quarta-feira, 4 de julho de 2007

Irão e o Genocídio homossexual






Não sou um adepto fervoroso de tratamentos de choque. No entanto, de há uns dois meses para cá comecei a tomar conhecimento da situação da comunidade LGBT no Irão e creio que a dimensão do problema merece o recurso aos recursos mais extremos. Na sequência de posts e comentários lidos no Devaneios Desintéricos e no Arrastão, resolvi escrever este post.

Isto dava pano para mangas, pelo que vou apenas falar de quatro questões. Obrigatoriamente, a legal. Em segundo lugar, do que escapa às malhas da lei e da internet. Em terceiro, da situação dos refugiados e por último da situação dos transsexuais, consideravelmente distinta da dos homossexuais.

  • O crime de sodomia é punida com morte, em forma a definir pelo juiz, no caso de se tratar de homens adultos e conscientes. Não adultos, 74 chicotadas. A homossexualidade feminina é punida com pelo menos 100 chicotadas, podendo ser aplicada a pena capital à terceira repetição. Exactamente a mesma punição tem o coito inter femora. A nudez com membros do mesmo sexo é punida com 100 chicotadas e os beijos com 60. Já agora, o Irão é o único país em todo o mundo que ainda executa crianças. Para além disso, a condenação de homossexuais é por vezes encapotada com alegações de rapto e de violação e não directamente pelo crime de sodomia. É um facto também que os números da perseguição às minorias sexuais estão abaixo da realidade: é impossível contabilizar, por exemplo, os números relativos aos crimes de honra.

Isto não significa que a vida homossexual esteja completamente anulada. Bem pelo contrário. Fica a reportagem da CBS (em três partes), transmitida em Fevereiro deste ano.













  • Para além disso, a internet e os blogues têm contribuído para que haja, senão abertura política, pelo menos a criação de redes sociais e para que muitos lgbt possam começar a falar, em sentido próprio, de comunidade. No entanto o governo apercebeu-se dos perigos levantados pelos bloggers, nesta como em muitas outras questões (direitos das mulheres, pluralismo político, oposição ao regime) e começou a apertar o cerco. Os motores de busca têm filtros (de tal forma restritivos que por exemplo "les livres" é bloqueado devido à (muito vaga, parece-me, mas isso só reforça a ideia) semelhança com palavras da família "lésbica". Para além disso, para que os blogues não sejam bloqueados é necessário serem registados no sítio governamental samandehi.ir, onde devem ser fornecidos dados pessoais, nome de utilizador e palavra-passe da página. De resto, a organização paramilitar Basij, formada por jovens fundamentalistas fiéis ao governo costuma participar na vigilância de chats. Há casos nos quais homossexuais são seduzidos para encontros, acabando depois sendo espancados pelos membros da Basij. É estranho que num país tão fechado quanto o Irão a sociedade seja tão irreverente. Aliás, refugiados iranianos temem justamente pelos mais jovens: num país com uma população extremamente jovem e com uma geração que tem um hiato cultural tão grande face à dos pais atitudes menos prudentes podem ter resultados desastrosos. Em Maio do ano passado a polícia efectuou um raid a uma festa de aniversário que suspeitava juntar homossexuais. Os espancamentos foram brutais, não poupando as mulheres, uma delas com uma criança. Foram presas 87 pessoas, das quais 17 por conduta homossexual e consumo de álcool.

  • Para fugir aos espancamentos, à tortura e à pena de morte há obviamente não só a fuga de resistentes políticos como também de homossexuais que não têm qualquer actividade política. Estima-se que todos os meses quatro a cinco homossexuais fujam do país. Em países como a Holanda ou a Suécia a questão tornou-se politicamente relevante devido à pressão de grupos LGBT, que exigiram que a deportação de homossexuais iranianos fosse parada. Para muitos, representa uma condenação à morte. Isso não impediu que um tribunal sueco decidisse em 2006 pela extradição de um homem, alegando que apesar de a lei islâmica aplicar terríveis penas sobre a homossexualidade, muitos gays iranianos conseguiam evitar maiores peridos vivendo de forma discreta e recatada (isto faz lembrar o discurso do CDS ou da Igreja). Do outro lado do Atlântico o Canadá dá melhores exemplos.
  • Por fim, há a situação excepcional dos transexuais. Apesar da falsa ideia segundo a qual a vida para este grupo seja fácil no Irão, é um facto que logo no início da Revolução a questão foi colocada. Khomeini afirmava que para alguns casos, a mudança de sexo era ponderável. Não se trata obviamente de uma atitude de tolerância, mas de uma consequência da negação da homossexualidade. Aqui fica uma reportagem sobre um caso de alteração de sexo.


