingados, mas salvos

[Adriana]
Si tu étais vraiment le fils de cet homme,
Tu l'aurais tué!
Aujourd'hui, j'ai enfin la réponse:
Le sang du meurtrier s'est apaisé en côtoyant le mien.
Aujourd'hui, ma vie, que je croyais perdue,
Est enfin retrouvée.
Nous ne sommes pas vengés, Yonas,
Mais nous sommes sauvés.
Viens, approche-toi, entoure-moi de tes bras!
J'ai besoin de reposer ma tête un instant
Sur une épaule d'homme.


Amin Maalouf, Adriana Mater, final do último acto

Em profunda discordância com o que se afirma no WomenageATrois, aqui e aqui, lembrei-me do final da nova obra de Maalouf, Adriana Mater. É, mais uma vez, uma história de conflito de identidades e de defesa da tolerância. E, muito importante (isto agora vai parecer lamechas, mas vai ter de ser) de perdão. Não há qualquer forma de resolver a questão israelo-palestiniana sem que ambas as partes consigam perdoar. Nem os israelitas nem os palestinianos vão sair dali, e nenhum dos povos poderá ser exterminado sem que o outro o seja também. Apesar de apenas numa circunstância desesperada, Israel e a Fatah podem estar a aproximar-se. Isto não põe em causa todos os erros que fizeram no passado. Apenas significa que deverão ultrapassá-los na medida do possível no presente e ao longo do futuro. Sim, eu sei, é pouco provável. Mas parece estar a ser possível.


Naqueles posts o que consigo discernir são fundamentalmente três coisas:

- confusão entre democracia e ditadura da maioria;

- adesão ao multiculturalismo, que permite a tolerância ao fundamentalismo religioso desde que não seja ocidental (ou seja, cristão ou judeu; se for muçulmano tudo bem);

- bom, e o tradicional e inultrapassável anti-semitismo.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

O Totalitarismo está aí

Eu não sei bem como comentar isto, no que diz respeito ao tema em si. Tudo o que possa dizer parece ridículo. Nem sei como protestar perante isto. A única ideia que me ocorre é simplesmente que os europeus façam os possíveis por não terem de ir àquele país.

Depois há a questão lateral e formal, mas ainda assim importante: este acordo é obra da Comissão Europeia, órgão burocrático e sem qualquer legitimidade democrática e que, como não está sujeito ao escrutínio dos cidadãos, pode fazer todas as imbecilidades que quiser. Em contrapartida na mesma notícia se afirma que
Na semana passada o Parlamento Europeu declarou que o tratado é “incompatível com os princípios básicos europeus” e que é “lamentável” o fato de que “os dados pessoais de cidadãos da UE sejam tratados de acordo com a legislação dos EUA”.
Os deputados europeus também criticaram a notícia de que Frattini estaria planejando adotar o mesmo esquema de intercâmbio de dados de passageiros aéreos entre os 27 países da UE.
Reforço mais uma vez a crença da necessidade de uma reforma democrática da UE. Como estamos, não vamos a lado nenhum. A menos que o precipício do totalitarismo possa ser aceite como destino.

Fukuyama: A Débâcle Conservadora e o Idealismo Progressista

Francis Fukuyama fartou-se de dizer disparates e fazer projecções falhadas. A História não acabou (bem pelo contrário, está infelizmente mais viva que há dez anos atrás) e o Iraque foi um desastre. Aliás, foi o resultado da invasão do Iraque que fez com que Fukuyama mudasse de opinião e tivesse escrito o livro America at the Crossroads: Democracy, Power, and the Neoconservative Legacy. Vou esquecer o facto de Fukuyama ter dito que, mesmo que o Iraque não tivesse qualquer ligação com o movimento terrorista que produziu o 11 de Setembro, deveria ser invadido. Vou centrar-me no essencial, que é a sua (nova) mensagem. A mensagem para ele é nova, mas para outras áreas políticas que não a conservadora, é o ponto nevrálgico da sua visão da política internacional, sendo por isso o que andam a dizer há anos durante os quais foram tratadas como utopistas.
Em boa verdade, esse utopismo é para mim prova de um grande pragmatismo, mas já lá vamos. Antes de prosseguir, queria só fazer uma destrinça entre as três principais correntes de política externa americana: o idealismo conservador, o realismo e o idealismo progressista ou liberal. São divisões que obviamente não são estanques. O idealismo conservador, que teve como período de maior esplendor a presidência Reagan, rege-se por uma perspectiva musculada e militarista da política externa. Visa também objectivos claramente ideológicos (por exemplo, "promoção da democracia", embora isso muitas vezes significa o derrube de democracias em países satélite que estejam a seguir políticas de esquerda, substituindo-as por ditaduras) O actual presidente Bush é um seguidor desta corrente. O realismo, que atingiu o apogeu com Nixon e Kissinger, filho da realpolitik europeia (de quando a Europa tinha poder militar) defende uma abordagem "pragmática" das relações internacionais: as potências são as que existem, vamos tentar conviver com elas. Isso levou a uma aproximação à China de Mao e a um relativo "baixar de braços" face à URSS. Por fim, o idealismo progressista caracteriza-se por uma defesa da cooperação, do direito internacional e da aposta no soft power (no poder infra-estrutural) em vez de optar pela via belicista. O representante maior será Wilson, embora também tenha tido outros períodos, como Kennedy ou até Bush pai (de facto, a invasão do Iraque foi assente numa busca de compromissos de uma aliança multinacional, que é completamente distinta da política seguida pelo filho).

Precisamente, vem de há uns dois anos a esta parte Fukuyama a defender um wilsonianismo realista. É um facto que Wilson pecava por excesso de idealismo, razão pela qual falhou perante as potências europeias, elas por seu turno excessivamente realistas (e não no sentido americano) - no entanto, este acrescento da palavra "realista" mais parece dificuldade do autor em aceitar o erro passado.
Em todo o caso, o que interessa é que Fukuyama cedeu à evidência: a força bruta não resolve em si mesma nada e, bem pelo contrário, pode ser completamente contraproducente. O que será pois necessário fazer, será mudar de paradigma de política internacional. Quanto aos Estados Unidos, isso será um problema fundamentalmente deles. Agora, que deve a UE fazer? Entendo que há simultaneamente três coisas que se pode fazer, e nenhuma delas é propriamente inovadora. Há que utilizar o poder infra-estrutural, há que garantir a capacidade de utilizar o poder coercivo e há que não cometer determinados actos. E sim, isso também é uma forma de exercer poder.

Dentro do poder infraestrutural (soft power) a União Europeia vai ter de ser capaz de abrir os cordões à bolsa. Os países ACP - aqueles com os quais a Europa tem maior relação entre os países sub e em desenvolvimento - e em particular os países africanos deverão ser alvo de uma política mais criteriosa e coordenada de ajudas ao desenvolvimento. Há algumas coisas que terão de ser feitas - melhoria de transportes e comunicações, sem as quais a economia desses países continuará estrangulada - mas muito mais importante que isso há o próprio cerne dos grandes confrontos políticos actuais. Os confrontos não se dão hoje entre exércitos nem tampouco entre economias nacionais. É na cultura que se joga tudo. Quantas madrassas - que hoje no Sahel estão a formar em fornadas de centenas e milhares de crianças os terroristas de amanhã - seriam fechadas se a Europa financiasse a construção de escolas e mantivesse parte dos custos com os professores? O mundo islâmico tem uma política muito clara a respeito de África, tal como a China. Ambos estão a sedimentar o seu poder em países em que tudo está por fazer e que a qualquer momento poderão pender para qualquer potência. Esta é, para mim, a primeira trave mestra de um idealismo progressista. Que, como se pode ver, não tem nada de utópico e muito de realista.

