Aqui eu tinha posto três alternativas quanto ao que significa a pretensão de fazer a moralidade dos indivíduos depender da sua religiosidade. Tinha eu dito que havia três hipóteses: ou utilizar espiritualidade e religião na mesma frase era inútil (a primeira engloba a segunda); ou idiota, caso se considerasse que só a religião podia dar um sentido de espiritualidade e moralidade; ou por fim insultuoso, nomeadamente para os que não crêem em seres sobrenaturais como fadas, duendes ou deus(es).
Hoje, ao ler o meu querido Kant, descobri que há uma quarta hipótese. José Manuel Moreira tem por hábito realmente dizer que os não crentes são pessoas duvidosas. No seu péssimo livro A Contas com a Ética Empresarial, cita ele uma passagem de Weber em que um comerciante afirma que se se deparar com alguém que não pertença a uma igreja, não lhe empresta dinheiro algum; quem não acredita em nada pode bem nunca lhe devolver o dinheiro emprestado.
Não vou muito longe, não vou falar dos descrentes que são honrados nem dos crentes que o não são. Não, não preciso de ir aos casos concretos; qualquer pessoa minimamente inteligente sabe que a afirmação em causa e que a sua subscrição por José Manuel Moreira são prova de ausência de faculdades intelectuais.
Mas o mais interessante (e que eu não tinha visto) é que isto é também prova falta de faculdades morais. Diz-nos Kant
subsiste, no entanto, a questão de se não é possível e válido um juramento quando se presta apenas no caso de existir um Deus [...] De facto, os juramentos prestados com sinceridade e de modo reflectido não podem ter sido prestados em qualquer outro sentido.
in A doutrina da religião, como doutrina dos deveres para com Deus, encontra-se para além dos limites da filosofia moral pura - Princípios Metafísicos da Doutrina da Virtude, II - Metodologia ética
Estava eu certo quando falei em imoralidade dos donos da moralidade, embora sem ter captado o alcance da frase. De facto, deveremos depreender da ideia de José Manuel Moreira que, se ele viesse a descobrir que o seu deus não existe, desataria a matar, violar, pilhar, dado que saberia que não haveria um além no qual seria punido? E que, quando evitasse cometer esses actos, fá-lo-ía apenas por receio da punição humana? Não cumpre ele os seus juramentos por respeito àqueles com os quais entra em comércio por dever e por respeito aos outros, mas apenas porque acha que existe um deus que quer que ele o faça?
Ao fim e ao cabo, quando age moralmente, ele fá-lo por moralidade e por obediência a si próprio, por um acto de liberdade individual, ou fá-lo como resultado de uma qualquer coerção, física ou metafísica?
É a dúvida que paira por sobre qualquer pessoa que defenda esta ideia. Disparatada, já o tínhamos visto. E, como Kant nos mostra, para além disso imoral.
3 comentários:
Pois... o tio Kant é que tem razão! Alegro-me por encontrar mais um fan do querido magricelas!... :)
Gostei muito da construção deste post, Igor. Excelente!
És cá das minhas ;-).
Já agora,muma correcção aos posts. Quando se diz que quem não pertence a uma igreja não acredita em nada, eu pus em itálico precisamente porque os ateus e agnósticos acreditam em alguma coisa, como toda a gente acredita em alguma coisa. Acreditam no Homem e nas suas capacidades. Não acreditar em deus não é "não acredfitar em nada".
E podemos ainda acreditar no sagrado sem ser sob a forma de um deus personalizado... ou ser lúcidos e reconhecer que o agnóstico e o único que está verdadeiramente fundamentado na sua posição... :)
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