Cinco polícias britânicos estão a ser investigados por terem ignorado os pedidos de ajuda de Banaz Mahmod, uma rapariga curda de 20 anos, que foi vítima de um crime de honra na noite de 23 de Janeiro de 2006.O seu pai, Mahmod Mahmod, e o seu tio, Ari Mahmod, foram condenados pela justiça na terça-feira após três meses de julgamento. O mesmo aconteceu a dois dos autores materiais da morte por estrangulamento. Mais outros dois suspeitos fugiram para o curdistão iraquianso.Banaz chegou a enviar vídeos para a polícia , gravados pelo telemóvel, a dizer que temia ser morta pela família por recusar um casamento de conveniência que o pai lhe arranjou.Tudo começou por causa de um beijo que Banaz deu a Rahmat Sulemani, de 28 anos, no sul de Londres. A seguir a isso houve a primeira tentativa de assassínio - que falhou. Foi na passagem de ano de 2005.O pai levou-a para a casa da avó, deu-lhe álcool para beber e ordenou-lhe que esperasse pelos outros. Ela desconfiou e fugiu pela janela. Cortou-se com os vidros partidos. Ligou à polícia. Mas foi ignorada.Acabou por ser morta em Janeiro do ano seguinte, estrangulada, depois de ser violada, segundo o Times, acabando dentro de uma mala de viagem e enterrada no jardim de uma residência em Bimingham.
Começo por fazer uma ressalva - eu sei, o multiculturalismo não tem um significado apenas e com certeza que os seus defensores não estão a favor de casos como o que esta notícia relata.No entanto, o discurso multiculturalista tem para mim o inconveniente de ou ser algo vazio (qual no fundo a sua distinção face ao cosmopolitismo do século XVIII?) ou dar azo à tolerância face a situações que nas nossas sociedades tentámos (e tentamos) combater.
Sim, é bem verdade - não é preciso ser muçulmano para que haja crimes de honra; e bem assim, há milhões de muçulmanos que são contra os crimes de honra. Agora, quantos estados ocidentais e quantos estados muçulmanos combatem a violência doméstica? Negar que existe uma maioria que, quando não é abertamente favorável aos crimes de honra, tolera-os, no seio das sociedades islâmicas é disparatado e perigoso. As excepções (Marrocos ou Jordânia) não podem encobrir tudo.
Simultaneamente gostaria de fazer aqui uma separação de águas. Eu não creio que os estados ocidentais sejam superiores aos do mundo islâmico por uma questão ontológica. Não é o Ocidente que é melhor que o Oriente. Não é a civilização judaico-cristã que supera a islâmica.
É neste limbo que a Modernidade, creio, corre o risco de ser derrotada. O apelo às especificidades culturais, à diferença não nos pode fazer esquecer do fundamental: o Ser Humano. Ou seja, para mim as sociedade que temos não podem ser o produto dos fanáticos cristãos que durante séculos se ocuparam a destruir o continente europeu: tudo aquilo a que nós chamamos especificidades ocidentais (igualdade entre homens e mulheres, laicismo, democracia pluralista) não são características nossas enquanto ocidentais. São exigências e são conquistas nossas enquanto seres dotados de Razão.
Na questão do véu islâmico criticou-se muito o radicalismo laicista francês. No entanto, a reacção francesa foi musculada porque há momentos em que temos de fazer escolhas vitais: se malbaratarmos o produto de séculos de lutas em nome da tolerância para com o intolerante, perderemos com toda a certeza; se resistirmos, podemos vencer, podemos falhar - mas teremos feito o que é justo.
Creio que casos como o desta rapariga curda devem fazer-nos reflectir sobre esta questão: uma coisa é a sã convivência entre pessoas das mais variadas origens (o que só pode ser proveitoso); outra bem diferente é fechar os olhos a costumes que tentávamos até há bem pouco tempo combater.
5 comentários:
Nem mais, caro Igor! Excelente post.
caro igor, chego a este blog através de um amigo que sabe que esta questão me diz muito.
já escrevi um bocado sobre isso, e só não continuo a fazê-lo porque a falta de tempo me forçou a suspender o blog...
http://armadilhaparaursosconformistas.blogspot.com/2007/02/o-que-o-multiculturalismo.html
a ideia do multiculturalismo alimenta-se, entre as pessoas de origem ocidental, dos complexos de culpa ligados ao facto de os ocidentais terem andado a fazer o colonialismo e da ideia de que se todos formos tolerantes, todos poderemos viver em paz. mero wishfull thinking, uma vez que não dá resposta à questão de como lidar com os intolerantes.
Olá a ambos,
tenho de confessar que senti um baque no coração quando li o texto que o cãorafeiro nos trouxe. descreve exactamente o que eu penso.
Infelizmente há casos em que se pratica a intolerância em nome do seu contrário. Na Holanda passou-se um caso que conto no meu blog e que dá a entender que na nossa Europa tudo é permitido excepto a racionalidade.
Olá Epicuro, creio que é um dos desafios que temos entre mãos: o combate ao relativismo em que corremoso risco de cair.
Quanto ao relativismo, gostava de deixar o link http://assembly.coe.int/Main.asp?link=/Documents/WorkingDocs/Doc06/EDOC11065.htm.
Para além disso, no post "Educação Sexual enquanto Direito" faço também ligação para uma discussão que está neste momento a decorrer no blogue do MLS e que versa em parte esta questão do relativismo e da racionalidade científica.
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