Quanto ao poder coercivo (hard power, neste caso poder bélico) ele deve servir essencialmente não para ser utilizado sempre que um governante extravagante chega ao poder, mas para garantir que determinados procedimentos internacionais são respeitados. Isto implica que este poder possa ser exercido, e até tenha de o ser em determinados casos - mas apenas em último recurso. Fukuyama, a respeito dos Estados Unidos, pretende dizer isso mesmo. No caso europeu, no entanto, teríamos de pôr a lógica um pouco ao contrário: não ter medo de, em casos extremos, usar o poder bélico. Foi a cobardia europeia que levou a mais de um massacre na Bósnia (pode alguém mentalmente são enviar capacetes azuis desarmados ou com ordens para não disparar?). Em todo o caso,o que deve ser retido é que o poder bélico deve ser um meio de garantia do direito internacional e não um fim em si.


Por fim, a omissão é a minha parte favorita. Digo favorita apenas porque é aquela que é menos referida. De facto, pode-se fazer imensas intervenções humanitárias. Pode-se construir centenas de escolas. Se a economia dos países subdesenvolvidos não puder arrancar, nada feito. A maior ajuda que a Europa (e os Estados Unidos) poderia dar, e simultaneamente a mais benéfica de forma imediata para os cidadãos europeus seria pôr um fim ao regabofe chamado PAC, deixar de subsidiar os produtos agrícolas, deixar que os agricultores europeus (a maior parte dos quais está longe de ser pobrezinha) mostrem o que valem e se conseguem ou não ser competitivos, e deixar entrar os produtos agrícolas dos países ACP. Enquanto isto não acontecer, não haverá ajudas internacionais que valham ao Terceiro Mundo, que continuará a endividar-se e a ser governado por elites cleptocráticas sempre amigas dos mais obscuros interesses políticos (ocidentais e não só).


No fundo, foi preciso andarmos mais de dois séculos para chegarmos à mesma conclusão a que os iluministas já tinham chegado. A paz depende de três coisas: instrução universal, direito cosmopolita e comércio livre.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Eles sabem tudo, eles sabem tudo, eles sabem tudo e não lêem nada - Parte III

Por fim, e novamente, confundem liberalismo e conservadorismo, afirmando que o liberalismo defende a tradição. Chegam ao ponto de afirmar que Churchill era um bom liberal. Churchill era um conservador. Aliás, eu creio que ele sabia o que fazia quando se filiou nos conservadores. Os pseudoliberais, pelo contrário, devem achar que o senhor estava redondamente enganado, dado que eles sabem que ele é liberal, não conservador. A menos que achem que o Partido Conservador é na verdade liberal e que achem que os conservadores estão colectivamente enganados, designando-se como conservadores quando em boa verdade são liberais.

Não compreendo como é que alguém se pode dizer simultaneamente liberal e tradicionalista, quando o liberalismo é a negação da tradição e a afirmação do indivíduo - mas esse é o drama de sermos portugueses. O único país em que ser liberal é o contrário de ser liberal.
O melhor conselho a dar é que deixem de ler sempre e apenas dois ou três autores sempre com as mesmas inclinações, diversificando as leituras, introduzando o conflito em si próprios e tentarem raciocinar sobre o conhecimento absorvido. Por fim, deveria ser suficiente ir ver como se comporta a esmagadora maioria dos partidos liberais e o que eles defendem. Asseguro que muito poucos porão o peso da tradição à frente da liberdade do indivíduo.
Claro, há sempre o último reduto do pensamento dogmático: é o mundo inteiro que está errado, eu que estou certo. Se isto não é paranóia, não sei o que será. Haverá por aí um psicólogo ou psiquiatra que me ajude a diagnosticar a doença?

Eles sabem tudo, eles sabem tudo, eles sabem tudo e não lêem nada - Parte II

Outra das questões levantadas é uma espécie de relativização da democracia sendo que na verdade nunca se percebe onde querem chegar. A única coisa que é possível saber com toda a certeza é que nesse blogue se afirmou que os melhores períodos da História de Portugal e de Espanha foram os governos de Salazar e Franco.

A democracia é a regra da maioria. Isto não significa que a democracia seja sempre o melhor caminho nem o objectivo final. O objectivo final deve ser um conjunto de direitos e de liberdades de que a democracia tem demonstrado ser normalmente a melhor defesa. Normalmente não significa sempre.
Prova disso é, para dar um exemplo muito recente, o de Saddam. O motivo principal pelo qual estive contra a invasão do Iraque foi o facto de a queda de Saddam levar inevitavelmente ou à anarquia ou à teocracia. Sem grande prazer confirma-se que eu estava certo. Curiosamente, entre os conservadores (que em Portugal se dizem "liberais"), que tanto trabalho têm em afirmar que a democracia não é o objectivo final e que depois se dedicam a relativizar o conceito de democracia o que eu disse a respeito do Iraque nem lhes passou pela cabeça. É o problema dos automatismos. Os comunistas tinham o mesmo problema em relação à URSS.

Para mim, a democracia é apenas um mecanismo quase vazio de valores. Historicamente, foi preenchido com valores como o do pluralismo ou da tolerância, mas isso são representações às quais não chamarei etnocêntricas pois sou um humanista e um universalista, mas são pelo menos fruto de um período particular de um conjunto particular de países. No entanto, foi o voto democrático que levou ao poder Hitler, McCarthy e esbirros, Chávez e dezenas de outros tiranos e tiranetes. A democracia pressupõe valores como o respeito da oposição, mas pouco mais. E mesmo isso nem sempre é respeitado. De modo que eu nunca ponho a defesa da democracia em primeiro, mas em segundo lugar. Em primeiro, está a liberdade. Ora, justamente, no Iraque era eu da opinião que Saddam defendia melhor a liberdade de grupos como minorias religiosas ou as mulheres, devido ao passado laicista do Bahas; pelo contrário, a queda de Saddam levaria ao caos ou à eleição de um governo antidemocrático fundado na religião e na tradição, portanto, contra a liberdade dos indivíduos. Quanto às intenções dos neocons, os seus interesses económicos ainda foram os menos estúpidos. O idealismo conservador, ao contrário do que sucedeu com Reagan, falhou redondamente.

Eles sabem tudo, eles sabem tudo, eles sabem tudo e não lêem nada - Parte I

Tenho estado em alegre troca de argumentos no Portugal Contemporâneo. Para além da descoberta de um verdadeiro espécime anti-semita (Pedro Arroja), tenho tido o prazer de verificar várias coisas profundamente extravagantes - por comuns que sejam, não deixam de ser extravagantes.

