Na sequência da troca de argumentos mantida com o Ricardo Francisco, gostaria de lhe mostrar como de facto a ideia de que todos os socialismos são estatistas é uma ideia pré-concebida. Apresento, por isso, o conceito de socialismo defendido por António Sérgio. Não vou referir a sua concepção de democracia nem de cooperativismo, que poderiam ser relevantes mas extravasam um pouco o tema da resposta, para além de exigirem que o post se tornasse excessivamente grande.
O Estado
“ […] o antiestatismo que para mim adopto […] não gira à roda da obtenção de um lucro, como é próprio da doutrina do liberalismo económico, mas da criação de uma Sociedade não-lucrativista e fraterna […] estou de perfeita harmonia com uma peça fundamental da doutrinação marxista: a ideia de que o Estado deverá enfim ‘murchar ’ […] é a própria Nação que deve ser socialista […], muito mais do que o Estado.”[1] Da citação realizada podemos introduzir as relações entre o socialismo sergiano e o Estado. A sua postura resulta da adopção de uma postura típica do seu “Terceiro Homem”: ele visa uma sociedade baseada em pessoas autónomas, o que implica um Estado fraco, mas uma sociedade forte: não é um regime selvagem de busca do lucro, mas também não é um regime esmagador que, para acabar com o Estado, o torna primeiro num monstro incontrolável.
O Estado, tal como ele existe, terá sempre a tendência para ser o que é: “o Patrão dos patrões, […] instrumento do poderio dos plutocratas.”[2] Na longa marcha que é a democracia sergiana, ele tem de se transformar lentamente, e nem se substituir aos indivíduos (como os comunistas pretendem) nem abandoná-los à sua sorte (como o liberalismo económico defende). A sua tarefa será então a de auxiliar os cidadãos na construção presente e contínua do socialismo.
Já vimos que o socialismo sergiano tem uma feição anti-estatista. O Estado deve desaparecer lentamente, abrindo espaço à sociedade, ao país. Não obstante, não é esta a única distinção que é possível fazer entre António Sérgio e outras correntes socialistas, nomeadamente as de inspiração marxista.
Os Socialismos
Uma outra distinção de grande relevância aflorámos também agora: se o Estado deve desaparecer lentamente, podemos com efeito concluir que não é Sérgio favorável a súbitas mudanças. As mudanças súbitas têm em si uma inseparável dose de violência – e é de facto violento o discurso que Sérgio observa, e lamenta, em muitos socialistas. A seu ver o mundo encontra-se preparado para a mensagem socialista, parecendo-lhe por isso contraproducente afastar o público através de atitudes belicosas. Ao invés de discursos inflamados, entende o autor que o que os portugueses precisam será que lhes sejam “[oferecidos] os princípios das concepções socialistas já em troco miudinho, já bem concretizados em soluções concretas”[3]. As lutas ideológicas abstractas não são entendidas pelo português comum, e de resto não lhe aproveitam: o que convirá será provar de forma prática a superioridade do socialismo sobre a sociedade existente. O combate pela polémica corresponde a seu ver a uma fase preparatória e que se dá apenas nos círculos mais instruídos. Ora, havendo já múltiplos exemplos do socialismo por si defendido, como seja em Israel ou nos países escandinavos, e havendo um número relevante de socialistas esclarecidos, poder-se-ía (dever-se-á) avançar para a materialização do socialismo.
Para além desta questão de método (que resulta de uma determinada concepção de socialismo, mas que se centra no problema metodológico) há uma outra questão, essa muito profunda e que vai à raiz do pensamento sergiano: ao seu idealismo radical, ao seu racionalismo: “E se sou revolucionário, é por ser idealista; se sou socialista, é por lei intrínseca do meu próprio espírito […]. O revolucionismo verdadeiro não está nas coisas, mas sim em nós. […] Ninguém é socialista por se conformar com a matéria, mas sim por apego a um ideal de justiça, a um protesto interior.”[4] Desta forma realiza Sérgio um ataque ao materialismo dialéctico, colocando a questão socialista não como a crença numa fatalidade que nos é externa, mas como uma ideia que em nós temos, pela qual batalhamos e a qual desejamos que se concretize.
