quarta-feira, 25 de julho de 2007

Eles sabem tudo, eles sabem tudo, eles sabem tudo e não lêem nada - Parte I

Tenho estado em alegre troca de argumentos no Portugal Contemporâneo. Para além da descoberta de um verdadeiro espécime anti-semita (Pedro Arroja), tenho tido o prazer de verificar várias coisas profundamente extravagantes - por comuns que sejam, não deixam de ser extravagantes.

Uma delas, é sobre Rousseau. Conseguem num mesmo blogue citar Allan Bloom e defender Rousseau. Como? Simples, como bons neocons/neolibs que são, citam muito mas não lêem nada. Se acaso tivessem lido Allan Bloom, saberiam que ele era um grande admirador de Rousseau e um seu seguidor.
Eu li o livro em causa e posso dizer que Bloom não é o idiota que os neoconeiros tentam mostrar. Ele diz muitas coisas bastante polémicas (aliás, só por isso é que um livro que ele pensava que iria ficar reduzido a uns poucos milhares de leitores se tornou um sucesso), mas o seu polemismo dirige-se tanto à esquerda como à direita. Nomeadamente, é difícil encontrar paralelos na violência da sua crítica da estupidez economicista. O seu humor na caracterização dos MBA é impagável. A sua defesa de Rousseau daria muitas dores de cabeça aos neoconeiros, acaso eles alguma vez lessem o livro em causa, em vez de se limitarem a copiar citações elas próprias já copiadas de algum lado. Por fim, se os neoconeiros sequer imaginassem que Bloom era um homossexual assumido que vivia maritalmente com o seu namorado, aí, eram ataques cardíados sobre ataques cardíacos.
Indo a Rousseau directamente, o conceito de volonté générale enquanto ditadura da maioria é uma ficção da direita a respeito de Rousseau. O seu verdadeiro significado até poderia parcialmente agradar à direita, dado que ela não consiste no somatório da vontade popular, mas antes no "verdadeiro interesse" da nação. Está tudo lá, no Contrato Social. Livro II, início do Capítulo III. Se ao invés de se fazerem passar por tipos cultos, eles fossem de facto tipos cultos e fossem ler os livros ao invés de se basearem no que os seus professores e ideólogos afirmam, diriam menos disparates.
De resto, Robespierre fez questão de dizer que o que ele defendia nada tinha que ver com Rousseau (o que só abona em favor deste último), ao afirmar que é escusado procurar noslivros dos escritores políticos que nada viram da revolução francesa qualquer princípio, pois aquela seria uma realidade absolutamente nova. Se Robespierre admirava Rousseau? Sim. Mas, tal como Robespierre, também homens como Constant o admiravam. Rousseau foi um dos últimos homens de Saber, ou seja, um dos últimos a tocar todos os principais ramos do saber. O último, como o assumidamente rousseauniano Allan Bloom afirma, terá sido Goethe. Só um mentecapto pode não gostar de Rousseau - mesmo que não concordemos com ele.


Já agora, deixo a seguinte citação de Benjamin Constant: Evitarei decerto a companhia dos detractores de um grande homem [Rousseau]. Quando, por acaso, pareço concordar com eles em algum ponto, desconfio de mim mesmo; e, para consolar-me de haver aparentemente compartilhado a sua opinião [...] quero renegar e repudiar o mais possível esses pretensos colaboradores.

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