Uma delas, é sobre Rousseau. Conseguem num mesmo blogue citar Allan Bloom e defender Rousseau. Como? Simples, como bons neocons/neolibs que são, citam muito mas não lêem nada. Se acaso tivessem lido Allan Bloom, saberiam que ele era um grande admirador de Rousseau e um seu seguidor.
Eu li o livro em causa e posso dizer que Bloom não é o idiota que os neoconeiros tentam mostrar. Ele diz muitas coisas bastante polémicas (aliás, só por isso é que um livro que ele pensava que iria ficar reduzido a uns poucos milhares de leitores se tornou um sucesso), mas o seu polemismo dirige-se tanto à esquerda como à direita. Nomeadamente, é difícil encontrar paralelos na violência da sua crítica da estupidez economicista. O seu humor na caracterização dos MBA é impagável. A sua defesa de Rousseau daria muitas dores de cabeça aos neoconeiros, acaso eles alguma vez lessem o livro em causa, em vez de se limitarem a copiar citações elas próprias já copiadas de algum lado. Por fim, se os neoconeiros sequer imaginassem que Bloom era um homossexual assumido que vivia maritalmente com o seu namorado, aí, eram ataques cardíados sobre ataques cardíacos.
Indo a Rousseau directamente, o conceito de volonté générale enquanto ditadura da maioria é uma ficção da direita a respeito de Rousseau. O seu verdadeiro significado até poderia parcialmente agradar à direita, dado que ela não consiste no somatório da vontade popular, mas antes no "verdadeiro interesse" da nação. Está tudo lá, no Contrato Social. Livro II, início do Capítulo III. Se ao invés de se fazerem passar por tipos cultos, eles fossem de facto tipos cultos e fossem ler os livros ao invés de se basearem no que os seus professores e ideólogos afirmam, diriam menos disparates.
De resto, Robespierre fez questão de dizer que o que ele defendia nada tinha que ver com Rousseau (o que só abona em favor deste último), ao afirmar que é escusado procurar noslivros dos escritores políticos que nada viram da revolução francesa qualquer princípio, pois aquela seria uma realidade absolutamente nova. Se Robespierre admirava Rousseau? Sim. Mas, tal como Robespierre, também homens como Constant o admiravam. Rousseau foi um dos últimos homens de Saber, ou seja, um dos últimos a tocar todos os principais ramos do saber. O último, como o assumidamente rousseauniano Allan Bloom afirma, terá sido Goethe. Só um mentecapto pode não gostar de Rousseau - mesmo que não concordemos com ele.


Já agora, deixo a seguinte citação de Benjamin Constant: Evitarei decerto a companhia dos detractores de um grande homem [Rousseau]. Quando, por acaso, pareço concordar com eles em algum ponto, desconfio de mim mesmo; e, para consolar-me de haver aparentemente compartilhado a sua opinião [...] quero renegar e repudiar o mais possível esses pretensos colaboradores.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Adeus, Cavaco Paintshop, olá (de novo) Cavaquismo

Mais uma vez, aquele que considero um dos melhores blogs portugueses chama a atenção para uma questão de primeira importância. Recorrendo à legislação e a citações de Cavaco o Devaneios Desintéricos demonstra a gravidade da atitude de Cavaco Silva na sua reacção ao desafio que Alberto João Jardim lançou contra o Estado de Direito, a Constituição e o Estado. Mais do que uma questão de defesa dos direitos dos e das madeirenses, isto é uma negação dos princípios mais básicos sobre os quais assenta o Estado português.
Cavaco Silva, ao invés de cumprir as suas funções, remete a questão para os tribunais e prossegue com um elogio às políticas natalistas do governo. Não tenho nada contra políticas natalistas. Bem pelo contrário, creio que deveriam ser bastante mais vigorosas. Não confundo questões distintas: a defesa do direito ao aborto e a defesa de melhores condições para que quem queira ter filhos, os possa efectivamente ter.

Nunca gostei da foto de Cavaco que aqui está. É muito paintshop. É daquelas fotos que se percebe imediatamente que foi trabalhada, sortindo por isso o efeito contrário ao desejado. Em boa verdade, também nunca gostei muito de Cavaco. É um tecnocrata e por conseguinte não convive lá muito bem com a Democracia. Tolera-a - e apenas o estritamente necessário. Durante a campanha eleitoral ele e os seus marketeiros fizeram o possível por apagar a imagem negativa que as cargas policiais, a arrogância e a colonização dos aparelhos de poder deixaram sobre o cavaquismo. Não sei se conseguiram fazê-lo - tenho dúvidas sérias que o voto em Cavaco não tenha sido o voto na Autoridade e na Ordem. Mas tentaram. Ao longo deste ano e meio de presidência, para além disso, Cavaco Silva tem mantido uma postura muito institucional, fonte de desilusão para o PSD, que apesar de ter tentado dizer que Cavaco seria o presidente de todos, secretamente esperavam por uma revanche contra os anos de Soares e contra o final de Sampaio.
Foi ano e meio em que, no fundo, a imagem deste Cavaco paintshop se manteve mais ou menos inalterada. Eu próprio fiquei surpreendido. A sua modestíssima intervenção aquando do referendo do aborto deixou-me algo absorto: Cavaco afinal não é Cavaco!, pensava eu. É preciso ser muito estúpido.

Sem querer, Alberto João Jardim conseguiu o que mais ninguém tinha conseguido: fazer estalar o verniz, que é como quem diz repôr os pixels de Cavaco outra vez no seu sítio correcto. Cavaco afinal é Cavaco. Ele não está aqui para desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa - ele está aqui para ser ele próprio e passar por cima do que for necessário para o conseguir. Esse é o Cavaco que conhecemos. Foi nesse Cavaco que votámos. É um facto que não interveio para obstruir o referendo. No entanto, tudo o que ponha em causa a vontade popular merecerá da sua parte, está visto, uma passiva anuência. A mesma que, não o fazendo corrupto, permitiu que muitos dos seus ministros fossem de índole altamente duvidosa. Sim. Já o reconheço. Está tudo lá. Que bom saber que há coisas que nunca mudam!
Esta atitude faz-me lembrar a de Freitas do Amaral perante os cartoons dinamarqueses. A arrogância no desempenho das funções, a parcialidade e o desrespeito pelas suas obrigações mereceram-me na altura o desejo da sua demissão. A sua função era defender os tratados que obrigam o Estado português (e que nos ligam, pela NATO e pela UE, de forma muito estreita ao Estado dinamarquês), não era escrever artigos de opinião fundados nas suas opções religiosas em nome do Estado.
Da mesma forma, a função de Cavaco Silva é defender o Estado, a Constituição e a Lei, não é remeter a questão para os tribunais apenas porque ele é contra a legalização do aborto.
Pena é que os Presidentes não possam na prática ser demitidos. Este sê-lo-ía, por manifesta incompetência.

A imoralidade dos donos da moralidade

"Isso requer autocontrole e, portanto, influências religiosas e espirituais"

Espirituais, tudo bem. Espirituais pode significar várias coisas. Simplesmente, espirituais torna religiosas ou inúteis ou manifestação daquele princípio não só idiota em si como insultuoso.
Por partes:

- Inútil, porque engloba a religião, ultrapassando-a no entanto. Eu posso guiar-me por princípios espirituais e ser ateu. Aliás, a percentagem de ateus que têm valores espirituais firmes deve ser exponencialmente superior à dos crentes. Isto tem que ver com a alegada pelo próprio Lord Acton superioridade das minorias. Ao passo que a maioria das pessoas se afirma crente nalguma religião, fá-lo sobretudo por adesão irreflectida e por aquilo que eu costuumo chamar falta de livros. Não quer dizer que se lesse e pensasse muito, não chegasse a conclusões semelhantes e assim permanecesse religiosa. Significa que nunca pensou no assunto de forma profunda. Pelo contrário, a maior parte dos ateus lê e reflecte sobre o assunto - razão pela qual os ateus são tão criticados pelos crentes - e quase sempre adere a correntes filosóficas de algum tipo, nomeadamente àquelas que lhe parecem melhor fundamentar o seu ateísmo. Isto incute-lhes uma moralidade instruída e inteligente. Não estou a dizer que entre os crentes não haja gente assim. Digo que, ao passo que entre os ateus essa é a regra, entre os crentes essa é a excepção.