Dito isto, há apenas uma outra questão a ter em mente. As tácticas a empregar para combater esta situação não podem ser as mesmas que as aplicadas no Ocidente. Para além disso, a situação é delicada para a comunidade lgbt iraniana quando ocidentais criticam o Irão: os homossexuais daquele país passam a ser visto não apenas como criminosos e pecadores, mas também como traidores. O exemplo dado pelo Arrastão mostra o que se passa na Palestina. Há iranianos a viver nos Estados Unidos que já falam do mesmo fenómeno no Irão.

Links

http://www.irqo.net/index.htm

http://www.gaymiddleeast.com/country/iran

http://www.homanla.org/index.htm

4 comentários:

Eurydice disse...

O problema do Irão não são os direitos dos homossexuais: são os DIREITOS DE TODOS OS CIDADÃOS!
Penso sempre que não devem ser separados os grupos minoritários, porque os direitos têm de ser de todos e têm de ser reclamados enquanto tal. Os homossexuais têm os direitos TODOS enquanto SERES HUMANOS. Não interessa a sua orientação sexual, senão estamos a discriminá-los na mesma. Estranho que os próprios não se apercebam disso. O que temos que fazer é afirmar os direitos de TODOS OS SERES HUMANOS. O resto virá como consequência. Pode ser uma mariquice [ups!:)] mas na realidade faz toda a diferença enquanto posição de princípio. E é a única defesa inatacável e verdadeiramente coerente, visto que é aquela que de facto subjaz a toda a argumentação a favor dos seus direitos.

Igor Caldeira disse...

Olá Bianca, compreendo o teu argumento, mas o problema dessa perspectiva é a de não ter em consideração que há questões particularmente graves.

Por exemplo, é um facto que a pena de morte é sempre errada; no entanto, quando à pena de morte se juntam factores agravantes (o facto de ela se aplicar a grupos específicos ou a especvial crueldade das formas de execução da pena, para citar dois exemplos) isso tem de ser tido em conta.

Há casos - as mulheres ou os homossexuais - que têm de ser especialmente denunciados. Não basta dizer que o Irão é genericamente um país com leis iníquas. É preciso mostrar com exemplos concretos e chamar a atenção para esses exemplos. O caso que este post trata é para além disso agravado pelo facto de estar longe de ser consensual que a luta contra as discriminações pela orientação sexual seja válida. Prova disso é a posição dos Estados Unidos nas Nações Unidas.
Fica aqui o artigo
http://hrw.org/english/docs/2006/01/25/iran12535.htm
que bem podia ter ficado no post mas que de qualquer das formas aproveito para divulgar. Quando mesmo a comunidade internacional rejeita o combate pelos direitos lgbt, enquanto pode abraçar outras (democracia, direitos de minorias religiosas, liberdade de expressão, etc.) que devemos nós fazer?
Há casos e há casos. Não são todos iguais. Uma coisa é algo que está mal e que é mal vista pelos outros países. Outra é algo que está mal e que os outros países aplaudem ou fazem por ignorar.

Eurydice disse...

Percebo o teu ponto de vista Igor, mas realmente acho que os direitos devem ser defendidos com unhas e dentes em bloco! Não estou contra o facto de se fazer um post, um artigo ou uma intervenção relativamente a casos particulares e concretos, como este teu post. Mas estou contra a discriminação na luta em si, nas acções propriamente de reivindicação. É uma questão de ergonomia: onde os homo sofrem, as mulheres também e as crianças e toda a gente em geral... é mais eficaz juntar todos os esforços, acho eu.

Anónimo disse...

excelente texto, caro Igor.