segunda-feira, 11 de junho de 2007

Uma história exemplar



Continuando a temática do post anterior, gostaria de dar um destaque especial a esta história. Há cerca de uma semana fui jantar com ex-colegas de trabalho, a maior parte dos quais se encontra ainda na empresa (uma empresa de telecomunicações) onde me contaram o que tinha sucedido no dia anterior (31 de Maio). Nesse dia terminou um contrato de 6 meses (tinham em Novembro prometido, depois da mudança na gestão do call-centre, que iriam cumprir um contrato de 3 anos, mas 6 meses depois a promessa já estava no caixote do lixo) tendo a empresa proposto um novo contrato de 2 meses a todos os trabalhadores.

Tendo em conta que o ambiente de trabalho estava em declínio permanente desde há vários meses (em Março chegaram a estimular a delacção entre colegas e em Abril cortaram metade do prémio de desempenho dos trabalhadores alegando falta de dinheiro [!!!]) uma das equipas, responsável pelo atendimento da área mais rentável da empresa exigiu melhores condições salariais. Em 6 anos tanto quanto me contaram só houve um aumento de 2% sobre o salário base (o que faz um aumento real sobre o vencimento normal de cerca de menos de 1,5% - ou seja, 0,25% por cada um dos 6 anos) e tendo em conta as responsabilidades crescentes, pareceu a essa equipa ( que desempenhava um papel fundamental, dado que apesar de estar toda em outsourcing, era vital para suprir as insuficiências e a ineficiência da empresa quie subcontratava o seu serviço) que um aumento dos direitos não cairia mal.

Não foi esse o entendimento nem da empresa-mãe, nem da empresa que gere o call-centre. Resultado: no último dia do contrato, os vários membros da equipa anunciaram que não iriam assinar o próximo contrato temporário. Tendo vindo apetrechados de mochilas, guardaram e levaram para casa todos os procedimentos que foram construíndo ao longo dos vários anos de trabalho e que nunca chegaram a ser, por exemplo, passados para a intranet da empresa (mais uma vez, por incompetência dos quadros intermédios e superiores da empresa de telecomunicações).

E assim foi: literalmente de um dia para o outro, todo um sector ficou paralisado e vários anos de trabalho perdidos. É um facto que as nossas leis laborais são más: não é menos verdade que os nossos patrões são ainda piores. Bem sei que este caso que apresentei é puramente excepcional, mas não deixa de ser exemplar. A empresa preferiu prejudicar o negócio e os clientes a largar umas migalhas a trabalhadores que considerava serem suficientemente bons para os manter há vários anos e com um grau de autonomia apreciável.

Há outra coisa que eu gostaria ainda de dizer. Um dos gestores do call-centre disse a vários dos trabalhadores que o mercado de trabalho é muito pequeno e que de futuro, se tivesse de escolher entre um deles, mesmo sendo excelente trabalhador, e outro qualquer, mesmo que mau, preferiria, como punição, escolher o mau trabalhador. Este é um dos efeitos mais nocivos do outsourcing de mão-de-obra e das empresas de trabalho temporário (para lá de, por exemplo, fazer aumentar os gastos com mão-de-obra em simultâneo com a redução dos salários). Numa relação que por natureza já é desequilibrada (em favor do contratador) meia dúzia de empresas (muito graças ao conservadorismo de algum sindicalismo) detêm agora o grosso dos postos de trabalho em várias áreas (com tendência para forte expansão). É uma espécie de contrato colectivo ao contrário: ao invés de se centralizar a oferta de mão-de-obra, centraliza-se a sua procura. Se ao contrato colectivo podemos apontar uma infinidade de falhas (que são em boa parte as responsáveis pelo próprio desenvolvimento destas empresas), que dizer deste processo que agora se atravessa?

3 comentários:

FuckItAll disse...

Boa história, indeed

Anónimo disse...

A empresa onde trabalho não tem falta de dinheiro. Paga-se bem.
Trabalho em telemarkting.

Mas, há empresas e empresas...


Rui

Igor Caldeira disse...

Oh, esta também não tem falta de dinheiro. A maior empresa de outsourcing de Portugal não poderia ter falta de dinheiro. Agora, isso é a realidade. outra coisa são as justificações que dão...