- Idiota se se conceber que a espiritualidade só pode ser religiosa. Não só (pelo que acabei de dizer) isto é tremendamente falso, como torna (se for esta a opinião) por sua vez, a palavra espirituais inútil e mera verborreia.

- Por fim, insultuoso porque se se entender que só as pessoas que tenham alguma crença religiosa têm autocontrole, capacidade de ser livres e de respeitar a liberdade alheia, não só se põe em causa boa parte da História da Humanidade (em que a religião sempre foi fonte de opressão e de violência) como significa dizer que os ateus e os agnósticos são seres imorais ou (disparate dos disparates, dado que não há ninguém que o seja) amorais.

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Campanha Europeia pelo Referendo Europeu



Assinem a petição.

Concordo com a iniciativa porque não só defende a realização de um referendo, como defende a realização de um referendo europeu (não uma sucessão de referendos nacionais). A razão para isto é que como o processo tem caminhado, as discussões concentram-se sobre questões de política interna e com perspectivas de curto prazo. O que está em causa é dotar (ou não, para quem for contra, embora não seja esse o meu caso) a Europa de um documento simples, claro, que oriente as suas instituições e estabeleça os deveres e direitos dos europeus enquanto tal.
Para além disso, a realização de um referendo nestes moldes daria corpo real à expressão cidadania europeia.
Uma outra questão, com a qual eu também concordo mas que admito que outras pessoas possam estar contra, é a defesa da (de uma) Constituição europeia. Será uma questão lateral, dado que o primeiro combate é conseguir que as principais forças políticas resolvam deixar de paternalizar os europeus.
Esta iniciativa foi lançada pela União dos Federalistas Europeus e pelos Jovens Federalistas Europeus.

Libertarianismo e Liberalismo parte II e 1/2 - Hegelianismo Moral de Esquerda e de Direita

Gostaria de retomar a reflexão sobre o libertarianismo e o liberalismo, fazendo no entanto uma digressão por dois campos que estão fora do liberalismo mas que o definem pela negativa, o conservadorismo e o socialismo. Era algo que já estava em rascunho mas que não tinha concluído e que o confronto com o livro de Ayaan Ali me leva a retomar.
Tratando-se esta minha reflexão sobretudo um ataque à infeliz mania portuguesa de chamar liberalismo ao libertarianismo, concentrar-me-ei na exposição do pensamento conservador, mas o foco deste texto é outro: a afirmação de que a raiz do multiculturalismo de esquerda e das posições morais conservadoras sobre a tradição são a mesma.

Para Edmund Burke, os direitos de gozar dos benefícios da constituição da sociedade civil pertencem a todos os homens: os direitos são iguais para todo o homem, independentemente de se tratar de um nobre, de um burguês, de um homem do povo. Esses direitos são a justiça, o direito de ser julgado apenas pelos pares (defesa de uma Sociedade Ordens), o direito aos frutos do seu trabalho e a multiplicar esses frutos, bem como a conservar tudo o que os seus parentes lhe houverem legado. Todos os homens têm direito a alimentar e instruir a sua prole, e intruir-se também. Tem, por fim, o direito de ser consolado e acompanhado na sua morte. Em suma, ele tem o direito de fazer tudo aquilo que não lese os direitos de outrem. No entanto, a distribuição destes direitos, dos bens (materiais e imateriais) resultantes da associação política, não é igualitária, mas antes proporcional à contribuição que cada um dá ao conjunto. Os benefícios serão assim distribuídos na exacta proporção da contribuição que cada indivíduo der à sociedade. Posto isto, convém clarificar que Burke distingue direitos naturais, directos e originários, que pertencem a todos independentemente do estatuto social, e direitos convencionais, os direitos que resultam da associação dos indivíduos em corpos políticos. Assim, o direito a uma parte da autoridade, como direito convencional, depende dos termos dessa convenção, da “constituição”, e como já se viu, esse direito está consagrado àqueles que possuam o talento e a propriedade, e não a qualquer um. E esta regra, Burke defende-a afirmando que os homens não podem gozar concomitantemente dos direitos do estado natural, e dos direitos da sociedade civil: ao constituirem sociedade, os homens aceitaram implicitamente que o poder será entregue a alguns apenas. Um outro direito por Burke defendido é o direito à limitação das paixões, ou seja, a garantia dos outros direitos. E o autor não se refere apenas à moderação das paixões ou arrebatações pessoais, mas também tudo aquilo que faça com que os homens ajam colectivamente e em massa. Para tal, será necessário um poder independente, ou seja, algo que esteja acima destas paixões, e ao qual por isso seja confiada a competência de dominar e reprimir tudo aquilo que ponha em causa a ordem. Por fim, diga-se que Burke considera que os direitos (que incluem liberdades tal como restrições) são variáveis ao longo do processo histórico e sofrem constantes modificações. Salvaguarde-se e sublinhe-se ainda que os direitos que Burke defende são os direitos dos ingleses, e não da Humanidade: amante do concreto que é, não poderia enunciar um conjunto de direitos que valessem de forma universal em todas as sociedades.

As Reflexões de Burke são feitas sob a pressão das críticas que os britânicos simpatizantes da Revolução Francesa fazem à Constituição histórica da Inglaterra. Desta forma, este texto não pode ser entendido apenas como um escrito académico, mas também como um escrito de combate político, de resposta aos ataques dos sectores radicais. Um dos temas principais do debate entre Burke, por um lado e Paine e Price por outro foi a interpretação da Revolução francesa face à Glourious Revolution. Se os segundos afirmam que a transformação que a França conheceu no final do século XVIII é um desenvolvimento e um aprofundamento – uma consequência natural – da revolução britânica de há um século atrás, Edmund Burke contrapôs a sua visão, centrada na defesa de uma diferença distintiva fundamental: é que a revolução de 1688 visou restaurar uma situação anterior; a revolução que estala em 1789, pelo contrário, teve como objectivo criar uma nova ordem, aniquilando a ordem construída pelos homens ao longo da História. Há, por conseguinte, uma oposição frontal entre um paradigma racionalista e progressista e um paradigma empirista e conservador.

Hegel defendeu, contra Kant (e à semelhança de Burke) a eticidade, ou seja, a concretização da ética nos valores e princípios próprios de cada comunidade. Este conceito de eticidade não só se adapta ao pensamento conservador como também, como é sobejamente conhecido, o hegelianismo influenciou o pensamento de Marx e por via deste, boa parte das modernas correntes socialistas. Quanto as Direitas atacam o multiculturalismo de Esquerda não o fazem por discordância com o sentido profundo do multiculturalismo, mas sim pelos seus opositores políticos pretenderem universalizar o respeito pelas diversas manifestações culturais. Por seu lado, as Esquerdas confundem-se nas suas tendências humanistas e na sua defesa do universalismo. No fim, ao invés de defenderem o universalismo racional, defendem o pluralismo de subjectividades contraditórias entre si e, bastante mais grave, contraditórias muitas vezes com os ideais que deveriam mover as Esquerdas.

