- o acordo que assinamos [...] só foi possível porque as tabelas salariais da Autoeropa estão muito acima das negociadas com os sindicatos.
- Ao contrário do que se tem dito, a Autoeuropa não tem adaptabilidade de horários.
- a avaliação da assiduidade é mais favorável para os trabalhadores do que o que está definido no Código de Trabalho.
- O acordo [...] também nada tem a ver com o que alguns entendem por flexigurança. [...] o que foi negociado não é nem uma versão local de flexinsegurança, nem qualquer liberdade de despedir. Pelo contrário: ele só foi possível perante a garantia de que não haveria um único despedimento até Dezembro de 2008. Garantia que está a ser cumprida.
- Que não haja enganos. A empresa ganhou com isto.
- Comparar isto com a possibilidade de cada empresa despedir a seu belo prazer, pela cor dos olhos, ou por que se é delegado ou activista sindical, com o direito arbitrário do patrão mexer nos horários dos trabalhadores e com a perda de dias de férias é um truque de ilusionismo extraordinário. [...] Aqui, na Autoeuropa, não há menos férias, menos subsídios ou mais facilidade de despedimentos do que no resto do país. Antes pelo contrario.
- O segredo destes acordos não tem segredo nenhum. Está num diálogo permanente, em reuniões semanais com a Administração, e na informação que recebemos sobre a situação da empresa, a todo o momento.
- Só que todos sabemos que os patrões portugueses e os administradores da maioria das multinacionais aqui implantadas não querem dar este salto: partilhar informação com as estruturas representativas dos trabalhadores.
- esta é a cultura oposta à dos que, aplaudindo as propostas apresentadas no livro branco, não querem nem acordos nem negociações com os representantes dos trabalhadores das suas empresas. A cultura de imposição e da opacidade torna o modelo negocial que temos tido na Autoeuropa numa miragem. Não o usem, por isso, para fazer exactamente o oposto do que aqui temos conseguido.
É-me impossível não aplaudir vivamente o caso AutoEuropa. Ela pode ser um modelo para várias outras empresas no país. No entanto, há vários problemas que têm de ser aqui tidos em conta:
- A maior parte da economia nacional não é formada por grandes empresas que congreguem centenas ou milhares de trabalhadores num mesmo local. Isto dificulta processos negociais como o que está em causa.
- Há também um problema que tem que ver com a própria indústria em causa. A indústria automóvel é um dos poucos exemplos em que realmente processos deste tipo conseguem ser relativamente vulgares e que foi pioneira neste campo. Será sempre possível transpô-lo para outros campos?
- Há um terceiro problema que é cultural. O António Chora refere parte dele: os patrões portugueses simplesmente não querem ouvir falar de negociação. E quando isso acontece, está o assunto arrumado. É preciso que haja mais empresas do tipo renano (Michael Albert, Capitalism Against Capitalism). No entanto, também é um facto que o que Daniel Arruda (membro da Comissão de Higiene e Segurança da AutoEuropa) designava por espírito sindicalista alemão é fundamental para compreender este acordo. A meu ver, a maior parte dos sindicalistas portugueses estará ainda demasiado preocupada em derrubar o Estado capitalista ao invés de tratar dos interesses dos trabalhadores. O diálogo é um caminho de dois sentidos.
- Na sequência do que acabei de escrever, é (era) preciso que os empresários (e políticos) portugueses queiram (quisessem) de facto um sistema de flexigurança, e não um sistema de flexibilização pura e simples mas com outro nome. As declarações que recentemente ouvi a Van Zeller (CIP) só me deixaram sossegado num ponto: ao menos ele diz que o quer quer é mesmo flexibilização, agora lá como lhe chamam é indiferente. Esta é uma limitação cultural gravíssima a um verdadeiro processo de implementação de um sistema similar ao de Rasmussen.
- Assim sendo, compreendo a objecção do texto à flexinsegurança; no entanto, também sei que, como há milhões de portugueses que não poderão nunca beneficiar nem de sistemas inícuos como o da Função Pública, nem de sistemas racionais e inteligentes como o da AutoEuropa, temos de dar resposta a essa fatia da população (na qual, de resto, me incluo) que tem de lidar com um mercado que, sendo hiper-regulado pela lei, deixa no entanto fatias crescentes da população trabalhadora (em particular os mais jovens) numa situação de completa desprotecção. Defendo uma lei mais flexível em geral, e mais controladora de sistemas como os recibos verdes ou o trabalho temporário. E não, isto não significa ter menos férias. Os portugueses são dos que mais trabalha em termos de horas, e nem por isso são os mais produtivos. A diferença não está na quantidade de tempo dedicado ao trabalho, mas na qualidade do trabalho.
- Por fim, Portugal não é a Dinamarca. E aqui não há grande volta a dar. Um sistema de fortalecimento da componente "segurança" implica mais gastos com cada um dos trabalhadores que se veja desempregado. Embora - e isto é de ter em conta - o sistema pareça criar condições altamente favoráveis a uma diminuição do desemprego. Pode bem ser que ainda assim, os gastos finais ao nível de Segurança Social não só não tenham aumentos exponenciais, como até possam descer.