sexta-feira, 27 de julho de 2007

Democracia e Relativismo Moral

Na sequência do que tenho lido e escrito no Portugal Contemporâneo e no WomenageATrois, tenho de voltar a escrever sobre a democracia. Vou inevitavelmente cair na repetição, mas espero acrescentar algo ao já anteriormente dito.


Se entendermos a democracia como simplesmente o governo da maioria, caímos no relativismo moral. Iremos aceitar que, porque haja 50% +1 de pessoas a defender qualquer barbaridade que seja (utilizar a bomba atómica, exterminar todos os que não pertençam à maioria; ou, para situações mais terra-a-terra, iremos aceitar que um regime democrático legisle no sentido de introduzir a segregação racial, a pena de morte para os homossexuais ou que as raparigas que já tenham o período sejam obrigadas a casar com quem os pais lhes disserem). Ao fim e ao cabo, se a maioria decidiu, e se a democracia é o governo da maioria, que sentido faz pretender impedir estas medidas? Elas são democráticas. Isso não nos impede de achar que são igualmente democráticas as leis que no país vizinho proíbem tudo isso.

É tudo uma questão de cultura e de democracia. Indo directamente ao cerne da questão, é tudo uma questão de reconhecer que a comunidade tem direitos absolutos sobre os indivíduos. Repescando o que disse anteriormente, o tradicionalismo da direita e o multiculturalismo da esquerda são as duas faces da mesma moeda, a mesma afirmação da eticidade hegeliana. Não há uma palavra a respeito da dignidade do ser humano, do indivíduo. É cultural, ou então É democrático: e com uma frase mágica se resolve qualquer discussão deontológica, que passa a ser marcada com o cunho da arrogância e do desrespeito.

Bom, mais uma vez, vou afirmar isto: a democracia é boa, mas apenas na medida em que defenda os indivíduos. É por isso que ela é boa. Não porque a maioria tenha razão, não porque a maioria tenha alguma legitimidade própria. A democracia é boa apenas quando e na medida em que servir para permitir que cada um seja livre. Quem o contrário afirmar vai ter de aceitar que o Anschluß foi justo, na medida em que 99% da população "votou democraticamente" pela anexação da Áustria. E ninguém tenha dúvidas - se no apogeu do regime nazi se tivesse realizado um referendo, o Holocausto teria sido aprovado. Seria democrático. E lá por isso, seria justo?
A série de questões seria interminável. Por exemplo, fará sentido que se aceite pôr fim a um regime democrático caso 50%+1 dos cidadãos vote pelo fim da democracia? Não? E porque não? Não foi democrática a votação?
Pois é.

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