Estive recentemente a reler A República e este debate em torno do mérito e do não-mérito fez-me lembrar uma coisa muito interessante.
Uma das partes mais problemáticas (para mim pelo menos) da obra em causa, é a defesa da comunidade de filhos e mulheres e da eugenia. Defende Platão (pela boca de Sócrates) que, para a Cidade ser bem governada, se há-de garantir que os indivíduos de qualidades similares se cruzem e, como sucede nos animais domésticos, apurem essas mesmas qualidades. Desta forma, os melhores acasalarão apenas com os melhores, garantindo que serão cada vez melhores, e os piores ficarão relegados para as suas naturais funções.
Bom, a ideia parece-nos à partida algo disparatada. No entanto, creio que podemos distinguir aqui duas faces diferentes da questão: uma a intenção, outra o método. A intenção é garantir que o poder será entregue apenas aos melhores. O método é o recurso à eugenia, às castas, à aristocracia do sangue, à herança.
E é neste sentido que de facto posso arguir o seguinte: a meritocracia corresponde a este platonismo da intenção, o que os conservadores (que em Portugal gostam de se chamar liberais, mas ao que parece pelo que leio no Arte da Fuga também já são anarquistas - qualquer dia vê-los-ei a ser marxistas-leninistas) pretendem (e sempre pretenderam, é essa a sua natureza) corresponde a este platonismo do método.
Se lermos Burke (Reflexões sobre a Revolução de França) é muito, muito fácil estabelecer um fio condutor que desembocará século e meio mais tarde no nazismo - especialmente se tivermos em atenção o papel fundamental que os junkers prussianos desempenharam no caldo sociológico que permitiu o nascimento daquela ideologia.
Sem comentários:
Enviar um comentário