segunda-feira, 23 de julho de 2007

Adeus, Cavaco Paintshop, olá (de novo) Cavaquismo

Mais uma vez, aquele que considero um dos melhores blogs portugueses chama a atenção para uma questão de primeira importância. Recorrendo à legislação e a citações de Cavaco o Devaneios Desintéricos demonstra a gravidade da atitude de Cavaco Silva na sua reacção ao desafio que Alberto João Jardim lançou contra o Estado de Direito, a Constituição e o Estado. Mais do que uma questão de defesa dos direitos dos e das madeirenses, isto é uma negação dos princípios mais básicos sobre os quais assenta o Estado português.
Cavaco Silva, ao invés de cumprir as suas funções, remete a questão para os tribunais e prossegue com um elogio às políticas natalistas do governo. Não tenho nada contra políticas natalistas. Bem pelo contrário, creio que deveriam ser bastante mais vigorosas. Não confundo questões distintas: a defesa do direito ao aborto e a defesa de melhores condições para que quem queira ter filhos, os possa efectivamente ter.

Nunca gostei da foto de Cavaco que aqui está. É muito paintshop. É daquelas fotos que se percebe imediatamente que foi trabalhada, sortindo por isso o efeito contrário ao desejado. Em boa verdade, também nunca gostei muito de Cavaco. É um tecnocrata e por conseguinte não convive lá muito bem com a Democracia. Tolera-a - e apenas o estritamente necessário. Durante a campanha eleitoral ele e os seus marketeiros fizeram o possível por apagar a imagem negativa que as cargas policiais, a arrogância e a colonização dos aparelhos de poder deixaram sobre o cavaquismo. Não sei se conseguiram fazê-lo - tenho dúvidas sérias que o voto em Cavaco não tenha sido o voto na Autoridade e na Ordem. Mas tentaram. Ao longo deste ano e meio de presidência, para além disso, Cavaco Silva tem mantido uma postura muito institucional, fonte de desilusão para o PSD, que apesar de ter tentado dizer que Cavaco seria o presidente de todos, secretamente esperavam por uma revanche contra os anos de Soares e contra o final de Sampaio.
Foi ano e meio em que, no fundo, a imagem deste Cavaco paintshop se manteve mais ou menos inalterada. Eu próprio fiquei surpreendido. A sua modestíssima intervenção aquando do referendo do aborto deixou-me algo absorto: Cavaco afinal não é Cavaco!, pensava eu. É preciso ser muito estúpido.

Sem querer, Alberto João Jardim conseguiu o que mais ninguém tinha conseguido: fazer estalar o verniz, que é como quem diz repôr os pixels de Cavaco outra vez no seu sítio correcto. Cavaco afinal é Cavaco. Ele não está aqui para desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa - ele está aqui para ser ele próprio e passar por cima do que for necessário para o conseguir. Esse é o Cavaco que conhecemos. Foi nesse Cavaco que votámos. É um facto que não interveio para obstruir o referendo. No entanto, tudo o que ponha em causa a vontade popular merecerá da sua parte, está visto, uma passiva anuência. A mesma que, não o fazendo corrupto, permitiu que muitos dos seus ministros fossem de índole altamente duvidosa. Sim. Já o reconheço. Está tudo lá. Que bom saber que há coisas que nunca mudam!
Esta atitude faz-me lembrar a de Freitas do Amaral perante os cartoons dinamarqueses. A arrogância no desempenho das funções, a parcialidade e o desrespeito pelas suas obrigações mereceram-me na altura o desejo da sua demissão. A sua função era defender os tratados que obrigam o Estado português (e que nos ligam, pela NATO e pela UE, de forma muito estreita ao Estado dinamarquês), não era escrever artigos de opinião fundados nas suas opções religiosas em nome do Estado.
Da mesma forma, a função de Cavaco Silva é defender o Estado, a Constituição e a Lei, não é remeter a questão para os tribunais apenas porque ele é contra a legalização do aborto.
Pena é que os Presidentes não possam na prática ser demitidos. Este sê-lo-ía, por manifesta incompetência.

6 comentários:

Anónimo disse...

Gostei de ler o texto, muito inteligentes e verdadeiras as observações produzidas. Que pena que tenhamos um Presidente da República que só quer tacho e não respeita todos por igual...triste país este que tem uma colecção tão grande de políticos incapazes, cobardes e oportunistas!! Como a maioria do povo é burro continuamos nesta miséria...
Iris

José Manuel Dias disse...

Uma análise mt interessante e a justificar uma reflexão mais cuidada...Cumps

Anónimo disse...

Caro Igor,

Antes, uma palavra de agradecimento do elogio que, com toda a sinceridade, entendo não merecer. Mas...grato à mesma :)

Depois, o que quis explicar sintetica mas directamente foi isso mesmo que tu aqui brilhantemente analisas: a omissão de Cavaco é uma omissão politicamente relevante. Não é um simples inabilidade política ou leitura restritiva dos seus poderes. É um cálculo político que joga um xadrez muito perigoso porque directamente feito contra o cerne do modelo da República. É, por outras palavras, a instrumentalização da Democracia. É, em suma, não valermos nada para estes senhores.

PS: perdoa-me a questão mas há algum e-mail para onde te possa escrever?

Igor Caldeira disse...

Sim, mandei-te um e-mail para o dev.desintericos@gmail.com

Eurydice disse...

Os dentinhos parecem paus de giz, valham-nos os deuses! E a pele?! Parece a do Ken!!

Igor Caldeira disse...

Os dentes e a pele foram copiadas do Paulo Portas.