Em todo o caso, o que interessa é que Fukuyama cedeu à evidência: a força bruta não resolve em si mesma nada e, bem pelo contrário, pode ser completamente contraproducente. O que será pois necessário fazer, será mudar de paradigma de política internacional. Quanto aos Estados Unidos, isso será um problema fundamentalmente deles. Agora, que deve a UE fazer? Entendo que há simultaneamente três coisas que se pode fazer, e nenhuma delas é propriamente inovadora. Há que utilizar o poder infra-estrutural, há que garantir a capacidade de utilizar o poder coercivo e há que não cometer determinados actos. E sim, isso também é uma forma de exercer poder.
Dentro do poder infraestrutural (soft power) a União Europeia vai ter de ser capaz de abrir os cordões à bolsa. Os países ACP - aqueles com os quais a Europa tem maior relação entre os países sub e em desenvolvimento - e em particular os países africanos deverão ser alvo de uma política mais criteriosa e coordenada de ajudas ao desenvolvimento. Há algumas coisas que terão de ser feitas - melhoria de transportes e comunicações, sem as quais a economia desses países continuará estrangulada - mas muito mais importante que isso há o próprio cerne dos grandes confrontos políticos actuais. Os confrontos não se dão hoje entre exércitos nem tampouco entre economias nacionais. É na cultura que se joga tudo. Quantas madrassas - que hoje no Sahel estão a formar em fornadas de centenas e milhares de crianças os terroristas de amanhã - seriam fechadas se a Europa financiasse a construção de escolas e mantivesse parte dos custos com os professores? O mundo islâmico tem uma política muito clara a respeito de África, tal como a China. Ambos estão a sedimentar o seu poder em países em que tudo está por fazer e que a qualquer momento poderão pender para qualquer potência. Esta é, para mim, a primeira trave mestra de um idealismo progressista. Que, como se pode ver, não tem nada de utópico e muito de realista.
Quanto ao poder coercivo (hard power, neste caso poder bélico) ele deve servir essencialmente não para ser utilizado sempre que um governante extravagante chega ao poder, mas para garantir que determinados procedimentos internacionais são respeitados. Isto implica que este poder possa ser exercido, e até tenha de o ser em determinados casos - mas apenas em último recurso. Fukuyama, a respeito dos Estados Unidos, pretende dizer isso mesmo. No caso europeu, no entanto, teríamos de pôr a lógica um pouco ao contrário: não ter medo de, em casos extremos, usar o poder bélico. Foi a cobardia europeia que levou a mais de um massacre na Bósnia (pode alguém mentalmente são enviar capacetes azuis desarmados ou com ordens para não disparar?). Em todo o caso,o que deve ser retido é que o poder bélico deve ser um meio de garantia do direito internacional e não um fim em si.
Por fim, a omissão é a minha parte favorita. Digo favorita apenas porque é aquela que é menos referida. De facto, pode-se fazer imensas intervenções humanitárias. Pode-se construir centenas de escolas. Se a economia dos países subdesenvolvidos não puder arrancar, nada feito. A maior ajuda que a Europa (e os Estados Unidos) poderia dar, e simultaneamente a mais benéfica de forma imediata para os cidadãos europeus seria pôr um fim ao regabofe chamado PAC, deixar de subsidiar os produtos agrícolas, deixar que os agricultores europeus (a maior parte dos quais está longe de ser pobrezinha) mostrem o que valem e se conseguem ou não ser competitivos, e deixar entrar os produtos agrícolas dos países ACP. Enquanto isto não acontecer, não haverá ajudas internacionais que valham ao Terceiro Mundo, que continuará a endividar-se e a ser governado por elites cleptocráticas sempre amigas dos mais obscuros interesses políticos (ocidentais e não só).
2 comentários:
Olha não concordo com uma parte disto, mas já cá venho....
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