Sobre Cuba e a reportagem da RTP
- Deve o trabalho da jornalista ser posto em causa por ser filha de quem quer que seja? Se sim, a discussão está terminada - quem defende que os filhos sejam julgados exclusivamente pela conduta dos pais, é totalitarista. Quem é totalitarista não é digno de diálogo.
- A reportagem está correcta (existe repressão em Cuba) ou errada (Cuba é um paraíso de liberdade)?
- Se há repressão em Cuba, o regime é bom ou é mau?
- São a repressão política e a proibição da liberdade de expressão e associação justificáveis para impedir que haja desigualdades económicas (para lá das que já existem entre quem é do partido e quem não é do partido, mas não vamos complicar demasiado o assunto)?
- Chegando à conclusão que Cuba talvez não seja um paraíso, e podendo não se ser um pró-americano descerebrado e podendo-se até desgostar da selvajaria neoliberal, devemos nós seguir a mesma lógica da actual Administração de Washington DC, segundo a qual o inimigo (Cuba) do nosso inimigo (Bush) nosso amigo é?
Se sim, então que moral tem esta escumalha para criticar os neocons? Quem se alia ao totalitarismo cubano ou ao fundamentalismo religioso, seja por razões ideológicas (porque os apoia de facto) seja por razões estratégicas (porque se opõem aos nossos inimigos) não é melhor que a extrema-direita conservadora e neoliberal.
6 comentários:
Análise certeira, Igor. Sempre me questionei porque razão se defende em alguns países, o que se detrai noutros?!
Eis a resposta!
bjs
Olá Graça, esta coisa do "inimigo de meu inimigo meu amigo é" veio-me à memória em parte porque ontem resolvi repetir aqueles teste que deves conhecer, o Political Compass, e essa é uma das questões que lá surge. Essa é uma perspectiva que normalmente associamos nos tempos que correm ao Caubói da Sala Oval, mas que na verdade é uma constante de todos os autoritaristas. Aliás, o que aquele teste bem demonstra é precisamente há autoritaristas de esquerda e direita - e eu não gosto de nenhuns deles.
Embora, admito, possa estar a fazer confusão. Posso estar realmente a cometer um erro terrível, presumindo (sem razão para tal) que as pessoas que se insurgiram contra a reportagem da RTP sejam simplesmente anti-Bush ou até anti-americanos. Não, a maior parte serão provavelmente defensores de regimes daquele tipo. Não é que sejam estrategicamente aliados, é que são estruturalmente ditatorialistas. A imagem simétrica dos que eles criticam, portanto.
Bjs
Caro Igor,
Não há paraísos de liberdade. Há governos, sociedades e regimes mais repressivos e menos repressivos, e isto torna tudo relativo. Quando se diz que um regime é repressivo, impõe-se a pergunta: repressivo em relação a quê e em comparação com quê?
Em relação ao regime anterior? Esta é uma comparação que vai perdendo relevância com o tempo. O regime de Fidel Castro até pode ser um modelo de democracia comparado com a ditadura de gangsters que existia anteriormente em Cuba, mas a revolução foi há tempo demais para que esta comparação sirva de desculpa.
Em relação aos regimes vizinhos? No caso de Cuba esses vizinhos são o Haiti e a República Dominicana: por esse termo de comparação o regime cubano pode considerar-se razoavelmente democrático.
Em relação à sociedade civil? É uma pergunta que se pode fazer. Há sociedades civis que são mais liberais do que os respectivos regimes políticos, assim como as há que o são menos. Em qual destas categorias se pode incluir a sociedade civil cubana?
Em relação a um consenso internacional? Por aí as coisas estão feias para o regime cubano. Ou talvez não estejam. Talvez esse consenso não exista. Talvez em todo o mundo as pessoas que prezam a liberdade sejam, e tenham sido sempre, uma minoria (hipótese que ajudaria a explicar a mentalidade do "inimigo do meu inimigo meu amigo").
Em relação ao que seria possível no passado? Em relação ao que será possível no futuro? Em relação à Suécia? Em relação à Coreia do Norte? Em relação à Europa? E neste caso, a que Europa?
Por mim, o que eu gostaria de ver acontecer em Cuba seria uma transição pacífica para a democracia, como aconteceu em Portugal e Espanha nos anos 70 do século passado. Acho que essa transição tem boas hipóteses de acontecer se o resto do mundo não estragar tudo. E acho que a melhor maneira de ajudar não é chamar nomes feios a Fidel Castro, que não vai viver para sempre, nem a Raul Castro, que com um pouco de apoio e espaço para respirar pode muito bem vir a revelar-se o Gorbatchov cubano.
Excelente post, Igor!!!
Lembro-me de aqui há uns tempos ter escrito no Devaneios um post (http://devaneiosdesintericos.blogspot.com/2006/09/dos-esquerdismos-de-uma-certa-esquerda.html) sobre Cuba, tendo por base uma refugiada política que recebemos em Zurique.
Então, recebi cerca de 3 e-mails de leitores perguntando-me, um deles, "que espécie de Esquerda" era e, outro e-mail, acusando-me de ser um "menino beto travestido de esquerdoso"...
Quanto ao Reino dos Fins, confesso-te que estou viciado na excelência deste blog :)
Este debate tem sido interessante! Parabéns e obrigada a quem contribuiu!
José Luiz,
Só poderemos saber o que Cuba pode ser quando aos cubanos forem dadas as rédeas do seu destino. Até lá, direi simplesmente que este regime é mau, péssimo, intratável, porque não há possibilidade de fazer comparações. Vamos, precisamente e como aponta, comparar com o quê? Um regime no qual não é dada a cada um a possibilidade de fazer as suas comparações e a partir daí as suas escolhas, é um regime iníquo.
Max,
obrigado quanto ao comentário :-)))
No que respeita ao que te disseram, é comum, mas também não é problemática. É que realmente quem te disse isso pode ser de esquerda, tal como tu, mas a diferença crucial está entre o facto de um ser democrata e o outro ser "democrata". Ele, o puro, é um iluminado que atingiu a perfeição. Ele, a vanguarda, está apenas a fazer-te ver a luz, não percebes? A luz!
Estive a ler o teu post. Creio que deve ser reavivado.
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