domingo, 5 de agosto de 2007

Do direito à infelicidade

Ao ver a sondagem neste blogue tive um baque no coração. Cativado de imediato, votei na última opção, apenas porque me pareceu a mais misantropa de todas e porque de facto eu tenho qualquer coisa de misantrópico. Que combato com o humanismo, etc. - mas depois olho para o Homem...
Adiante. Não sei se a felicidade é uma ilusão. Também não me preocupa assim tanto. Se for, que seja. Mas há uma coisa que eu gosto de dizer: eu tenho (todos temos) o direito a ser infelizes. Considero o direito à infelicidade algo de inalienável do ponto de vista da liberdade humana. Qualquer governo que diga que nos quer fazer felizes é um perigo e deveria ser deposto de imediato.

Significa isto que eu pretendo ser infeliz? Não. Significa que pretendo que ninguém me diga como ser feliz. Já abordei esta questão anteriormente, embora sob uma perspectiva diferente. Há uma diferença abissal entre dizer que pretendemos que o Estado ou a sociedade dê máximos de felicidade ou mínimos de justiça. Os mínimos de justiça garantem que ninguém será espezinhado, seja por falta de cuidados seja por excesso de zelo. Pelo contrário, a discricionaridade que os máximos de felicidade permite abre as portas a tudo: desde o abandono do indivíduo à sua sorte até à inclusão nas mais opressoras instituições. A imposição da felicidade como um valor político é fonte de extremismos vários, desde o libertarianismo ao estalinismo, passando pelos fascismos.

A nossa preocupação, enquanto cidadãos, é garantir que todos os que queiram ser felizes tenham as condições que o permitem. Cada um decidirá como quer ser feliz. Mesmo que o seja sendo infeliz.

5 comentários:

Eurydice disse...

Muito interessante o blog citado, e muito interessante post... :)
Tens razão num ponto muito preciso: a felicidade de cada um é com cada um.

Elisabete Joaquim disse...

Curiosamente, nunca a tradição filosófica aceitou que temos o direito de ser infelizes. Temos esse poder, certo. Mas a grande maioria da argumentação produzida sobre o tópico da Felicidade diz-nos que temos o dever de ser felizes. E daí vem a Dignidade, etc.. Agora quanto ao papel da política nesta questão, não haverá um tipo de Felicidade negativa que o Estado, a existir, tem o dever de nos fornecer? Se por Felicidade negativa entende-se a ausência daquilo que causa dor, o que são a Polícia e a Justiça senão dispositivos de Felicidade negativa para os cidadãos, à qual chamamos segurança?

Eurydice disse...

Eva: a questão da ausência de dor, não é?
Este assunto tem-me interessado, pois de um modo geral tenho vindo a interrogar-me se a questão da felicidade é uma questão que interesse colocar. Eu explico: a felicidade é tão volátil e tão dispersa enquanto conceito, reveste tantas formas ou depende de coisas tão dispersas, tão acidentais, que se calhar não pode ser critério para coisa nenhuma nem será útil formulá-lo. Se calhar não é aí que devemos iniciar ou concluir a reflexão.
Desculpem se pareço obscura, mas até hoje não tinha encontrado ninguém que debatesse o assunto em termos que me levassem a querer discutir as minhas dúvidas. :)
Por isso tenho o discurso formulado só para mim, de certo modo...

Elisabete Joaquim disse...

Sim Bianca, o conceito de Felicidade é extremamente vago dado que o seu conteúdo é, de algum modo, relativo ao espaço/tempo/pessoa. Mas ainda assim, não acho que seja inútil reflectir acerca da questão pois toda a gente (ou quase) tem uma ideia de Felicidade formal. Toda a gente tem em comum tomar Felicidade como um fim mental que nos traçamos, e é esse projecto que nos permite orientar a nossa vida. Conscientemente ou não, julgo que a maioria dos seres humanos tenta traçar um sentido para a sua vida. E é a esse estado de equilíbrio entre a vontade e a realização (porventura inantigível) que se tende a chamar Felicidade. Em certo sentido, saber em que se quer ser feliz é saber qual o sentido que queremos para a nossa vida. Foi essa questão que coloquei no meu post pois acho que ela é ainda mais difícil de resolver no caso das mulheres. Sobre esse assunto, a tradição tem-nos dado pouco mais do que cliches. Não será mesmo importante reflectir sobre o assunto? Eu sinto que é.

Igor Caldeira disse...

" grande maioria da argumentação produzida sobre o tópico da Felicidade diz-nos que temos o dever de ser felizes"

É verdade. E quando a felicidade própria não é um dever, pode ser a felicidade alheia. É o caso de Kant (fins que são deveres são a perfeição própria e a felicidade alheia). Kanta não refere o direito à infelicidade, mas pelo menos nega que a moral nos ensine a ser felizes (Paz Perpétua), mas sim que nos ensina a ser dignos da felicidade. Em todo o caso, é uma diferença assinalável.

A questão da felicidade tornou-se fundamental para a compreensão do estado moderno via utilitarismo. A felicidade dos cidadãos tornou-se num dever do Estado, o que me parece, como já disse, perigoso.

"estado de equilíbrio entre a vontade e a realização (porventura inantigível) que se tende a chamar Felicidade. Em certo sentido, saber em que se quer ser feliz é saber qual o sentido que queremos para a nossa vida"
Parece-me uma boa definição de Felicidade.

Talvez o que possa depois haver é alguma polissemia. De facto, poderemos nós achar que a felicidade dos filósofos da modernidade, a felicidade política, fosse para ele igual à felicidade individual? Não creio. Creio que a felicidade política pode ser realmente a ausência de dor. Individualmente cada um saberá o que procura: uma vida calma, sem dor, uma incessante busca de prazeres, ou algo entre estes dois extremos.