É por este motivo, de resto, pela sua relativa imunidade face ao pensamento hegeliano que o liberalismo consegue ser o melhor defensor da moralidade kantiana, ou seja, do pensamento crítico-abstracto que pugna pela obrigatoriedade do respeito por mínimos éticos. Com isto não quero escamotear o contributo do socialismo e do conservadorismo democráticos na defesa dos Direitos Humanos, mas vivemos em tempos interessantes. Tempos interessantes são aqueles que são agradáveis de analisar e desesperantes para se viver. Ora, é interessante que Ayaan Ali tenha sido tratada como foi pelos Trabalhistas e acolhida pelos Liberais.

O que é um Técnico

Aqui faz-se uma apologia dos técnicos e, na prática, uma negação da política. Este tipo de atitudes dá-me comichões terríveis, desde logo porque denuncia ou um certo ódio à democracia e uma completa incompreensão do que é a política.

Levanta-me, para além disso, uma série de questões que expus nos comentários ao texto mas que transponho para aqui.


para que se possa devolver o exercício do poder aos técnicos, aos sábios

Concordando eu com a descrição que no texto é dada dos partidos, esta frase até me arrepia.


  • Em primeiro lugar, o que é um técnico?
  • Em segundo lugar, quem disse que os técnicos são sábios?
  • Em terceiro lugar, quem disse que a política tem que ver apenas com técnica e não com valores?
  • Se aceitarmos que a política também tem que ver com valores, quem disse que os técnicos são as pessoas mais indicadas para definir os valores prioritários?
Claro que muito das respostas dependerá do que se entender por "técnico" (pode a definição de técnico ser tão vasta que inclua as figuras que a seguir refiro, mas nesse caso fica-se sem se perceber por que foram chamados de técnicos) mas os políticos competentes, os grandes estadistas e políticos não eram "técnicos" e alguns deles pouco fizeram ao longo da sua vida senão política: lá fora, Churchill, Roosevelt, De Gaulle ou até Tatcher, que presumo que seja uma figura simpática a muitos dos tecnocratas e que era uma engenheira química, portanto de gestão de países pouco ou nada sabendo por não era uma técnica. Também presumo que adorem Reagan, e ele de técnico nada tinha, a menos que se refira a técnicas de artes dramáticas. Cá em Portugal, Soares ou Sá Carneiro não se distinguiram propriamente pelo seu brilhantismo académico ou profissional, mas pela sua sistematização ideológica, coragem e capacidade de mobilização.


Manuela Ferreira Leite, essa sim, é uma técnica. No entanto, pode alguém seriamente acreditar nela (mesmo que simpatize com ela) para tirar o PSD do buraco?

Contra o fascismo religioso

Publicado no Serviço Social Português um texto de Teresa Sá Couto sobre o livro de Ayaan Hirsi Ali. A ler (o texto e o livro).

A rebeldia de uma mulher islâmica
Autobiografia da somali
Ayaan Hirsi Ali
Ayaan Hirsi Ali nasceu em Mogadíscio, Somália, em 1969 e cresceu sob o jugo de um islamismo medieval que purifica as raparigas «amputando-lhes o clítoris e retalhando-lhes ou nivelando-lhes os lábios do sexo e toda a zona cozida deixando-se apenas um pequeno orifício para a urina sair», e que lapida mulheres.Já adulta, a sua bússola da liberdade indicou-lhe a fuga para ocidente. Na Holanda, formou-se em Ciências Políticas, foi deputada da Câmara Baixa do Parlamento holandês pelo Partido Liberal, e fez da denúncia uma missão. Escreveu o argumento para o filme Submission do realizador holandês Theo van Gogh, assassinado em 2004 por um muçulmano radical. Com a cabeça a prémio, mas insubmissa, vive actualmente nos Estados Unidos sob vigilância de dois guarda-costas, e desloca-se em carros blindados. Surge agora em Portugal, contada na primeira pessoa, a vida desta mulher que ecoa gritos de muitas outras: Uma Mulher Rebelde – no original Infidel – é a autobiografia de Ayaan Hirsi Ali, um retrato vivencial da condição feminina nos países liderados pelo ditame masculino accionado com o fanatismo islâmico. Um retrato corajoso, com crítica social, política e religiosa, em 353 páginas inquietantes.

Acrescento também um filme da Fox, que no entanto por ser demasiado americano (com considerações de moralismo barato por Ayaan ser ateia) tem de ser complementado com uma entrevista decente (ou seja, francesa).



Por fim, merece destaque o blog http://ayaanhirsiali.web-log.nl/ayaanhirsiali/english/index.html. Excerto:

In 2002, in the wake of the September 11 terror attacks, Hirsi Ali, having renounced Islam, was working on immigration issues for a Labour-aligned think tank. She had left a lucrative corporate job with the drug manufacturer GlaxoSmithKline, such was her commitment to progressive values.
In a policy paper, she urged the closure of The Netherlands’ 41 Islamic schools — many of which were indoctrinating young Muslims with hatred towards the society that had given them refuge — and the reform of Article 23 of the Dutch Constitution, which endorses the multicultural principle of ‘ integration with maintenance of one's own identity.’ As The Guardian
reported, ‘Jaws hit the table. The reaction she got indicated how badly she had started trampling on taboos.’
Throughout the 1980s and 1990s, Labour and other Parties of the Left had competed for support among Muslim communities, including some of the most reactionary. A young Labour official, of Moroccan background, had even endorsed the
banning of Aisha, a critical play about the nine-year-old wife of the Prophet Mohammed.
By contrast, Hirsi Ali, a young woman with impeccable life credentials — including working as a social worker among Muslim women who had been brutalised within their officially mandated ‘distinct communities’ — became too controversial and problematic for Labour. ‘I called it the paradox of the Left,’ she told The Guardian. ‘On the one hand they support ideals of equality and emancipation, but in this case they do nothing about it; they even facilitate the oppression.’

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Posição do Parlamento Europeu a respeito das Excepções


Encontrei uma notícia no CaféBabel que talvez convenha ler.

the European Chamber expressed its 'concern' as to why the Member States 'can invoke the exception of the application of the European Charter of Fundamental Rights in their territories'. This statement clealry refers to the United Kingdom and Poland

Para além da relevância que tem o facto de o PE poder vir a ser uma âncora contra o enterrar dos Direitos Fundamentais dos europeus, é também de realçar o ataque que lhe está a ser feito por instituições com bastante menos (no caso dos governos nacionais) ou nenhuma (no caso da Comissão) legitimidade democrática.


O radical Marco Cappato, que desempenhou papel de primeiro plano na oposição ao desrespeito de que o Parlamento Europeu foi alvo neste processo, integra-se na Lista Emma Bonino, sendo deputado pela ALDE e tem no seu currículo mais do que uma prisão, a última das quais pela defesa dos direitos de manifestação e pela luta contra a homofobia na Rússia.

