sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Vai a meias ou com cinto?

Sempre único, Pedro Arroja deu um conselho à filha: nunca te cases com um tipo que, quando te convida para jantar, reparte a conta a meias contigo.


Os lambe-botas do costume acrescentam que dar a mama aos bébés é também perigoso (isso incluirá o biberão?) e que o retorno ao leite materno em detrimento do leite em pó é um retorno aos valores tradicionais. Pela cabeça desta gente não passa a importância de o pai também desenvolver uma "relação de pele" com os filhos, dando-lhes o biberão ou mudando-lhes a fralda (provavelmente isso é, na linha de Goebbels, uma feminização dos homens). E muito menos lhes passa pela cabeça que o retorno ao leite materno é um imperativo sanitário, dado que o leite materno é fonte insubstituível de muitos elementos que favorecem um desenvolvimento correcto da criança. Não. Não é uma questão de ciência. É uma questão de tradição.


Quanto ao conselho de Arroja em si, depois daquela bela sentença faltava terminar assim: E se o tipo te pagar o jantar mas não te arrear todas as semanas e durante o noivado não te mandar pelo menos uma vez para o hospital, foge: deve ser maricas.


Isto faz-me lembrar um dos pontos altos do barroco português:

Saío a noiva muito bem trajada
Saío o noivo muito bem trajado,
O noivo em tudo muito bem conchegado,
A noiva em tudo muito bem conchagada.
-
Ela uma enágoa muito bem bordada
Ele um capote muito bem bordado;
Do mais do noivo tudo d'emprestado,
Do mais da noiva tudo emprastada.
-
Folgámos todos os amigos seus
De ver o noivo assim com tanto brio,
De ver a noiva assim com tantos brios.
-
Disse-lhe o cura então: - Confia em Deus,
E respondeo o noivo: - E eu confio.
E respondeu a noiva: - E eu com fios.

D. Tomás de Noronha (? - 1651), FÉNIX RENASCIDA

Para o poema de Noronha se aplicar melhor, teria de terminar assim:
Disse-lhe o cura então: - Consente no acto,
E respondeo o noivo: - E eu consinto.
E respondeu a noiva: - E eu com cinto.

2 comentários:

Elisabete Joaquim disse...

sim, anda por aí uma onda de revivalismo machista cientificamente comprovada pela ordem natural das coisas. A selecção natural que tanto prezam há de tomar conta deles.

Armando Rocheteau disse...

Parabéns pelo texto.