O Socialismo Libertário
“Vens sempre com o interesse do Estado. A mim só me interessa o interesse do Povo […]. Confundes o comunismo, aí, com as ideias libertárias.”[5] Libertária, será a doutrina que defenda a autonomização dos indivíduos face à necessidade da coerção. Sérgio recusa sistematicamente qualquer equiparação do seu socialismo ao existente na Europa de Leste devido a esta diferença fundamental. Nas últimas páginas temos visto com efeito que Sérgio se considera um anti-estatista. Ora, se o socialismo sergiano é, não apenas democrático, mas libertário; se não se limita a defender uma limitação dos poderes públicos (existente em qualquer democracia), mas afirmando que o Estado, numa situação ideal, é inclusivamente prescindível, qual o meio (e também fim) do seu socialismo? A sua resposta analisá-la-emos no próximo ponto, mas damo-la desde já: o seu socialismo não é meramente democrático (não é apenas uma social-democracia) mas libertário, na medida em que a função económica – basilar para o funcionamento social – é garantido não pelo Estado, nem por empresas privadas, mas por cooperativas. E, como o próprio escreve, “Cooperativismo e estadualismo são dois conceitos que se repelem.”[6]
“ […] o antiestatismo que para mim adopto […] não gira à roda da obtenção de um lucro, como é próprio da doutrina do liberalismo económico, mas da criação de uma Sociedade não-lucrativista e fraterna […] estou de perfeita harmonia com uma peça fundamental da doutrinação marxista: a ideia de que o Estado deverá enfim ‘murchar ’ […] é a própria Nação que deve ser socialista […], muito mais do que o Estado.”[1] Da citação realizada podemos introduzir as relações entre o socialismo sergiano e o Estado. A sua postura resulta da adopção de uma postura típica do seu “Terceiro Homem”: ele visa uma sociedade baseada em pessoas autónomas, o que implica um Estado fraco, mas uma sociedade forte: não é um regime selvagem de busca do lucro, mas também não é um regime esmagador que, para acabar com o Estado, o torna primeiro num monstro incontrolável.
O Estado, tal como ele existe, terá sempre a tendência para ser o que é: “o Patrão dos patrões, […] instrumento do poderio dos plutocratas.”[2] Na longa marcha que é a democracia sergiana, ele tem de se transformar lentamente, e nem se substituir aos indivíduos (como os comunistas pretendem) nem abandoná-los à sua sorte (como o liberalismo económico defende). A sua tarefa será então a de auxiliar os cidadãos na construção presente e contínua do socialismo.
Já vimos que o socialismo sergiano tem uma feição anti-estatista. O Estado deve desaparecer lentamente, abrindo espaço à sociedade, ao país. Não obstante, não é esta a única distinção que é possível fazer entre António Sérgio e outras correntes socialistas, nomeadamente as de inspiração marxista.
Os Socialismos
Uma outra distinção de grande relevância aflorámos também agora: se o Estado deve desaparecer lentamente, podemos com efeito concluir que não é Sérgio favorável a súbitas mudanças. As mudanças súbitas têm em si uma inseparável dose de violência – e é de facto violento o discurso que Sérgio observa, e lamenta, em muitos socialistas. A seu ver o mundo encontra-se preparado para a mensagem socialista, parecendo-lhe por isso contraproducente afastar o público através de atitudes belicosas. Ao invés de discursos inflamados, entende o autor que o que os portugueses precisam será que lhes sejam “[oferecidos] os princípios das concepções socialistas já em troco miudinho, já bem concretizados em soluções concretas”[3]. As lutas ideológicas abstractas não são entendidas pelo português comum, e de resto não lhe aproveitam: o que convirá será provar de forma prática a superioridade do socialismo sobre a sociedade existente. O combate pela polémica corresponde a seu ver a uma fase preparatória e que se dá apenas nos círculos mais instruídos. Ora, havendo já múltiplos exemplos do socialismo por si defendido, como seja em Israel ou nos países escandinavos, e havendo um número relevante de socialistas esclarecidos, poder-se-ía (dever-se-á) avançar para a materialização do socialismo.
Para além desta questão de método (que resulta de uma determinada concepção de socialismo, mas que se centra no problema metodológico) há uma outra questão, essa muito profunda e que vai à raiz do pensamento sergiano: ao seu idealismo radical, ao seu racionalismo: “E se sou revolucionário, é por ser idealista; se sou socialista, é por lei intrínseca do meu próprio espírito […]. O revolucionismo verdadeiro não está nas coisas, mas sim em nós. […] Ninguém é socialista por se conformar com a matéria, mas sim por apego a um ideal de justiça, a um protesto interior.”[4] Desta forma realiza Sérgio um ataque ao materialismo dialéctico, colocando a questão socialista não como a crença numa fatalidade que nos é externa, mas como uma ideia que em nós temos, pela qual batalhamos e a qual desejamos que se concretize.
O Socialismo Libertário
“Vens sempre com o interesse do Estado. A mim só me interessa o interesse do Povo […]. Confundes o comunismo, aí, com as ideias libertárias.”[5] Libertária, será a doutrina que defenda a autonomização dos indivíduos face à necessidade da coerção. Sérgio recusa sistematicamente qualquer equiparação do seu socialismo ao existente na Europa de Leste devido a esta diferença fundamental. Nas últimas páginas temos visto com efeito que Sérgio se considera um anti-estatista. Ora, se o socialismo sergiano é, não apenas democrático, mas libertário; se não se limita a defender uma limitação dos poderes públicos (existente em qualquer democracia), mas afirmando que o Estado, numa situação ideal, é inclusivamente prescindível, qual o meio (e também fim) do seu socialismo? A sua resposta analisá-la-emos no próximo ponto, mas damo-la desde já: o seu socialismo não é meramente democrático (não é apenas uma social-democracia) mas libertário, na medida em que a função económica – basilar para o funcionamento social – é garantido não pelo Estado, nem por empresas privadas, mas por cooperativas. E, como o próprio escreve, “Cooperativismo e estadualismo são dois conceitos que se repelem.”[6]
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