Publicação no CaféBabel


Foi há umas horas publicada no blog da equipa de Lisboa do jornal online CaféBabel.com (rede multilingue e transeuropeia envolvendo centenas de participantes em dezenas de países europeus) a notícia relativa ao protesto contra a excepção moral polaca e a resposta do PSE. A ler, aqui.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

A Resposta de Anna Colombo


Considerando-me um europeísta, uma das razões pelas quais eu tolero tão bem a asfixiante burocracia europeia e o prazer que tem em imiscuir-se em coisas tão interessantes como a produção de caracóis ou as características das maçãs é precisamente porque a alternativa à UE é a barbárie. É óbvio para mim que muita da legislorreia eurocrata também pode ser necessária, evitando situações de dumping que distorceriam a livre-concorrência.

Agora, o que é necessário é que a UE de facto cumpra estes objectivos: combata o dumping e evite a barbárie. O novo tratado não garante nem uma nem outra coisa. Num extremo, Sarkozy quer pôr a concorrência na gaveta; no outro, direitos sociais básicos estão longe de ser garantidos.
No entanto, pior que não garantir um mercado aberto mas guiado pela satisfação das necessidades humanas e que por isso seja livre sem esmagar os indivíduos é a possibilidade de nem sequer a dignidade intrínseca do indivíduo ser garantida. A excepção moral polaca, a ser incluída no novo tratado, será o prego que faltava no caixão da legitimidade da UE.

Aderindo à corrente de e-mails que partiu da blogosfera, enviei o texto transcrito para as diversas entidades. Obtive (tal como outros que procederam ao envio do e-mail) célere resposta do grupo Socialista, em que se afirma que In this respect we fully share your concerns about the derogation granted to Poland in the field of fundamental rights. We do believe indeed that this derogation may lead to double standards in Europe, and this in a policy area at the very heart of our ethical values.Therefore I can ensure you that our Group will carefully follow the work of the IGC, especially with regard to this matter.


Esperemos que a ALDE siga o mesmo exemplo. Quem quer que aceite a excepção moral polaca estará a trair de forma directa e insuperável tudo o que vale a pena na Europa.

terça-feira, 17 de julho de 2007

Contra a Excepção Moral Polaca

Via Devaneios Desintéricos soube que está a ser realizada uma iniciativa contra a excepção moral polaca que terá partido do Coroas de Pinho. Naturalmente, já cumpri a minha parte, e incentivo todos a fazerem o mesmo.

Dear Mister/Miss ...,
Europe, as a community united around common political institutions, stands on the principles of Freedom, Equality and Fraternity, respect for Human Rights and the rule of Law. These are essential values of the European process and union and criterions to which applying countries must abide before becoming members and, as such, it is only natural to expect that a new European treaty would uphold those same principles. That is not, however, what one concludes when reading a clause of paragraph 18 of the draft document approved still during the German presidency that seeks to establish a legal exception that allows the Polish government to, according to its particular moral standards, determine if the citizens of Poland may or may not appeal to the European courts.If this clause makes it to the final version of the new European treaty, it will, in practice, pronounce the end of the rule of Law in the European Union and, as a consequence, the disrespect of one of the basic principles on which a united Europe was built. It would equal to an acceptance that fundamental Rights and Duties apply differently to different European citizens depending on the private moral standards of the members of their national governments. It would equal to an acceptance that the right to appeal to a European court would depend on the moralist approval of a national executive. It would, in the end, be reason enough to ask why is Turkey denied the right to be part of the European Union based on its disrespect of Human Rights when Poland is allowed an exemption on that same topic.As such, as a European, I come to ask you to prevent the inclusion of that clause of paragraph 18 in the final version of the new European treaty so that it may preserve and uphold the principle that in the European Union fundamental Rights and Duties apply to all its citizens regardless of their nationality, political opinions, race, religious belief, gender or sexual orientation.
Signed,
Segue-se a lista de destinatários e respectivos endereços para onde devem enviar a mensagem. Enviem para todos eles de modo a maximizar o protesto:
Durão Barroso, Presidente da Comissão Europeia: sg-web-president@ec.europa.eu
Anna Colombo, Secretária-Geral do Partido Socialista Europeu: anna.colombo@europarl.europa.eu
Maria D'Alimonte, Secretária-Geral da Esquerda Unida/Esquerda Verde Nórdica: maria.dalimonte@europarl.europa.eu
Alexander Beels, Secretário-Geral do Grupo da ALDE: alexander.beels@europarl.europa.eu
Partido Popular Europeu: epp-ed@europarl.europa.eu
Para o Primeiro-Ministro Português só mesmo copiando a mensagem e enviando por aqui.

Resultados das Intercalares


Uma das (des)vantagens das sondagens é que retiram o elemento surpresa das eleições. Estas eleições intercalares da capital seriam, à partida, fonte de inesgotáveis surpresas.


Entre estas, no entanto e contrariamente ao que se tem dito, não entendo que se encontre a elevada abstenção. Dia 15 de Julho é uma data bastante propícia a uma elevada abstenção. A meio de um dos dois meses para os quais muitos portugueses marcam as suas férias, apanha uma fatia muito substancial de pessoas que tenham ido para fora. Podendo 37,4% parecer uma taxa de participação muito baixa, significa apenas que 1 em cada 4 habituais eleitores preferiram que outros escolham por eles quem é que será eleito. Pode ser mau - mas não é um drama. E sim, muitos candidatos pode gerar confusão nalgumas cabeças, mas creio que a maior parte das pessoas preferirá múltiplas possibilidades de voto que haver apenas duas hipóteses, uma frente de Esquerda e outra de Direita, como em 1997 (excluindo a coligação PSR/PXXI e o MRPP). Não sei se é excesso de optimismo meu, mas creio que a maioria das pessoas prefere o pluralismo.


Quanto ao PS, venceu, mas não só não teve a maioria absoluta (que pedaço de esterco retórico andar a pedir maioria neste cenário) como ficou abaixo dos resultados que as sondagens normalmente lhe davam. Não foi além dos 30%. Subiu face a 2005 em percentagem, mas uns míseros 2,98%, perdendo 18000 votos. Fraco, muito fraco resultado.

O PSD teve o que merecia. Reduziu-se a um quarto dos votos de 2005. Paula Teixeira da Cruz, por quem tenho até alguma admiração, é muito culpada e tarde ou cedo, e querendo ou não, pagará por isso. Fernando Negrão enterrou-se no lodo da distrital de Lisboa, quando podia calmamente esperar por 2009 para conseguir a primeira vitória do partido no distrito de Setúbal, vencendo com algum trabalho a CDU e esmagando sem problemas o PS.

Carmona teve o que não merecia, isto é, uma boa votação. Mesmo tirando o caso Bragaparques, mesmo esquecendo os ataques da distrital do PSD, ele revelou-se incompetente em mais que uma vez e mostrou que não tinha qualquer projecto para Lisboa. Ao contrário do que inicialmente quis mostrar, não só não é um bom técnico, como se revelou um excelente demagogo. E como nas autárquicas anteriores ficou bem demonstrado, o populismo compensa.

Helena Roseta (e aviso já que seria nela que eu votaria se vivesse em Lisboa) teve um resultado pior que as primeiras sondagens lhe davam e melhor que as últimas indicavam. Conseguiu um honroso quarto lugar, sem brilho mas com vitória. Do que sei e partindo dos meus conhecimentos pessoais, conseguiu ir buscar votos a quadrantes tão distintos como o BE ou o CDS. Provavelmente, o grosso dos votantes veio do PS, mas o voto em Roseta não me parece ter sido claramente nem carismático, nem baseado na competência técnica nem na ideologia. Ao contrário do que sucedeu com Alegre, o voto em Roseta foi provavelmente mais de centro e ao contrário do que sucedeu com Carmona foi menos emocional. Creio que ao pretender em dado ponto colocar-se entre o PS e o PSD abriu caminho no centro. Será uma questão de ver como evoluirá o seu movimento.

A CDU, sempre igual a si própria, afirmou pela boca do cabeça de lista que se confirma como a terceira maior força política de Lisboa, omitindo o seu quinto lugar, a sua quebra de dois pontos percentuais e a perda de cerca de 19500 votos.

O BE deve ter respirado de alívio. Perdeu 1% mas conseguiu folgadamente eleger Sá Fernandes. O perigo de Roseta roubar espaço ao Bloco estava presente, como sucedeu nas Presidenciais com Manuel Alegre, que tendo recolhido 180000 votos dos eleitores que escolheram o BE nas Legislativas anteriores (ou seja, metade) poderia ter provocado uma crise no partido, caso Louçã descesse dos 5%.

Perdedor, perdedor, foi no entanto o CDS e em particular Paulo Portas. Não se confirmou a tese segundo a qual as sondagens subestimam o partido, nem se confirmou a tese segundo a qual Portas tem um efeito catalisador nos seus resultados. 3,7% é mau, demasiado mau. Telmo Correia foi um mau candidato (limitar a campanha à Portela+1, às privatizações em massa - sem explicar como iria evitar a duplicação de contratação de pessoal e consequente aumento de despesas - aos meliantes e aos graffitis não chega para convencer ninguém) mas ainda assim não sei se foi suficientemente mau para os 3,7%. Eu creio que o CDS deverá reflectir sobre si próprio. A questão ideológica terá de ser equacionada - a ideia peregrina de se apresentar como um partido liberal parece cada vez mais disparatada. O CDS tem um espaço que lhe é próprio e que é o espaço conservador. A deriva pretensamente liberal não só não convence o centro, de facto liberal, como aliena a direita, necessariamente conservadora.


De um grande perdedor, passo aos pequenos vencedores. O MRPP é uma espécie de doente comatoso que de vez em quando acorda. Quando pensávamos que estava morto, reaparece. Aumentou 433 votos e subiu de 0,95% para 1,59%.
Preocupantes foram os resultados do PNR. Ainda não vi ninguém a reflectir sobre os seus resultados, mas a estratégia de visibilidade mediática do partido fascista está a dar frutos. De 798 passou para 1501 votos, de 0,28% para 0,77%. Exceptuando o MPT e o PPM que não se apresentaram nas últimas eleições, o PNR foi dos partidos que concorreram em 2005 o que teve, de longe, a maior subida, tanto em número absoluto de votos (703) como em percentagem relativa (+175%). Por regra sou defensor da tese do cordão sanitário - omiti-los para que percam relevância. Mas se a tendência de crescimento se confirmar, alguma coisa terá de ser feita.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

De férias

Até ao meu regresso...


quinta-feira, 5 de julho de 2007

Libertarianismo e Liberalismo - II - Tradição ou Modernidade

Afirmam os liberais-conservadores (e bem assim os produtos similares e deles resultantes - neoliberais, libertarians, neoconservadores e anarco-capitalistas) que a tradição é uma das bases do pensamento liberal. Pretendem assim e através de uma afirmação que visa estabelecer uma discussão (presumindo que querem discutir e não apenas repetir os seus próprios dogmas para que alguém os oiça) limitar logo à partida o próprio debate com um elemento que nele não é fundamental.

De facto, o que é fundamental no debate sobre o liberalismo não é nem a defesa da tradição nem o ataque às tradições; o ponto de partida só pode ser um e tem de ir à raiz. Liberalismo vem de liberdade e a liberdade aqui é a do indivíduo (não da comunidade). Arrisco mesmo a dizer que liberalismo e individualismo se equivalem. Portanto, o que temos de discutir não é se as diversas versões do liberalismo se adaptam à tradição, mas se a tradição se adapta à promoção da liberdade individual. Não colhe por isso a afirmação dos liberal-conservadores de que o liberalismo social por não sacralizar as tradições e a religião está excluído do liberalismo. É um argumento viciado. O que é necessário que provem é que o conservadorismo liberal promove melhor a liberdade individual que o liberalismo social.

duas ressalvas que eu quero fazer antes de mais avançar. A primeira tem que ver com a afirmação de José Manuel Moreira (professor de Economia e autor de vários livros, entre os quais um medonho A Contas com a Ética Empresarial) no livro Liberalismos: Entre o Conservadorismo e o Socialismo de que o liberalismo social é um perigoso cavalo de Tróia do socialismo. Como o título do seu livro bem demonstra, no entanto, e na mesma lógica, o liberal-conservadorismo (no qual ele se inclui, indiscutivelmente) será igualmente um cavalo de Tróia do conservadorismo. Para mim a questão é não obstante um pouco mais complexa que a defesa de imaginárias quintas ideológicas. Já disse isto algures e repito: o liberalismo é a ideologia mãe da Modernidade, definindo a maior parte das ideologias que lhe sucederam (seja pela positiva, no caso da social-democracia ou no conservadorismo democrático, seja pela negação como o comunismo, o fascismo e o tradicionalismo conservador - veja-se Salazar ou as posições da Igreja). O que o liberalismo social faz é reconciliar as duas vertentes do liberalismo que o século XIX cindiu: o progressismo social para a esquerda, a economia de mercado para a direita.
A segunda ressalva prende-se com alguma prudência na assimilação do libertarianismo e do liberalismo conservador. É um facto que as conclusões a que chegam são iguais, mas partem de posições que nem sempre são iguais.

De facto, a maior diferença entre o liberal-conservadorismo e o libertarianismo é precisamente onde é colocada a tónica: na valorização da tradição ou na valorização do indivíduo. Ao passo que o libertarianismo segue o raciocínio de Gauthier (ou seja, a liberdade é a liberdade do indivíduo enquanto ser em si), a liberdade para o liberal-conservadorismo é a liberdade no seio de uma cultura, um povo, uma tradição. Não há liberdade abstracta, não há direitos humanos em sentido próprio. Aqui, o universalismo é uma aberração.
Assim, pode-se afirmar que o liberal-conservadorismo não é um liberalismo em sentido próprio. Tem de facto um elemento altamente individualista do ponto de vista económico, mas o indivíduo liberal-conservador é um indivíduo unidimensional - a sua liberdade é apenas aquela que o jogo económico lhe permitir. Em tudo o resto está ele submetido a valores e instituições que o transcendem. O objectivo não é o de responder ao apelo da Modernidade - o apelo liberal por excelência - de garantir que o indivíduo seja não uma partícula de uma mole mas um todo em si mesmo digno. Como não há indivíduo em abstracto, mas apenas no seio de culturas particulares, o indivíduo não tem (ao contrário do que sucede nos liberalismos) direitos abstractos - apenas aqueles que cada sociedade e cada época lhe conceder (o que de resto apresenta um óbvio risco de relativismo cultural).
O objectivo é aqui então não a defesa do indivíduo, mas a defesa de uma cultura instituída. Se isto o diferencia do libertarianismo, não é menos verdade que (apesar de menos pronunciadamente) o seu individualismo económico pode permitir alguma distinção face a outros conservadorismos. Nomeadamente, o conservadorismo tem uma dimensão economicamente mais comunitária e esteve na origem de algumas das construções do Estado Social (relembremos Bismark ou, entre nós, o governo de Marcello Caetano). A questão está em que a retórica liberal-conservadora esconde a razão fundamental do seu individualismo económico. Enquanto o conservadorismo tout court pretende garantir a autoridade da tradição pela pacificação social, o liberal-conservadorismo prefere que a economia de mercado deixada sem regulação gere a submissão social. Em ambos a maior desigualdade possível é factor positivo (como Burke escreveu, a propriedade defende-se concentrado-a), mas enquanto no primeiro caso se pretende manter que o Estado se responsabilize pela pacificação social, no segundo receia-se que a busca de pacificação social gere um desenvolvimento imparável da intervenção económica do Estado.


Em suma, se o liberal-conservadorismo tem os mesmos objectivos que o conservadorismo (a submissão do indivíduo a uma ordem social dada) utiliza no entanto os meios do libertarianismo, o que está na origem da assimilação dos mesmos. Do ponto de vista teórico, estará errado; o primeiro pertence à família conservadora, o segundo à família liberal. No entanto, politicamente os resultados são os mesmos e permitem que pelo menos parte da crítica feita a um seja aplicável ao outro.

Libertarianismo e Liberalismo - I - O libertarianismo moderado de David Gauthier

Não vou discutir aqui quem é mais liberal em termos genealógicos; esse tipo de discussão, tradicional nos meios marxistas, parece-me algo triste, desconsoladora e própria de quem não tem mais nada a que se agarrar do que umas citações soltas que à sua própria guisa interpreta consoante o desejo e a necessidade do momento. Quero, pelo contrário, situar-me no debate contemporâneo entre o liberalismo (social), representado por Rawls e o libertarianismo (moderado) de David Gauthier.
Ambos afirmam o compromisso com o valor da Liberdade. Sendo eu um defensor de Rawls, quero tentar apresentar de forma desapaixonada uma exposição do pensamento de um autor actual e de grande relevância no panorama da Filosofia Moral - apesar de secundário quando comparado com Rawls - e com o qual não concordo. Este será o objecto deste post.
  • As much Land as a Man Tills, Plants, Improves, Cultivates, and can use the Product of, so much is his Property. […] God, when he gave the World in common to all Mankind, commanded Man also to labour, and the penury of his Condition required it of him. […] Nor was this appropriation of any parcel of Land, by improving it, any prejudice to any other Man, since there was still enough, and as good, left; and more than the yet unprovided could use.
    John Locke, Two Treatises of Government, An Essay Concerning the True Original, Extent and End of Civil Government, capítulo V, Of Property
Pretendo aqui apresentar uma das interpretações que a expressão lockeana enough and as good gerou, nomeadamente a de David Gauthier. A cláusula de Locke consiste numa das visões possíveis do princípio da apropriação original, um dos três fundamentos da corrente libertarista ou libertária (a par da propriedade de si e da justa circulação). Consiste este princípio na afirmação de que o primeiro titular do direito de propriedade sobre algo é aquele que primeiro reivindicar a sua propriedade. Na variante mais à direita deste princípio (Kirzner) este princípio afirma-se por si só (quem primeiro chegar terá direito à propriedade do objecto, independentemente das consequências que isso acarrete para os outros. A versão libertária deste princípio mais à esquerda, inspirando-se em Thomas Paine, limita a apropriação através de uma distribuição igualitária do valor dos produtos da terra. Por fim, e no centro destas duas versões, surge a posição sustentada pela cláusula de Locke e desenvolvida por, entre outros, Gauthier e que consiste resumidamente no direito de todos a uma parte pelo menos equivalente ao que teriam tido no estado de natureza.

Gauthier socorre-se da interpretação que Nozick dá da cláusula de Locke e segundo a qual esta tem como objectivo não piorar a condição de ninguém – ou seja, que pelo facto de aceitar viver em sociedade, ninguém seja relegado para uma situação pior que a que tinha no estado de natureza. Caso contrário, e numa interpretação literal de Locke, poder-se-ía afirmar que a apropriação do que quer que fosse, seria proibida. Por outro lado, esta proibição de piorar o estado de alguém também tem de ter uma limitação; defendendo Locke a autopreservação, Gauthier completa a cláusula: a condição de não piorar a condição de ninguém face à natureza é limitada aos casos em que tal não implique um piorar da minha própria condição.
Locke parte do princípio que cada pessoa começa com um direito de exclusividade sobre o seu corpo, e que estende esse direito a objectos através do seu trabalho. Contudo, para Gauthier a cláusula desempenha um papel mais vasto. Ela permite a passagem do estado de natureza hobbesiano para uma posição inicial de interacção social, convertendo a condição predadora de Hobbes para uma posição de produção, mas, para além disso, formata também as estruturas do posterior jogo social em todas as suas formas (competitivas ou cooperativas). Mais ainda, ela torna-se no garante de imparcialidade da negociação.
A cláusula lockeana consiste numa limitação ao exercício das liberdades; no entanto, ela não impede ou limita essas liberdades em si (o que seria inaceitável para um libertário). A diferença fundamental está em que, ao contrário do que sucede com Hobbes, em que a liberdade natural consiste em utilizar o nosso corpo e o corpo dos outros como nos aprouver, aqui a liberdade limita-se à utilização do nosso corpo. Assim, por um lado confirma-se o direito de cada um a utilizar o seu corpo e os seus poderes e por outro garante-se o direito exclusivo de cada um a utilizar o seu corpo sem ser coagido por outrem. Geram-se desta forma, ao invés de liberdades ilimitadas, direitos e deveres exclusivos.
Gauthier contrapõe a sua própria visão à de John Rawls. Para este, a distribuição dos benefícios dos talentos naturais deve ser realizada de forma a beneficiar o conjunto da sociedade – independentemente da real distribuição dos talentos. Assim, para Rawls, os indivíduos deveriam negociar a sua posição inicial na sociedade não só no que concerne aos direitos iniciais aos bens, mas também aos direitos iniciais aos poderes pessoais e capacidades. Fundamentar-se-ia tal perspectiva na ideia de que ninguém tem nenhum direito intrínseco às suas faculdades (de certa forma, a sua distribuição será aleatória).
O que Gauthier vem afirmar, é que sendo certo que ninguém merece as faculdades com que nasceu, ainda assim as capacidades naturais, o corpo e os seus poderes, são a única coisa que cada um traz para a sociedade. Desta forma, não podem estar excluídas da determinação do que cada um pretende obter da sociedade. Um princípio só pode definir imparcialmente o que cada um pode beneficiar com a sociedade se em contrapartida se souber o que cada um pode obter sem a sociedade. Não há sequer, nem pode haver, qualquer princípio de redistribuição, pois a única compensação que pode haver é a compensação pela partilha dos bens comuns (materiais), pois aí há uma distribuição provocada. Pelo contrário, a distribuição dos talentos (não se aceitando uma visão teísta, como a de Locke – e nem Hobbes, nem Gauthier, nem Rawls enveredam por esse caminho) não resulta de um plano divino; é um facto que não tem produtor – portanto, nenhum “culpado”, nenhuma vítima.